sexta-feira, 19 de abril, 2024
28.1 C
Natal
sexta-feira, 19 de abril, 2024

Especiais vencem o preconceito

- Publicidade -

Priscilla Castro – Repórter

“Eu voltei a sonhar”. A frase é do estudante José de Arimatéia, de 26 anos, portador de deficiência. O desabafo é consequência da realização de um sonho que ele já tinha abandonado e só acreditou ser real quando se viu dentro de uma sala de aula. Ele tem paralisia cerebral, mas, apesar de não ter coordenação sobre os braços e as pernas, tem total domínio sobre a fala e, principalmente, sobre os sonhos. Por isso, Arimatéia sabe que pode imaginar um futuro bem diferente do que foi seu passado.

José de Arimatéia diz que passou a se sentir igual às demais pessoas depois que entrou na escolaAluno da Escola Estadual Lia Campos, em Natal, José de Arimatéia conta que passou a se sentir igual às outras pessoas depois que entrou na escola. “Foi a partir de uma reportagem que eu vi no Fantástico sobre um deficiente que ganhou as Olimpíadas de Matemática, que eu pensei que também poderia ter essa chance. Se ele conseguiu, porque eu não poderia conseguir? E tudo mudou na minha vida, a dignidade, a auto-estima. O estudo e o trabalho dignificam o homem, não é?”, disse.

  Outro estudante da Escola Lia Campos que merece destaque pela força e vontade de estudar é Arinaldo Ferreira, de 28 anos. E essa história é ainda mais emocionante porque até os 16 anos, Arinaldo correu e brincou na calçada de casa como os outros meninos. Depois de uma fratura mal tratada na perna, Arinaldo ficou com problemas na coluna e teve uma depressão pela morte do avô, o que resultou em uma doença chamada de espondilite anquilosante. Depois de 11 anos longe da escola, desejando voltar para uma sala de aula, ele teve a oportunidade de realizar o sonho e está concluindo o Ensino Médio.

 “Em 2008, uma amiga minha foi até à Secretaria de Educação e contou a minha história porque eu tinha muita vontade de voltar a estudar. Aí uma equipe visitou minha casa, fizeram uma avaliação e conseguiram uma escola para mim. Eu sentia muita falta de estudar porque sem estudo não somos ninguém”, disse.

 Porém, nem todos os momentos foram de sorrisos e Arinaldo conta que enfrentou preconceito. “Como eu fiquei muito tempo fora da escola, eu tinha dificuldade em acompanhar as aulas e sempre tinha um grupo que ficava rindo. Fora isso, eu noto muita indiferença das pessoas, mas eu sei que onde eu estiver, isso vai existir. Eu tenho que tirar isso de letra”, desabafou.

Mas Arinaldo também tem outras coisas a agradecer, entre elas, as novas amizades. A amiga Kátia Rejane é uma das que faz questão de acompanhar os estudos e incentivar Arinaldo a não desistir dos sonhos. “Quando ele me liga triste ou preocupado porque não vai poder vir à aula e pensa em largar tudo, eu converso com ele e o convenço a pensar direitinho”, disse se emocionando ao relembrar as dificuldades já enfrentadas pelo amigo.

  E elas também agradecem a Arinaldo pelos ensinamentos e experiências. A colega de sala Rejane Inácio, de 50 anos, conta que nunca teve uma experiência do tipo. “Eu nunca tinha convivido com um deficiente e para mim, foi uma verdadeira lição de vida”. Andreia Guedes disse que se espelha no amigo nos momentos em que falta esperança. “Quando eu penso em desistir, me espelho em Arinaldo e penso que se ele, que tem tantos problemas, consegue, porque eu não conseguiria?”. Essa é, inclusive, uma das propostas da inclusão nas salas de aula: a troca mútua de benefícios.

  No final da entrevista, Arinaldo fez um pedido especial à reportagem: que publicássemos uma mensagem de sua autoria, para que outros portadores de deficiência se espelhem. O texto é o exemplo de que os sonhos não devem morrer. “Quando o Sol chegar na sua vida, agradeça a Deus pelo novo amanhecer. E dê graças a Ele por tudo que ele fez por nós”, Arinaldo Ferreira.

Professores passam por capacitação

A SEEC oferece um programa de capacitação continuada para professores de todos os níveis. Com aulas sobre Libras (linguagem para deficientes auditivos), braile (escrita para deficientes visuais) e outras peculiaridades a portadores de deficiência, os professores aprendem melhor como lidar com os alunos. Esta semana, o curso foi ministrado por um deficiente auditivo do Ceará, que está terminando o curso de pedagogia.

Depois de uma semana de aprendizado sobre a linguagem dos sinais, os professores fizeram a prova. “É muito importante que nós, professores e pedagogos, possamos aprender essa comunicação. Nós, que gostamos disso, abraçamos a oportunidade e precisamos conhecer”, disse a pedagoga Gorete Bastos.

É fato, entretanto, que ainda faltam muitas melhorias nas escolas públicas do RN. A questão da acessibilidade, por exemplo, é um ponto que ainda deixa muito a desejar na rede de educação porque poucas são as escolas com rampas de acesso. Mesmo na Lia Campos, onde existem alunos deficientes, eles têm que estudar sempre no andar de baixo porque não podem se locomover pelas escadas.

O assunto é tema de algumas ações impetradas pelo Ministério Público, através da Promotoria de Defesa da Pessoa com Deficiência e Idosos. Segundo a promotora de Justiça e cordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Defesa da Pessoa com Deficiência e Idosos (CAOP), Fladja Raiane Soares, diversas escolas sofreram intervenção e encontram-se acessíveis em razão dessas ações, tanto na rede pública como privada. “A pretensão do Ministério Público é tornar toda a rede, seja pública ou privada, acessível, pois os alunos com deficiência têm o direito de se matricularem em qualquer escola, além do que a acessiblidade não é só para os alunos, mas para todas as pessoas que precisem de acesso à edificação, como os próprios funcionários ou pais”, disse.

Segundo a pedagoga da SEEC, Ângela Maria dos Santos, existe um projeto para reforma em 403 escolas estaduais em todo o RN, com o objetivo de melhorar a acessibilidade para portadores de deficiência física em 2010.

SEEC incentiva matrículas para os estudantes

Muitas crianças portadoras de necessidades especiais deixam de conhecer uma sala de aula por medo dos pais, seja do preconceito ou da possível dificuldade que terão que enfrentar. Para incentivar os pais a procurarem as escolas, a Secretaria Estadual de Educação e Cultura (SEEC) lançou um programa de matrícula antecipada para deficientes físicos, mentais e pessoas com altas habilidades. Até o dia 15 de dezembro, os pais podem matricular os filhos com prioridade. A matrícula para o restante dos alunos começa regularmente em janeiro.

   Segundo o subcorrdenador de educação especial da Secretaria, Joiran Medeiros, essa é uma estratégia para organizar o sistema educacional e melhor acolher os alunos especiais. De 2003 para 2008, as matrículas de alunos especiais aumentaram 56%. “Antes as pessoas se deparavam com a falta de vagas e de professores, o que , na verdade, escondia o preconceito e segregação”, disse. No formulário da escola, o aluno informa o tipo de deficiência. “No ato da matrícula, a escola entra em contato com a subcoordenadoria para que as providências de acessibilidade e educação com qualidade sejam tomadas”, explicou.

E a inclusão social de pessoas portadoras de deficiência tem se mostrado eficaz no Rio Grande do Norte. Os dois exemplos citados são apenas alguns dos 10 mil estudantes com necessidades especiais em toda a rede pública de ensino sob coordenação da Secretaria Estadual de Educação e Cultura (SEEC) do Rio Grande do Norte. O número ainda é pequeno se comparado aos 345.194 alunos nas escolas estaduais, mas representa um avanço significativo para um Estado onde, até pouco tempo atrás, não se aceitavam crianças deficientes nas escolas.

É o caso da filha da técnica pedagoga Helena Fernandes, autista clássica, 26 anos, e que não teve e oportunidade de estudar. “Na época não existia esse programa de inclusão. A gente procurava as escolas e eles diziam que não podiam receber, que não tinha mais vaga, que não tinha professor capacitado. Então, ela não teve essa chance de trocar experiências, de conhecer esse outro lado, não teve processo de integração com outras pessoas”, contou Helena.

Em contrapartida,  a pedagoga Ângela Maria dos Santos comemora o sucesso da inclusão do filho de 15 anos, portador de autismo. “Ele cresceu muito depois que entrou na escola, é um avanço para ele”, contou.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas