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Estado brasileiro e religiosidade

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PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO
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O advento da República trouxe a ruptura da Concordata entre a Santa Sé e o Brasil (vigente desde os tempos coloniais), ocasionando o fim do Padroado e do Catolicismo como religião oficial. Proclamou-se o estado laico, ou seja, separado institucionalmente da Igreja. O assunto veio novamente à baila, quando da manifestação dos votos dos parlamentares na sessão extraordinária da Câmara, ocorrida em Brasília, no dia 17 de abril deste ano. A citação do nome de Deus foi objeto de contestações, críticas e polêmicas. A laicidade tem sido um dos temas recorrentes nos debates e abordagens. As necessárias evoluções no entendimento sobre as duas realidades – que intitulam este artigo – justificam os questionamentos. Cabe inicialmente reafirmar que a religiosidade é inerente à nossa formação e independe das singularidades confessionais. Integra os elementos antropológicos e socioculturais, ao lado das tradições e raízes africanas ou indígenas, na origem de nossa identidade nacional. Hoje, ministérios, secretarias e órgãos de governo empenham-se em preservar traços e aspectos transmitidos pelos nossos ancestrais. Há leis específicas de proteção aos remanescentes de afro-descendência e ameríndia. Mas, por outro lado, são incontestáveis a presença e influência cristãs no nascedouro e evolução da nossa sociedade. Ignorar esse fato seria uma postura preconceituosa e tacanha do ponto de vista intelectual.

Qualquer que seja o credo professado, impossível não reconhecer a sua importância em avanços e mudanças significativas de um povo. Certamente, dentro dessa perspectiva e nesse horizonte de compreensão, afirma-se “que o Estado brasileiro é laico, mas religioso é o seu povo”. Este precede aquele, que tem o dever de edificar e manter uma sociedade equânime, justa e solidária. O povo é a razão de ser da instituição administrativa e sociopolítica, na qual está inserido. O Estado tem por objetivo o bem comum da nação, preservando seus legados culturais e respeitando princípios de justiça, verdade e paz. Portanto, não é correto – do ponto de vista histórico, jurídico e ideológico – considerar como opostas e inconciliáveis as duas realidades. Não resta dúvida de que a distinção é necessária e também benéfica para não incorrer em ambiguidades indevidas, injustiças e concessão de privilégios à determinada confissão religiosa. Se os senhores deputados representam o povo, em tese, poderiam expressar também a religiosidade de seus eleitores. O questionamento deverá se circunscrever, não quanto à legitimidade e competência, mas no que tange ao momento e contexto, local e modo de expressar suas convicções religiosas. “Est modus in rebus”, afirmava o poeta latino Horácio, em suas “Sátiras” e como votavam os padres conciliares nas sessões do Vaticano II. Convém lembrar aos cristãos o mandamento do Decálogo: “Não usar [jurar, invocar] o santo nome de Deus em vão” (Ex 20, 7).

Seria incoerente pensar, de um lado, a realidade estatal como instância prestadora de serviço para o bem-estar da nação; de outro, discriminando a religiosidade, dimensão intrínseca de nossa cultura e componente da brasilidade. Será absurdo considerar laicidade como oposição a tudo o que diz respeito à religião, sequer confundi-la com laicismo. Ela significa autonomia e independência, nunca aversão ou exclusão da crença de uma gente. Inaceitável é, portanto, a concepção excludente de religiosidade. A esta não se configura como antagônico o ente estatal. Ao contrário, a mesma poderá ajudar na avaliação de outras entidades, sobretudo os partidos políticos, atualmente tão questionados em sua representatividade e atribuições, quanto aos projetos e visão da sociedade. Nenhuma entidade partidária pode ser considerada “dona do Estado”, impondo sua própria ideologia. E a tentação é grande! Tampouco, religião alguma deverá deter a sua posse. São entes distintos, apesar de ambos vinculados à vida nacional. Deste modo, não podemos retirar da pátria seus elementos históricos e intrínsecos. E a religiosidade é um deles. Não pretendamos negar nossas origens, partindo de uma noção inexata e equivocada de laicidade. O Estado não deve ser confessional. Mas, não seremos éticos e justos intelectualmente, se excluirmos a religiosidade da história do país. Se assim o quiserem, seus defensores deverão afastar todos os outros elementos, que constituem a identidade brasileira, protegidos por diplomas legais. É uma questão de coerência e lógica. A religiosidade do ser humano não é, absolutamente, maléfica.  Qual o dano que Deus causa à “pátria amada”? Cabe citar o teólogo Angelus de Silesius: “Como viver sem Ti, ó Senhor? Pouco importa o nome com que és chamado: Deus, Pai, Ternura ou Amor. Tu és minha luz, minha alegria e esperança, meu refúgio e minha paz”!

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