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Escolas têm dificuldade para garantir acessibilidade

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Margareth Grilo
Repórter Especial

Por decreto federal, desde 2007 todas as escolas devem ser acessíveis a pessoas com necessidades especiais. O espaço da escola deve permitir não apenas o acesso, mas a circulação com autonomia e uma utilização adequada a todas as dependências – da sala de aula, à biblioteca, banheiros, refeitórios e quadras esportivas. A política trouxe mudanças e avanços, mas a universalização do ensino, preconizada como a segunda grande diretriz do Plano Nacional de Educação (PNE) 2011-2020, ainda esbarra em desafios.
Gessé José de Araújo perdeu a visão mas assiste as aulas na escola Padre Miguelinho com a ajuda de um notebook com recursos de som
De acordo com o Censo Escolar 2010, do Ministério da Educação, apenas 17,5% das escolas brasileiras têm banheiros e dependências acessíveis – contando salas, corredores e auditórios – adequados a pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. No Rio Grande do Norte,  das 718 escolas da rede estadual, 502, cerca de  70%, já possuem projetos de acessibilidade. Destas, 94 estão no município de Natal, que possui, ao todo, 120 unidades de ensino.

Os dados são da Subcoordenadoria de Educação Especial, da Secretaria Estadual de Educação e mostram que o índice de acessibilidade nas escolas está acima da média nacional, mas ainda longe da universalização. A reportagem da TRIBUNA DO NORTE visitou várias escolas, ao longo das últimas duas semanas, e encontrou exemplos considerados modelos de acessibilidade, como é a Escola Estadual Edgar Barbosa, e outros como Atheneu e padre Miguelinho que ainda mantém inúmeras barreiras arquitetônicas.

“Ainda não temos em toda a rede de ensino, seja ela pública ou privada um desenho universal, do ponto de vista arquitetônico, como preconiza a Normativa 9050”, diz o arquiteto e urbanista da Subcoordenadoria para Integração das Pessoas com deficiência no Rio Grande do Norte (Corde/RN), José Gesy de Brito Souza. A NBR 9050, da Associação Brasileira de Normas e Técnicas (ABNT), regulamenta a acessibilidade de pessoas portadoras de deficiência a edificações, espaço, mobiliário e equipamento urbano.

A norma não se preocupa apenas que o aluno se matricule na escola, mas que permaneça estudando. Hoje, diretores de escola, professores e pais de crianças e adolescentes com necessidades especiais são unânimes em dizer que eliminar as barreiras arquitetônicas é só o primeiro passo. Depois dele, devem se seguir outros. “Incluir não é só jogar o aluno na escola. A escola precisa estar preparada e equipada em condições de formar, de fazer na prática uma educação inclusiva”, afirma a diretora da escola estadual Padre Miguelinho.

Instalada em um prédio antigo no bairro do Alecrim, desde 1913, a escola é um modelo de inacessibilidade. Os degraus estão por toda a parte. Na entrada da escola o aluno com alguma deficiência precisa vencer três degraus. No interior da escola,  os desníveis, no andar térreo, dificultam o acesso às salas de aula. Além disso, para chegar ao 1º andar não há outro caminho senão subir cerca de 25 degraus.

Em parte, as barreiras serão eliminadas a partir do dia 27, quando começa a construção das rampas de acesso à escola e à ala  principal, onde ficam as salas de aula. Além disso, um dos banheiros, no andar térreo, que está sem uso, será reformado para que se torne acessível aos alunos portadores de alguma deficiência. Mas o projeto, orçado em R$ 3 mil reais, recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE Acessibilidade), do Governo Federal, não chega a contemplar toda a área da escola.

O acesso ao 1º andar continuará pelas escadarias, o que é um equívoco segundo o arquiteto da Corde/RN. “Se existem recursos federais, porque não fazer o projeto completo? Soluções arquitetônicas existem, falta que as pessoas entendam os princípios da acessibilidade. Muita gente sabe o que é, mas não sabe como fazer. O resultado é adaptações mal feitas”, disse José Gesy. Ele citou exemplo de uma escola no interior do estado, visitada por ele dias antes.

Por solicitação da juíza Ana Claúdia Secundo da Luz e Lemos, ele fez um laudo pericial na escola estadual Manoel Joaquim, no município de Governador Dix-sept Rosado. “A escola é bem estruturada, mas o acesso é precário, com desníveis, e rampas mal construídas, com muita inclinação. Fazer acessibilidade não é construir uma rampa na área de serviço. Não é isso. A pessoa com necessidade especial precisa entrar pela porta da frente como os ditos normais”.

Ele atestou outros problemas, principalmente nos banheiros, onde as alças de apoio próximo ao sanitário estão numa altura inacessível, principalmente para quem é cadeirante. “A acessibilidade existe quando você dá condições de que a pessoa circule de forma autônoma, em todos os espaços, desde o momento que ela chega na calçada da escola”.

Tecnologia ajuda, mas obstáculos ainda existem

Sem a visão, que perdeu durante um acidente de carro, Gessé José de Araújo, 21 anos, vence parte dos obstáculos, todos os dias. No terceiro ano de estudos na escola estadual Padre Miguelinho, ele frequenta uma sala no andar térreo. Este ano, deve concluir o 3º ano do ensino médio e se prepara para o Vestibular. Na sala de aula, estuda com notebook, que possui recursos de som, e não fica atrás dos alunos ditos “normais”.

Apesar dos recursos avançados de tecnologia, os obstáculos ainda existem. O ideal, ressalta a diretora da escola, Ana Cláudia Delgado, seria que a escola pudesse oferecer livros no sistema Braille e que os professores tivessem a qualificação adequada. Poucos são os professores da rede pública que dominam sistemas como o Braille ou Libras (Linguagem de Sinais). Na maior parte das salas de aula a comunicação com pessoas com deficiência auditiva, por exemplo, fica limitada à linguagem gestual.

“Infelizmente, o educador ainda não está bem preparado. O ideal era que tivéssemos professores com conhecimento tanto do Braille, como do sistema Libras. Essa é uma luta que estamos travando”, reconhece a diretora. Além de Gessé, a escola tem três alunos com necessidades especiais, entre eles, um com deficiência auditiva.

Na tentativa de ampliar a acessibilidade, Ana Cláudia encaminhou, recentemente, à Secretaria Estadual de Educação um ofício solicitando um curso para os professores no sistema Libras, mas ainda aguarda resposta. A realidade em escolas modelo, como a Edgar Barbosa, não é diferente. A escola tem a melhor arquitetura de acessibilidade, mas vive o drama da falta de qualificação.

“Os professores não têm capacitação adequada para lidar com essas crianças e adolescentes”, reconhece a vice-diretora da escola, Ilkécia Kaline da Silva. O Edgar Barbosa foi totalmente reformado em 2010, quando foi incluído no projeto as mudanças de acessibilidade, de acordo com a NBR 9050. Além de rampas bem construídas, a escolas possui dois banheiros acessíveis.

“Por enquanto não são usados, porque não temos alunos com deficiência visual, nem cadeirante”, informou a diretora. A escola é totalmente plana, que permite uma circulação com autonomia, mas na sala de aula é onde os problemas aparecem. Segundo Ilkécia Kaline a comunicação entre os professores e os alunos com deficiência de audição se dá pela leitura labial.

“A gente percebe que nem sempre eles conseguem acompanhar, e isso nos preocupa muito”, afirmou. A escola chegou a pedir ajuda ao Centro Suvag, que ajuda crianças e adultos com deficiência auditiva. “Nós pedimos orientação de como trabalhar em sala de aula, porque a angústia  do é muito grande. Ele vê muitas vezes o aluno triste porque não consegue aprender e sente impotente”.

“Principais barreiras são de atitudes”

De acordo com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva toda escola deverá receber o aluno com deficiência e buscar meios, estratégias metodológicas, adaptações curriculares e arquitetônicas para oferecer as condições necessárias ao bom desenvolvimento social, emocional e cognitivo do aluno.

Segundo a Subcoordenadoria de Educação Especial da SEEC/RN vários esforços foram feitos  nesse sentido. Um exemplo é o financiamento, com recurso próprio do Estado, para reformas que permitam acessibilidade naquelas escolas que não possuem PDDE, do governo federal. A Suesp entende que o maior desafio continua sendo as chamadas barreiras de atitudes.

Além de profissionais sem o devido preparo, há o descrédito da maioria das famílias em relação à inclusão. Segundo dados da Suesp, a evasão acontece mais em situações de doenças, de mudança de endereço e também pela ausência da oferta da escolarização no turno diurno para os adolescentes, a partir dos 15 anos de idade. De acordo com a legislação, a partir dessa idade, o aluno deve frequentar o  turno da noite, o que não é aceito pela maioria dos pais.

Qualificação

Segundo informações da Suesp, de forma contínua o Serviço de Itinerância atende 119 escolas em Natal, oferecendo formação continuada em serviço, orientação pedagógica, encaminhamento clínicos, orientação aos familiares dos alunos e outros que sejam necessários. Além disso, o Plano de Ações Articuladas/MEC (PAR) também tem ações voltadas para a qualificação de professores em todo o Estado nas diversas áreas.

A Suesp informou ainda que oferece o projeto Libras (Língua Brasileira de Sinais), disponibilizando professor intérprete e o instrutor, que dão apoio ao aluno e ao professor. Os alunos cegos, segundo a Suesp, são apoiados pelo Centro de apoio ao aluno com Deficiência Visual (CAP) na transcrição Braille e material pedagógico adaptado, e pelas salas de recursos Tipo II que é específica para o aluno cego e com baixa visão.

Já o aluno com deficiência auditiva é acompanhado pelo Centro Estadual de Capacitação de Educadores e de Atendimento ao surdo (CAS). A rede estadual, por exemplo, tem mais de 7 mil alunos com deficiência auditiva e visual. Na SEEC funciona o Centrino, obedecendo recomendação da Nota Técnica Nº 11/2010-SEESP/MEC, que oferece atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência intelectual.

Censo aponta crescimento no número de matrículas

No Rio Grande do Norte, 30.056 alunos com necessidades especiais estão matriculados na rede pública e privada. Em Natal, são 9.260. Entre 2010, segundo o Censo Escolar, o crescimento no número de matrículas foi de 25%, em relação ao ano de 2007, considerando os alunos incluídos em EJA – Alfabetização de Jovens e Adultos. Os números sinalizam, em tese, a eficiência da política de educação inclusiva. Mas nem todos estão satisfeitos.

Ana Lúcia de Souza, 45 anos, mãe de Ana Paula, 17 anos, é uma das que não acredita na escola inclusiva. “Não adianta. Não vou colocar minha filha numa escola normal para ela enfrentar preconceito. É isso que a gente vê no dia-a-dia”, afirmou. A filha tem parilisia cerebral e deficiência motora. Integrava o grupo de 547 alunos da escola inclusiva da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae).

Com o novo modelo de educação inclusiva as escolas especiais foram extintas, em fevereiro desde ano. A diretora da Apae, Sueli de Andrade Freire afirmou que muitos dos alunos da instituição estão em casa, fora da sala de aula.  Apesar dos avanços indicando que a educação normal vem valorizando as diferenças e atendendo as necessidades educacionais de cada aluno, os pais continuam ressabiados.

“Minha filha estudava em escola normal e não teve o tratamento adequado. Inclusão, de verdade, não existe. Nem na escola privada, nem a pública”, afirmou Ana Lúcia Rodrigues. A filha Ana Caroline, 18 anos, tem deficiência neurológica. Depois que deixou de frequentar a escola normal, ficou apenas na Apae. “É onde ela vai ficar, porque aqui é a verdadeira escola”, diz.

A Apae, que completa este ano 50 anos, oferece assistência de reabilitação e reforço escolar. Jacksandra Sheila de Lima, 36 anos, vê a escola normal com outros olhos. Ela acredita que como muitas mães, o problema é que os professores “vêm aprendendo no tato”. Sem uma formação adequada, disse ela, “eles não tem como lidar com os instrumentos que existem de comunicação e interação com as pessoas que tem alguma necessidade especial”. O filho dela Gabriel Lima, 7 anos, tem deficiência neurológica e motora.

O presidente do Conselho estadual das Pessoas com Deficiência do RN, disse que, nos últimos anos, o poder público passou a ouvir as reivindicações desse segmento da sociedade – que representa 17,63% da população com mais atenção. “Mas isso também foi graças a atuação do Ministério Público, das inúmeras ações para garantir presença do aluno na escola”. Ele criticou os governos estaduais e municipais por não terem uma política definida de inclusão.

Obstáculos dificultam circulação

“De nada adiantam as rampas, o acesso à escola, se quando o aluno chega na sala de aula não encontra um professor preparado para atendê-lo em todas as suas necessidades”, afirma a diretora da escola estadual Régulo Tinoco, Ana Cláudia Ferreira de Lima. O que salva as escolas nessa questão de inclusão de pessoas com necessidades especiais, disse ela, são dois projetos: o serviço de professor itinerante e o projeto Salas de Recursos Multifuncionais.
Obstáculos físicos ainda dificultam a vida de quem têm necessidades especiais
Este último é financiado pelo governo federal e está presente em algumas escolas da rede pública estadual e municipal. Dentre as escolas visitadas pela reportagem da TRIBUNA DO NORTE, as estaduais, Régulo Tinoco e Padre Miguelinho, e a escola municipal José Andrade Frazão, na zona norte de Natal, tem as chamadas “SRM” em funcionamento.

São salas que funcionam no contra turno, como uma espécie de reforço escolar. O diferencial, explica a coordenadora pedagógica, Kelly Cristina de Melo, é que os alunos têm acesso a instrumentos pedagógicos alternativos e a recursos de informática, que possibilitam uma educação especializada. Nessa sala, os computadores possuem teclados, com painel vazado, que dão mais segurança ao digitar.

Além de atender aos alunos da própria escola, as salas são abertas a toda a rede. No município, pelo menos, dez escolas pólo possuem salas de recursos multifuncionais. Ela concorda que a angústia geral dos educadores é quanto à falta de preparação. “Em tese, antes de iniciar o ano letivo devíamos ter  capacitação para lidar com o aluno especial, mas até hoje isso só ficou no papel”. Na escola, apenas dois professores dominam Libras.

Aprendizagem

Na prática, disse  ela, “não se dá a esse aluno condições de que participe do processo de aprendizagem de forma satisfatória, e no mesmo nível do aluno dito normal”. A escola tem 1.033 alunos, entre os quais, 23 alunos com algum tipo de necessidade especial. “Além da falta, ainda se contrata professores que estão se graduando, para uma função onde vão se deparar com muitas deficiências, sem a qualificação adequada”.

Ela disse que a escola tem um grupo de professores que se esforça para adaptar as práticas pedagógicas  e promover a inclusão. Um dos alunos especiais da escola é Felipe Ramon, 14 anos. Com paralisia cerebral, ele frequenta a escola, segundo a mãe maria das Graças Carlos Moreira, 33, desde os dez anos.

“Eu achava que não tinha escola que atendesse às necessidades, então demorei a procurar uma”, contou. Segundo Maria das Graças, hoje, quatro anos depois de ingressar na escola as melhoras são visíveis. “Ele ficou mais esperto e se comunica muito melhor. Quando ele quer comer, hoje ele vai no caderninho dele e aponta o quer. Antes era muito mais difícil”.

Segundo o diretor da escola municipal José Andrade Frazão, Edson Lima Lobato Júnior, um dos problemas que atrapalha o processo de inclusão é a falta de professores auxiliares nas salas de aula onde há aluno especial. Na escola, seriam necessários sete, mas existem apenas três.

Pela política nacional, toda sala com aluno portador de deficiência pode ter somente 25 alunos e, além do professor, um auxiliar. Na rede pública estadual e municipal o déficit de auxiliares é grande, mas as secretarias não souberam estimar.

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