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Festa do sexo

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Isaac Lira – repórter

No alto da rua, o som dos sinos da igreja exorta os fiéis a praticarem as boas virtudes do espírito. É dia de São Sebastião, padroeiro da comunidade de Boa Vista, localizada a cerca de cinco quilômetros do centro de Ielmo Marinho. Contudo, o beco escuro que começa na porta da igreja e termina nas margens de um seco rio Potengi lembra a todos que os apetites da carne, por vezes, são mais sedutores que as promessas de salvação divina. A festa religiosa é acompanhada de outra, profana, que congrega prostituas, travestis e homens à procura de sexo pago.
O movimento acontece à beira do leito seco do rio Potengi. Começa no fim da tarde e vai até à madrugada, reunindo prostitutas, travestis e homens à procura dos prazeres da carne.
As duas festas são igualmente centenárias e populares. Quase se complementam. Em Boa Vista, há quem diga que uma não sobrevive sem a outra. Os festejos de São Sebastião duram uma semana, tendo o seu ápice no dia 19 de janeiro, com uma missa às 19h e shows com bandas de forró a partir das 22h. Barracas com cachorro quente, refrigerante e bebidas alcoólica se instalam na rua principal. Um pequeno parque de diversões sempre está presente. Todos esses elementos são comuns a qualquer festa popular. Mas o que há depois do beco não é para qualquer lugar.

O movimento à beira do leito seco do rio começa no fim da tarde. Alguns homens se aglomeram à espera das meninas, uns de moto, outros a pé. Nesse momento da festa, ainda são, em sua maioria, homens da própria comunidade. Alguns dizem que foram só olhar. Outros, questionados, ficam com vergonha. Mas em breve as intenções escondidas saem à luz da noite. A primeira barraca começa a “funcionar” já perto das 18h. Chegam ao local um homem de meia idade, cabelos grandes e encaracolados, uma senhora com ar de dignidade, uma travesti e uma moça vestida com uma espécie de lingerie, de cor preta. Depois, aparecem dois homens, fortes, que fazem as vezes de seguranças.

A barraca oferece espetinho de carne, cerveja, cachaça e martini. Os homens se aproximam devagar, entre risos e olhares desconfiados. Como já é noite e a beira do rio não dispõe de iluminação, os barraqueiros usam dois candeeiros para evitar o breu completo. Já não é possível enxergar à distância. É hora de começar o trabalho.

O modus operandi da negociação é bastante simples e direto. Às 18h, estão disponíveis apenas a moça de lingerie, cujo nome de guerra é “Camila”, e a travesti, chamada pelos colegas de “Gretchen”. Mas, de acordo com a organizadora, um ônibus com moças de Ceará-mirim está prestes a chegar. O modelo é self-service.  Cada um escolhe o que lhe agrada, paga adiantado e segue até um local mais ermo para consumar o ato.

Maria da Conceição, a “organizadora”, é responsável por receber o dinheiro do programa.  Camila cobra R$ 20, dos quais R$ 5 são direcionados para os barraqueiros. O cliente e a prostituta, após o pagamento, seguem através de uma cerca, protegida pelos dois seguranças, para uma área mais isolada. Camila leva debaixo do braço uma toalha, uma camisinha e um rolo de papel higiênico. É o seu material de trabalho. Ao chegar debaixo de uma árvore, segundo relato dos próprios clientes, a moça estende a toalha no chão, que servirá de cama para a relação sexual.

Não há um tempo máximo pré-determinado. Os mais demorados recebem a visita nada gentil de um dos “seguranças”. Depois da relação, Camila faz a sua higiene íntima com o papel higiênico e volta para a entrada do “motel ao ar livre”, de prontidão para receber o próximo cliente. Em uma hora e meia, Camila atendeu sete homens e ganhou R$ 105.

A reportagem perguntou até quantos ela atende numa única noite – afinal ainda eram 20h e a festa prometia durar a madrugada inteira – mas Camila considerou a pergunta grosseira. Preferiu não responder. A moça – cabelos pretos, lisos, pele bem cuidada e cerca de 1,65 metro – diz ser de Natal, embora a maioria das meninas coletadas sejam de Ceará-mirim e Macaíba. “Não posso falar mais nada porque isso pode acabar com meu casamento”, recusou.

‘Sodoma e Gomorra’ em pleno interior

A imagem de um “caminhão de rapariga”, como os próprios moradores costumam falar, na beira do rio em Boa Vista não é um exagero. É uma tradição centenária. A partir das 22h, carros fretados repletos de prostitutas chegam a Ielmo Marinho e transformam a pequena cidade em uma autêntica filial de Sodoma e Gomorra em pleno interior potiguar. Na edição 2012, um problema com a Polícia Rodoviária Federal e com os buracos na estrada carroçável atrasou o grupo. Mas ninguém duvidou que ele chegaria.

Pelas ruas de Boa Vista, as pessoas agem normalmente, como se nada estivesse acontecendo. Pelo horário, o encontro com as mulheres da vida rivaliza com a missa em homenagem a São Sebastião. Uma parte da comunidade está na missa. A outra,  formada por homens, mulheres, idosos e adolescentes, está no escuro da beira do rio,. Ninguém pode acusar a festa de não ser democrática.

Não é raro encontrar alguém que afirma ter perdido a virgindade na beira do rio. É um costume local. Alguns adolescentes olham de longe o movimento, distante do olhar vigilante da família. “Tem gente aqui que passa o ano esperando por isso. Um padre já quis acabar com a festa, mas não tem quem consiga. O povo não ia deixar”, garante um dos homens que observam de longe.

Os curiosos são muitos. E acompanham cada cliente que procura os amores das moças. Na volta do encontro, a inevitável pergunta:

– E aí? Foi bom? Ela faz direitinho?

Na ida, a mesma coisa:

– Vai que é tua, Torrão!!! – gritam os amigos de um rapaz baixo, de bigodes, chamado pelo apelido, que correu animado para o motel a céu aberto.

Apesar das provocações, o clima é de tranqüilidade – isso no início da noite, porque na madrugada a barra pode pesar.

“Gretchen” é o alvo prioritário das brincadeiras. Mas, muito extrovertida, ela não faz caso. A travesti começou a noite amuada, triste, sem nenhum cliente à vista. Mas lá pelas 20h, seu Geraldo, um senhor nos seus 60 anos, chapéu na cabeça, arrastou a “moça” pelo braço, sob as bençãos de São Sebastião, para debaixo da árvore. “Todo ano ele vem aqui e fica com os travestis. É questão de gosto”, define Maria da Conceição, a organizadora do “encontro”. Que ninguém acuse a comunidade de Boa Vista de intolerância quando o assunto é sexo. Pelo menos no dia 19 de janeiro.

Bate-papoPadre Vicente diz que mesmo que quisessem acabar com esses encontros, ninguém conseguiria

» Padre Vicente Fernandes – convidado para celebrar missa em homenagem a São Sebastião

A festa em homenagem a São Sebastião é muito tradicional?

Sim, é uma festa centenária que realmente atrai o povo, porque é muito tradicional. Não sou mais o pároco da cidade, mas sempre sou convidado para celebrar a missa.

Além da festa religiosa, há um lado profano forte.

Sim, é verdade. Muitas mulheres da vida são trazidas para a comunidade e também atraem muita gente. É uma coisa centenária, tradicional por aqui. Mesmo que quisessem acabar ninguém conseguiria, porque o povo não deixa. Isso não tem nada a ver com a festa religiosa, mas pela aglomeração trazem essas moças e muita gente tira a barriga da miséria (risos).

Alguém tenta reprimir?

Não. Eles são livres. Além disso, é uma festa tradicional. Se acabarem com isso, a população sente falta.

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