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Essência do viver

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Cláudio Emerenciano
Professor da UFRN

A percepção do mundo e da vida se amplia com o passar dos anos. George Bernard Shaw identificava na mocidade a predominância de sentimentos, emoções, ideais, deslumbramentos, sonhos, enfim, preferências subjetivas reveladoras do estado de espírito ou de circunstâncias psicológicas. Mas ressaltava que nada no comportamento humano é absoluto, definitivo, irreversível, imutável. Pois um dos traços da condição humana é ser imprevisível, original, surpreendente, indomável e inovador. Mas também exaltava a maturidade e a velhice, distinguindo-as da senilidade ou decrepitude. A maturidade é o tempo em que a pessoa se despoja e se liberta de uma série de condicionamentos: legítimos ou ilegítimos, egoístas, emocionais, susceptíveis de afetar a compreensão dos rumos da existência. De certo modo, a maturidade proporciona ao ser humano a possibilidade de submeter a influências das circunstâncias. Seria uma espécie de inversão do axioma de Ortega y Gasset: “eu sou eu e a minha circunstância”. Como desfrutar do espírito da Criação? Como vivenciar o sentido de eternidade? Como assumir, em caráter pessoal e em âmbito social, um papel agregador, conciliador, pacificador? Germinar laços que aprimorem a condição humana. Cultivar novos vínculos com a vida e o viver. Interminavelmente. Saber buscar rumos com o coração. Tornar-se alguém alem de si mesmo pela prática da humildade, da simplicidade, do respeito invariável à condição humana.  Grandes homens, como Francisco de Assis, o Cura D’Ars e Gandhi, engrandeceram o viver. Opulentaram as relações humanas na vertente dos tempos. Exorcizaram o mal com sua fé, suas ações, gestos e percepções, que transcendem às motivações pessoais e existenciais. Identificaram as vias de acesso ao infinito. Souberam revelar bondade, paz, humildade, solidariedade, caridade e perdão como faces do amor. Cada um em seu tempo tipificou a misericórdia como um dom de Deus. O Papa Francisco vem exortando a humanidade, em qualquer país ou cultura, a entender, assimilar e praticar a misericórdia, a tolerância, o perdão, o banimento do mal e a planetização do bem. A parábola do “Filho pródigo” desobstrui tudo quanto se opõe à compreensão, à busca e à restauração da paz interior. O arrependimento precede ao perdão. A humildade conduz à harmonia.      

O homem é a medida de todas as coisas. Concepção que antecedeu ao Cristo. Mas Sua vida e Seus ensinamentos revelaram a dimensão e o real sentido da vida. Viver é amar, compartilhar, juntar, compreender, ascender, reunir, crescer, renunciar, criar, sonhar, acreditar. Desprender-se. Essas verdades eternas são reprimidas, confrontadas e desafiadas nos tempos atuais. É preciso erguer, no espírito de cada um a morada de Deus. Não se pode duvidar do papel da caridade entre os homens. Exercício da verdadeira e plena solidariedade. É um estado de dádiva recíproca entre o que serve e o que é servido (“Eu não vim para ser servido, mas para servir”).  Pois a grandeza do homem é transcendental e renovável. Antoine de Saint-Exupéry  dimensionou assim prática e os limites da caridade: “O que salva é dar  um passo. Mais um passo. É sempre o mesmo passo que se recomeça”. Caminho sem fim. Por quê? Porque esse é o rumo das estrelas. Da eternidade: partilha com Deus.

A aurora é momento de poesia. Instante de êxtase. As madrugadas induzem aos sonhos e às reflexões. James Joyce, em um dos seus mais notáveis contos, “Os mortos” (filme genial de John Huston), reafirma que os atos de amizade não morrem. Eternizam-se por seu peso e seu sentido. A amizade não passa. É presença na alma, nos sentimentos e na saudade. É intemporal: vínculos ilimitados.

Há uma circunstância, em qualquer parte do mundo, no Brasil, na China, no Canadá, na Rússia, nos fiordes da Escandinávia, na África, nos picos do Tibet, na placidez de riachos margeados por cerejeiras no Japão, nos pampas, na cordilheira dos Andes, na longínqua Islândia e nos paradisíacos Mares do Sul, quando o tempo parece parar. Enfim, em toda parte. É aquele instante que precede ao entardecer e à dissipação da luz do dia, irrompendo então o domínio do manto da noite.  Há uma espécie de sensação de paz, de êxtase, de desprendimento das pessoas em relação aos problemas do

mundo. Seria essa a ocasião propícia à reflexão e ao despojamento interior? Eliminando-se tudo quanto avilta a condição humana. A sabedoria perene do Eclesiastes proclama que “há tempo para tudo”. Pois nada há de novo debaixo do sol.   

O céu, quando não se encobre de nuvens, ou melhor, quando, durante o dia, mostra-se totalmente azul, reveste-se, no crepúsculo, de lilás e violeta.  Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, José Lins do Rêgo e Érico Veríssimo captaram essas manifestações de eternidade na caatinga, no agreste nordestino e nos pampas. Luiz Gonzaga, gênio, misto de poeta, compositor e cantor, decifrou essa linguagem universal de harmonia, ternura e beleza, que concita a humanidade a entender e a partilhar da Criação. Revela-se naquele instante um desafio: cada pessoa ser Homem e não decair para a simples condição de indivíduo. Cada um distinguir o que é universal, em contraposição ao particular. Cada um ver na vida um ato de amor. Sua forma indissolúvel é a paz.  Todos perceberem que a violência aniquila a consciência do bem. Submete o homem à selvageria. Isso, em escala planetária, seria o fim da civilização.  Thomas Merton, em “A montanha dos sete patamares”, diz que nada suplanta o silêncio no diálogo do homem com Deus: desfrutar a infinitude de amor e paz. É a linguagem do universo. Mas para os incrédulos  nessa grandeza do homem, apesar de tudo, eu lhes diria como Roger Martin du Gard (Nobel da literatura): “Tudo se explica pelo sentido”.

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