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Fazer cumprir PDN é prioridade

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Ricardo Araújo – repórter

As casas de taipa remetem ao sertão nordestino no período da seca. O vento quente espalha poeira entre os móveis  espremidos nos barracos. Os fogões a lenha cozinham quase nada, enquanto as famílias matam a sede com água de uma torneira coletiva. Fezes, urina e lixo se misturam, em buracos cavados em cada quintal. Ratos, baratas e insetos dançam seu nervoso balé, enquanto caçam alimentos dentro e fora das casas. Crianças correm entre as ruas de barro batido, descalças e sem perspectivas de futuro.

O cenário que compõe a abertura desta reportagem não é fictício, nem está encravado no sertão potiguar. Está em Natal, no bairro do Guarapes, escondido entre as dunas. Alheios ao mundo que os cerca, os moradores da  ocupação Anatália de Souza Alves tem consciência, porém, que suas vidas poderiam ser melhores se o Plano Diretor de Natal (PDN) fosse implementando em sua totalidade. Atualmente, discute-se a revisão do Plano mesmo sem a execução integral dos seus principais objetivos e diretrizes.
O bairro de Mãe Luíza é um exemplo de área que cresceu sem planejamento e a população convive diariamente com as consequências
Por envolver um conjunto de leis, as discussões em torno do Plano que objetiva o pleno desenvolvimento das funções socais e ambientais da cidade e das propriedades privadas nelas instalada, desperta a curiosidade de poucos. No grupo de interessados, incluem-se quase que exclusivamente a classe empresarial que depende do licenciamento de áreas para construção de empreendimentos imobiliários ou complexos comerciais. O que poucos sabem, porém, é que o Plano Diretor discorre sobre a integração entre moradia, mobilidade, trabalho e lazer. São leis que, se fossem aplicadas, proporcionariam melhores condições de vida ao cidadão natalense.

“A população não sabe o que é o Plano Diretor. As pessoas não sabem também qual a interferência que o Plano Diretor tem na vida delas. Praticamente, toda a estrutura para o bem estar da população está dentro do Plano Diretor e as pessoas não sabem disso”, afirma a promotora de Defesa do Meio Ambiente, Gilka da Mata. As 340 famílias que hoje formam uma das maiores ocupações de terrenos públicos de Natal, são oriundas de diversas regiões da capital. Dentre elas, as já conhecidas áreas de risco como as favelas do Maruim, Jacó, Fio e ocupações do entorno das dunas do Planalto e Mãe Luíza. No próximo mês de julho, a ocupação Anatália Alves ganhará o “título” de favela, pois serão completos dois anos da construção dos primeiros barracos no local.

Apesar do emaranhado de fios elétricos que cruzam as estruturas de papelão, barro e plástico, do lixo acumulado nas extremidades da ocupação e da falta de água encanada e saneamento básico, os moradores são conscientes da situação extrema na qual vivem. “É muito difícil. Não há segurança nenhuma nas casas. A qualquer momento, podem pegar fogo”, relata uma das líderes comunitárias, Maria Silvanete, conhecida como Lila. Ela disse que já foram realizadas muitas audiências com o Município, mas nenhuma delas saiu do discurso para a prática. “A gente depende somente de Deus. Já foram várias reuniões e nada foi resolvido”, relembra Lila.

Para Gilka da Mata, a participação popular nas audiências em torno do Plano Diretor de Natal é imprescindível. “É muito importante que as pessoas participem das audiências de discussão do Plano Diretor pois tudo o que está sendo dito, diz respeito com o seu conforto e com o seu bem estar. As pessoas não devem achar que o PDN é muito técnico, que é coisa de arquiteto e urbanista. Não é”, adverte a promotora. Enquanto o Plano não é posto em prática integralmente, o primeiro filho de Joelson Oliveira se desenvolve no ventre de Jakeline Gomes. “Nosso sonho é ter um endereço, um lugar digno para nosso filho”, afirma Joelson enquanto reúne pedaços de madeira e papelão para ampliar o barraco em mais um compartimento para seu filho.

Falta de planejamento é problema

Um simples questionamento acerca do que compreende o Plano Diretor pode se tornar uma nebulosa e enfadonha discussão para grande parte da população de Natal. Entretanto, a maioria dos problemas enfrentados atualmente pelos moradores da capital dizem respeito à falta de planejamento estrutural. Os engarrafamentos, a falta d’água em alguns bairros, a favelização de áreas de risco, são alguns exemplos. A promotora de Defesa do Meio Ambiente, Gilka da Mata, cita pelo menos dois casos do crescimento desassistido de  bairros em diferentes regiões de Natal: Mãe Luiza e Ponta Negra.

Na zona Sul, o bairro de Ponta Negra sofreu um adensamento mais rápido do que o ajustamento do sistema de drenagem de águas e esgotos, por exemplo. “O resultado já é bem conhecido pela população. A rede coletora de esgoto, vez por outra, transborda e acaba jogando os dejetos na praia”, relembra a promotora. Um dos objetivos do PDN discorre exatamente sobre a necessidade das concessionárias de água, energia elétrica e demais serviços informarem à Municipalidade a necessidade de expansão da rede.

De acordo com o Artigo 13 do PDN, “as concessionárias e órgãos públicos responsáveis pelos serviços de água e esgoto, energia elétrica, rede de gás, telefonia, televisão e drenagem urbana, ficam obrigados a manter o Município informado, em relatórios e mapas detalhados, digitalizados e georreferenciados, com informações anuais, bem como indicar a tendência de saturação da infraestrutura urbana respectiva, estabelecida para cada bairro, como também, futuras  melhorias e ampliações previstas”.

Ao Município, cabe monitorar os dados de novos licenciamentos para que, conjuntamente com os dados obtidos, uma possível saturação de determinada área seja identificada com a disponibilização das informações à sociedade. De acordo com trecho do Capítulo do Macrozoneamento (Uso e Ocupação do Solo), considera-se configurada a tendência de saturação de um dos itens da infraestrutura urbana, quando o índice de utilização atingir 80% da estrutura instalada. A infraestrutura urbana compreende os sistemas de abastecimento de água e esgotamento sanitário, drenagem de águas pluviais, sistema de energia elétrica e viário.

Em Mãe Luiza, a ocupação foi caracterizada como irregular pois o bairro foi erguido em área dunar, de proteção ambiental permanente. Hoje, porém, a situação dos moradores está normatizada através da imposição de regras de construção. Entretanto, em alguns casos, o Ministério Público ainda identificou construções irregulares que deveriam ter sido impedidas pelo Município. “Há, em alguns momentos, omissão do Poder Público”, afirma Gilka.

Mobilidade urbana é ponto crítico

Atualmente, um dos pontos de maior saturação em Natal é o de mobilidade urbana, conforme esclareceu a promotora de Defesa do Meio Ambiente, Gilka da Mata. Nos horários de pico, as vias mais utilizadas da cidade praticamente param em decorrência do aumento do número de veículos em circulação e da falta de opções de escoamento de tráfego. Além disso, a qualidade do transporte público disponibilizado à população é um dos itens que compõem o PDN e necessita ser melhorada, de acordo com o Ministério Público.

 Conforme esclarecimentos de Gilka da Mata, o progresso de uma cidade está intimamente ligado às políticas de desenvolvimento da infraestrutura. Tudo isto, com vistas ao crescimento da demanda de pessoas e veículos, dentre outros quesitos. O Título IV do PDN discorre exclusivamente sobre a Política de Mobilidade Urbana.

O Artigo 58 diz que tal política “deverá ser instrumento de inclusão social ampliando a mobilidade da população”. Para isto, deverá promover: o acesso físico a serviços e equipamentos públicos, ao lazer e à integração social; respeitar o meio ambiente priorizando a utilização de combustível não poluente ou de baixo teor de poluição; preservar e promover a vida mitigando os conflitos e transformando as vias públicas em espaços seguros; promover o desenvolvimento econômico, minimizando desperdícios, racionalizando o transporte e reduzindo custos”.

Para Gilka da Mata, o PDN está bem estruturado em seu conjunto de leis. A aplicação delas, porém, deixa a desejar. “Em relação à teoria, o Plano Diretor é excelente. Daria uma nota 9 para o que está escrito. Para o que está feito, porém, está abaixo da média. Seria uma nota abaixo de 5. O ideal é que a gente cresça a efetivação do que está escrito aqui (no Plano Diretor). Dessa forma, a gente vai ter uma qualidade de vida melhor”, destaca a promotora.

“Não temos uma equipe para planejar a cidade”

Em linhas gerais, o que é o Plano Diretor de Natal?

O Plano Diretor é uma lei que trata basicamente da organização do espaço urbano. Essa organização do espaço urbano precisa ser voltada para o bem estar do morador da cidade. O Plano Diretor vai trazer um ordenamento, uma estrutura de como utilizar os espaços. Ele divide a cidade em bairros e especifica as áreas que precisam ser protegidas, que são ambientalmente importantes. Além disso, traz mecanismos para trazer conforto para a vida do cidadão. Por isso, determina que em alguns bairros se pode construir mais, em outros não pode ter uma construção muito exagerada. O Plano faz um diagnóstico, especificando algumas áreas propícias para ter habitação de interesse social ou  áreas para verticalização. O Plano traça instrumentos para que o administrador da cidade possa promover projetos nas áreas de mobilidade, habitação. Em síntese,  traz as regras de utilização do solo  para facilitar a vida do morador.

E quando este conjunto de Leis é posto em prática, o que acontece?

Na prática, as cidades não são planejadas. Elas vão se estruturando, muitas vezes, de uma forma atropelada. Então, a gente percebe que existem invasões, utilização de margens de rio ou de áreas de preservação permanente, que foram feitas de uma maneira açodada. Às vezes até, digamos assim, por omissão do poder público que não chegou e tirou a invasão no momento certo. Mas o próprio Plano Diretor  traz “remédios” para solucionar esses problemas. O mais importante é que eles precisam ser realmente efetivados pelo administrador da cidade. O grande problema que a gente vê é que o gestor não utiliza com eficiência esses instrumentos de prevenção e correção para a melhoria da vida do cidadão de uma maneira geral.

Se a senhora pudesse citar um exemplo claro do desuso do Plano Diretor atualmente, qual seria?

Um exemplo bem emblemático é o bairro do Planalto, que é o bairro mais novo que existe na cidade de Natal. Uma pessoa que não visita o Planalto há dois, três anos, quando chegar agora vai levar um susto. Vai encontrar muita verticalização e prédios sendo construídos. Mas apesar dessa chegada de grandes investimentos, a gente tem uma situação de estagnação de infraestrutura. Os sistemas de drenagem e esgotamento sanitário estão ainda muito aquém dessa demanda. Então antes de trabalhar com a chegada dos empreendimentos, seria muito importante a gente conseguir o planejamento do bairro para que se conseguisse colocar uma prévia infraestrutura de esgotamento sanitário, de drenagem, por exemplo. Com uma superpopulação da área, os problemas irão aumentar.

A solução seria evitar a construção de novos empreendimentos?

Não. Seria utilizar um instrumento importante que consta no Plano Diretor que é o planejamento. Para que a chegada de novos empreendimentos, de prédios residenciais sejam realizadas de uma maneira compatível e concomitante com a infraestrutura. Esse instrumento é a Operação Urbana Consorciada, que consiste numa parceria conjugada entre a iniciativa privada e poder público. O poder público conseguiria organizar o bairro juntamente com a iniciativa privada dotando o bairro de infraestrutura para receber os empreendimentos. A gente está perdendo a oportunidade de ter um bairro extremamente organizado e exemplar, porque não houve um estudo e um planejamento prévio que possibilitasse isso.

O que falta em Natal para que o Plano Diretor seja, de fato, implementado?

Seria realmente um segmento dentro da própria Semurb, uma equipe muito bem especializada. O que existe hoje é uma equipe que faz os planejamentos, os projetos de lei. Mas a gente não tem uma equipe que consiga planejar e efetivar os projetos para implementar o planejamento da cidade. A gente precisa estudar a cidade para identificar suas necessidades. Para implementar o Plano Diretor, a gente precisa também de estrutura. E quando nós dispomos dessa estrutura, percebemos que é possível trabalhar para um crescimento ordenado da cidade, fazendo-a melhor para seus habitantes.

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