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Falta de ônibus no interior dá margem à exploração

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Sara Vasconcelos – Repórter

Ir e vir para onde quiser é um direito garantido pela Constituição Federal a qualquer cidadão. Mas, na prática, não é isso que acontece. Em muitas cidades do interior do Rio Grande do Norte a precariedade de infraestrutura em transporte relega esse direito fundamental a terceiro plano.

Sem linha de ônibus regular, muitos moradores são vítimas de exploração e perdem tempo e dinheiro para se deslocar de uma cidade para outra. É o caso da dona de casa Fátima Cristina Queiroz, 24, moradora de Vila Flor, a 76 quilômetros de Natal. O percurso até a capital, que leva em média 1h30, chega a demorar até seis horas se levarmos em consideração o tempo de espera para encontrar um carro de lotação. Isto porque não há linhas de ônibus para atender a cidade de 2.647 habitantes e a única permissionária de vans, que faz a linha Natal-Canguaretama-Vila Flor-Barra do Cunhaú, ignora o destino.
Cena comum em grande parte dos municípios do interior: passageiros esperam por longo tempo sem a certeza de que um ônibus virá
Mas o absurdo não para por aí. O frete de um carro pode chegar até a R$ 150,00. Foi o valor que Fátima pagou por uma corrida, em carro alugado, na última semana para visitar a cunhada que está internada em estado grave na Maternidade Escola Januário Cicco, em Natal.  O valor é combinado na saída, para esperar pelo locatário até meia-hora são R$ 80, até duas horas sai a R$ 150. “É uma exploração, me senti meio que assaltada, mas a gente vai fazer o que se não tem outro jeito?”, desabafa a dona de casa.

Para a comerciante Jacilene Felipe, 36, que vem semanalmente a Natal comprar material para abastecer a loja de material de construção, as viagens são um exercício de paciência. Para escapar do “assalto”, a comerciante pega uma lotação até a cidade mais próxima, Canguaretama, e de lá aguarda ônibus para Natal. O gasto, nesse caso de R$ 29 ida e volta, compensa o tempo perdido nos pontos de ônibus. A espera também é a saída para os idosos. Segundo a aposentada Edileuza Oliveira, 62, as lotações não observam o direito a gratuidade e meia-passagem. “Eu me sinto desrespeitada e por isso, quando posso, espero pelo ônibus de Canguaretama. Se acabar, não sei como vou fazer”.

Na contramão, à espera de condução de Canguaretama para Vila Flor, o agricultor Antônio Bernardo da Silva, 44, também reclama da dificuldade. Segundo ele, o trajeto até a capital para ir ao médico e fazer compras é feito a conta-gotas. “Você pega um carro de Natal para Goianinha, de Goianinha para Canguaretama e daqui, espera que passe alguém que te leve para Vila Flor. Nisso vai o dia inteiro”.

Loteiro há dois anos, Ernandes Quirino explica que a demora se deve aos custos. É comum, se aguardar mais de quatro horas para completar o número de vagas. “Não dá para sair daqui com menos de três passageiros, não compensa. Só se for fretado”.

De Vila Flor a Canguaretama os loteiros cobram R$ 2,50 por pessoa. Até Natal, a taxa sobe para R$ 15, por vaga, ou seja, R$ 4 a mais que a tarifa de ônibus para o mesmo trajeto.

Baía Formosa

Situação parecida, enfrenta quem mora em Baía Formosa, cidade praieira a 106 quilômetros ao sul de Natal. Ilhados e reféns do transporte clandestino, desconfortável e inseguro, a “lotação” é a opção para quem precisa viajar. Há mais de um ano, uma empresa deixou de operar no itinerário e daqui a 45 dias, a linha que permanece, da Viação Oceano, também será desativada.

O alagoano Domício Salustino, que mora no distrito de Destilaria, estava há 1h30 aguardando condução. “Não há vantagem,  porque a gente paga mais caro e é condicionado a ir e voltar no mesmo carro, mas é a necessidade”, afirma o supervisor de produção, para quem a desativação da linha Natal-Baía Formosa, a partir de junho, representa um “furo maior no bolso e na paciência do cidadão”.

Arez

Deslocada 8 quilômetros do eixo da BR-101, principal via de circulação da região agreste com a capital, a cidade de Arez, distante 50 quilômetros de Natal, também enfrenta dificuldades no sistema de transporte. A única linha de ônibus, da Viação Barros, oferece apenas quatro horários. No entanto, o itinerário via Georgino Avelino, Patané, Carnaúbas, amplia o tempo da viagem. Os eventuais 50 minutos gastos na viagem direta são esticados para intermináveis duas horas. A pedagoga Daiana Priscila Silva, que mora no bairro de Candelária e trabalha em Arez, fala da angústia de quem depende da linha. Daiana pega o ônibus às 11h, na parada do Carrefour, para chegar depois das 13h na Escola Municipal Claudionor Lima, um atraso compreendido pelos alunos. Por dia, a despesa com a viagem interurbana é de R$ 15.

Acrescido ao desperdício de tempo e gastos, a professora chama atenção para o  risco nas estradas. “É perigoso. Houve época de muitos assaltos, agora tranqüilizou. Contudo, se desativarem não sei como vou trabalhar”, disse. Para chegar mais cedo em casa, a lotação até a marginal da BR-101 de onde aguarda outro meio, é a alternativa.

Muitos preferem ir até a vizinha Goianinha de onde parte um número maior de veículos. É o caso do pastor evangélico Vitor Ewerton Alves Pereira e o grupo de evangelizadores, que realizam trabalhos em Baía Formosa e Natal. “Sai mais caro, ao invés de R$ 8 a gente paga R$13, mas compensa pelo tempo”, disse o morador.

Canguaretama

A insuficiência de veículos e horários no itinerário Natal-Canguaretama – distante 67 quilômetros – somada ao anúncio da desativação das três linhas de ônibus – Natal/Nova Cruz (via Canguaretama), Natal/Canguaretama e Natal/Baía formosa (via Canguaretama) – que assistem os quase 30 mil habitantes, tem sido motivo de preocupação para quem trabalha ou estuda nas cidades circunvizinhas e em Natal.

A pedagoga Lidiana Oliveira Dantas, 29, lamenta a decisão. Para ela, a frota deveria ser reforçada e não extinta. O pior, frisa Lidiana, é ficar “nas mãos’ dos clandestinos. A gente se arrisca muito, porque andam superlotados, em alta velocidade e não respeitam horários e leis”, observa. Por duas vezes, durante fiscalização do DER, Lidiana foi deixada na beira da estrada, para esperar outro transporte.

Na cidade, há apenas duas vans do transporte opcional autorizadas para fazer viagens. “É uma proliferação de transporte irregular”, acrescenta.

Mas há quem veja vantagens no serviço ilegal. A garçonete Renata Moisés está entre os que não se importam em pagar mais caro. Isso porque o dinheiro a mais é o equivalente as despesas com transporte coletivo em Natal. “Os loteiros deixam e pegam a gente na porta, é bem mais confortável”, afirma.

Seja de ônibus ou de carro de passeio, o custo ida e volta (Canguaretama/Natal/Canguaretama) – R$ 22 tarifa regular ou de até R$ 30 em lotação – é considerado elevado para o serviço prestado, no que se refere ao estado dos veículos, quantidade e regularidade dos horários.  “O serviço é ruim e muito caro se comparado a outros estados do país. Para ir a Natal tem que ter no mínimo R$ 50 no bolso. No Rio, viagens mais longas saem pelo quinto deste valor”, avalia o carioca Rafael de Lima Gonçalves. Há um mês, o fiscal de táxi  aguarda ter tempo e dinheiro para ir a capital, resolver pendências do exame do Enem.

“Não há saída para  as empresas de ônibus”

A desativação de cerca de 60 linhas intermunicipais de transporte convencional (feito por ônibus) a partir de maio, não deverá ser revertida. É o que acredita o presidente do Sindicato das Empresas de Transporte do Rio Grande do Norte (Setrans/RN), João Carlos Queiroz. As linhas que serão desativadas, seja por caducidade, rescisão do contrato, desistência de exploração, cancelamento ou mesmo extinção das linhas, se deve a concorrência com o transporte ilegal, como alega o Setrans.

“Não há saída para as empresas de ônibus. Elas vão entregar as linhas e essas cidades ficarão em situação preocupante, a população será a principal prejudicada. Não temos como concorrer com um serviço desregulamentado. Não há como manter um equilíbrio financeiro, se os passageiros são levados pela lotação. Não há outra saída, a não ser desistir”, frisa Queiroz.

Ao contrário do transporte convencional e opcional (vans e micro-ônibus), os donos dos carros não permitem que idosos e estudantes exerçam seu direito a gratuidade e meia-passagem, respectivamente.

A longo prazo, o problema poderá ser ainda mais grave. Com os preparativos para o estado sediar a Copa do Mundo de Futebol de 2014, a deficiência em uma das principais necessidades de infraestrutura poderá ter um reflexo negativo para o Estado. “A tendência é que o sistema se quebre e fique a mercê de um transporte que opera de forma irregular, sem regulamentação, onde os donos de veículos decidem itinerário, horário, se vão levar ou não”, observa.

Ao contrário da regulamentação da atividade pelo governo estadual, segundo o presidente do Setrans, o que poderia dar condições para as empresas voltarem a operar, seria uma  fiscalização rigorosa por parte dos órgãos responsáveis, a fim de inibir a circulação dos veículos. “O problema que temos governantes e um órgão (DER) fracos”, acrescenta.

Entrevista: Maristela Lopes de Souza – Engenheira e diretora substituta do Departamento de Transporte do DER/RN

Quantos municípios do RN estão sem linhas oficiais de transporte? Por que isso acontece?
Não há um número fechado. Devido as desistências está em fase de levantamento. Isso acontece porque algumas linhas ofertadas em processos licitatórios não foram preenchidas ou porque  houve a desistência da operação, por parte da empresa permissionária.

Nestes lugares como é feito o transporte da população? Por vans regularizadas, carros de lotação? É suficiente para atender a demanda?
A população utiliza-se de linhas em trânsito, com passagem pela localidade. Existe transporte regulamentado por van, licitadas em 15 processos licitatórios entre 1997 e 2001.  As análises de demanda estão contempladas na proposta da nova rede de transportes intermunicipal metropolitano e rodoviário, em fase de estudos, com base no Plano Diretor de Transportes da Região Metropolitana de Natal e  de Transportes Rodoviários do RN.

Qual a dificuldade em oferecer um sistema de transporte intermunicipal mais eficiente?
O crescimento acelerado de algumas localidades tende a aumentar a demanda de passageiros. E ainda a mudança nos desejos de deslocamentos da população que precisam de novas ligações. Esperamos  com a nova rede, em fase final de ajuste, oferecer um atendimento mais eficiente à população.

Recentemente, algumas empresas de ônibus entregaram as linhas que operavam fazendo a ligação entre o interior e a capital, sob alegação da concorrência com os carros de “lotação”.
Apesar da fiscalização ser realizada com todos os recursos humanos, tecnológicos e logísticos disponíveis nesta autarquia, os transportadores clandestinos ainda persistem por inúmeros fatores que independem da atuação administrativa deste órgão. Esta “concorrência”  acontece pela  outorga indiscriminada de autorizações para táxi (carro de fretamento individual com placa de aluguel), assim, os “autorizatários de táxi”    operam dessa forma sob a alegação de que é a única fonte de renda e única profissão nestes municípios, revelando que há um problema social e cultural em nosso Estado. Mas vale lembrar que a resolução 514/77, de 11 de abril de 1977, que permitia o serviço de lotação de veículos de transporte individual de passageiros como se transporte coletivo fosse, foi revogada pela Resolução 298, de 21 de novembro de 2008.

Quais as medidas adotadas pelo DER para atender estes municípios ao fim do aviso prévio para desativação destas empresas? Há processo de licitação aberto para estas linhas ou a população ficará “ao Deus dará”?
Diante da comunicação da desistência de uma linha, a empresa fica obrigada a manter a prestação do serviço por um período de 60 dias. O DER pode outorgar, em caráter emergencial, autorização para outra empresa continuar a operação da linha, até a licitação da mesma. O DER está avaliando cada situação. Ao final da proposta da nova rede de transportes intermunicipal,  prevista para ocorrer em novembro, deverá ser aberto  processo licitatório para as linhas propostas.

Até lá?
Existem localidades que possuem outras opções, tais como vans ou outra empresa, e o DER está avaliando a efetivação do serviço emergencial ou readequação da oferta existente.

O ano passado, o DER iniciou uma fiscalização rigorosa junto aos transportes clandestinos que foi suspensa, para que estes loteiros encaminhassem proposta para regularização dos transportes. Houve avanço neste acordo? O DER irá retomar esta fiscalização?
O DER continua a fiscalizar de acordo com suas competências e sua estrutura, apenas não realiza a fiscalização conjunta, como naquela operação.

Os loteiros alegam que a concorrência com as empresas de ônibus é feita por permissionários de vans que desrespeitam os horários fixados pelo DER. Como este serviço é fiscalizado?
O transporte regulamentado é fiscalizado nos terminais de origem, pelos agentes de fiscalização, e durante os trajetos de algumas linhas, existe também  monitoramento por meio de GPS.

O DER tem como mensurar quantos transportes clandestinos circulam hoje no Estado?
Não. Estes estudos buscará quantificar a demanda transportada pelo transporte não regulamentado.

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