Nádia Pontes – Deutsche Welle
Enquanto líderes de governos tentam chegar a um acordo sobre o que seria “economia verde”, Fritz Holzwarth, diretor do Departamento de Águas do Ministério alemão de Meio Ambiente, diz o que o termo não é: “economia verde não é um conceito que determina o que os países ricos devem fazer e o que os países em desenvolvimento devem fazer”, disse nesta quarta-feira (16/11) em conversa com a DW Brasil. Mas essa atmosfera de “divisão” domina as discussões de bastidores de quem negocia política do clima. Embora haja um grande esforço para unificar a mentalidade, visto em iniciativas como a Conferência Nexus sobre Água, Energia e Segurança Alimentar, que acontece em Bonn até 18 de novembro como evento prepatório para a Rio+20, o discurso direcionado às nações que vivem o boom econômico neste momento de crise climática é mais afiado.
“Se o mundo agora está numa situação ruim, não foi porque nós, os emergentes, fomos os ‘bad guys’ . Todos sabem das responsabilidades históricas dos países ricos tradicionais, os grandes poluidores. Mas essas acusações vêm daqueles que querem garantir a sua supremacia sem promover grandes mudanças”, argumentou o pesquisador Crispino Lobo, da Watershed Organization Trust, ONG da Índia, num ataque leve às nações mais ricas.
“Todos os países têm o direito de se desenvolver. Mas a economia verde não deve ser uma barreira para o crescimento. Se esse é o caso dos emergentes? Talvez não. Mas talvez as nações mais ricas tenham também que mudar drasticamente, por exemplo, o modo de consumir”, refletiu Alexander Muller, da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).
O novo padrão de consumo de economias como Brasil, China e Índia é apontado como um dos maiores obstáculos para o uso sustentável dos recursos naturais. Pesquisadores não sabem dizer exatamente o que aconteceria se toda a população chinesa, estimada em 1,3 bilhão, adotasse o mesmo padrão de vida dos norte-americanos. Mas em 2011, por exemplo, seria preciso um planeta e meio para suprir toda a demanda da humanidade, aponta cálculo feito pela Global Footprint Network.
Holzwarth concorda que as demais economias emergentes tenham direito de crescer – mas recomenda que as políticas de cada setor não sejam vistas isoladamente. “Por exemplo, a atividade de biocombustível no Brasil. Ela é concentrada apenas na redução de dióxido de carbono, mas não se olha para os efeitos sobre a água, sobre a poluição, sobre os índios, sobre a floresta. O Brasil deveria tomar conta disso”, critica Holzwarth.
Por outro lado, ele mesmo admite que se “leva tempo” até que a sociedade adquira consciência ambiental. “Na Europa foram necessários uns 20 anos”, completa Holzwarth. “Sobre os países ricos, posso dizer que não somos autocríticos o suficiente. E sabemos que enquanto não houver mudanças no mundo desenvolvido – e aqui você deve considerar os Estados Unidos –, não haverá mudança no mundo em desenvolvimento.”
HIPOCRISIA
Para o economista norte-americano David Zetland, atualmente pesquisador da Universidade de Wageningen, na Holanda, essa cobrança que paira sobre os emergentes esconde um lado feio da política. “É tudo uma grande hipocrisia. É verdade que os países desenvolvidos querem que os em desenvolvimento não cometam os mesmos erros que trouxeram tantos prejuízos ambientais. Mas também é fato que essas economias tradicionais simplesmente não querem que alguns setores cresçam ainda mais nessas nações emergentes”, declarou.
Nessa discussão sobre economia verde, Crispino Lobo admite que a Índia poderia assumir uma culpa: “A de que não estamos avançando para uma economia de baixo carbono e sustentável na velocidade necessária e na escala adequada”. E, segundo o especialista, o cenário futuro não é promissor. “Produzir energia no ritmo de crescimento do nosso país é o nosso maior desafio. Acredito que iremos continuar dependentes do petróleo ainda por um longo período”, confessou.
Sistema usa imagens de satélite dos EUA
O monitoramento por satélite da floresta amazônica brasileira ganhou impulso com a criação do programa de computador Terra Amazon. O sistema coleta as imagens do satélite norte-americano Landsat e as transforma em informações: mapas, área e local onde acontece a degradação florestal. O projeto nasceu na era do papel, avançou pela idade digital e ganhou diferentes versões: o Prodes mede taxas anuais de desmatamento e o Deter trabalha com um levantamento mais rápido, que emite alertas para a fiscalização. “Esses dados são disponibilizados para o Ibama em 15 dias, que vai no local fiscalizar para ver se está acontecendo alguma coisa”, diz Alessandra Gomes.
Para André Muggiati, da Campanha Amazônia, do Greenpeace, o trabalho do Inpe é fundamental. “É a base para medir o progresso ou retrocesso nas políticas públicas na região amazônica. Sem o monitoramento, não daria para avaliar o que acontece na região.” O especialista, que coordena os estudos do efeito da pecuária sobre a floresta, classifica a iniciativa como “pioneira e eficaz”.
Muggiati complementa que, desde que começou a observação via satélite e picos de derrubadas de árvores foram identificados, o governo brasileiro agiu para conter a degradação florestal. “Por isso vemos que a curva do desmatamento diminui. E o interessante é que esses dados são acessíveis para todos, a sociedade é alertada e pode fazer pressão para que o governo reaja”, comentou.
A expectativa é de que o Instituo Nacional de Pesquisas Espaciais divulgue em breve as taxas de desmatamento de 2010/2011 – o instituto costuma publicar os dados em meados de setembro ou outubro. Ativistas preveem que a degradação na Amazônia tenha aumentado nesse período, e que esse “atraso” possa ser motivado pela discussão acalorada em Brasília, que debate a flexibilização do Código Florestal.
Experiência chega a outras partes do mundo
Depois de mais de 20 anos de monitoramento da floresta amazônica, o Brasil começa a levar a experiência acumulada a outras partes do mundo. Em tempo: a pressão para que países em desenvolvimento aumentem a vigilância sobre sua área verde cresce à medida que as negociações climáticas avançam. Foi nos laboratórios do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que nasceu o primeiro sistema de monitoramento de floresta tropical do mundo, o Terra Amazon, em 1988. “Temos um método já consolidado, maduro o suficiente para ser exportado. Nosso objetivo é capacitar países que tenham cobertura florestal e que precisem de um sistema robusto”, explicou à DW Brasil Alessandra Gomes, do projeto Inpe Amazônia.
Outros parceiros de peso abraçaram a iniciativa: a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e a Agência de Cooperação Japonesa (Jica) formularam, junto com o Brasil, programas de capacitação. O resultado: México, Gabão, Guiana, Congo, Papua Nova Guiné e Vietnã já começaram a aplicar o sistema de monitoramento aprendido com os brasileiros. “Terra Amazon é operacional, cientificamente sólido e aceito internacionalmente. Muitos países veem aí um exemplo e querem adotá-lo em seu contexto”, contou Inge Jonckheere, da FAO.
Seis turmas internacionais já foram habilitadas. E, até o final desta semana, venezuelanos, bolivianos, colombianos, peruanos e equatorianos estão em treinamento em Belém, no Pará. “Depois, eles voltam para o país de origem e montam uma sala de observação para fazer o monitoramento lá”, acrescentou Gomes. Também nações africanas com cobertura florestal estão envolvidas. Além do Congo, que possui a segunda maior floresta tropical do mundo e sofre com a extração ilegal de madeira, Moçambique e Angola enviaram pessoal para ser treinado no Brasil.
A transferência de tecnologia é gratuita: os participantes aprendem como baixar as imagens de satélites, a transformar estas informações em dados que indiquem onde há desmatamento e a montar o banco de dados. “O objetivo é que, por meio desse sistema que o Brasil desenvolveu, outros países trabalhem na detecção do desmatamento, degradação florestal, e estoques de carbono em seus territórios”, completou Jonckheere.
A FAO incentiva os participantes a irem além de um simples monitoramento de florestas. “Olhamos para esse projeto no contexto das negociações climáticas e do programa de REDD”, argumentou Jonckheere. A Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação é um dos mecanismos criados pela ONU que inclui na conta das emissões de gases de efeito estufa aquelas que são evitadas pela redução do desmatamento e pela degradação florestal.