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Fortaleza sucumbe ao abandono

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SARA VASCONCELOS – repórter

Ícone presente em postais que ilustram a cidade, o Forte dos Reis Magos – que transcendeu as funções militares e desempenhou forte papel político para a formação da cidade e Estado – não recebe atenção equivalente à importância que representa para a memória e identidade potiguar. Por fora, a ação do tempo e intempéries se escondem pela demão de tinta. Mas basta circular entre o bom número de turistas de vários lugares do Brasil e do mundo para constatar: o forte marítimo de forma clássica seiscentista que resistiu às companhias holandesas, no século XVII, sucumbe hoje a outro inimigo: o descaso público com o patrimônio histórico. O adequado uso do espaço esbarra ainda em questões jurídicas: atualmente, a posse do monumento pertence ao Ministério da Educação e Cultura, com cessão a entidade extinta – o Pró-memória. A Superintendência do Patrimônio da União iniciou nessa semana a discussão para definir e regularizar a posse.

Em todas as partes da fortaleza é possível constatar o abandonoCorroída pela ferrugem, a catraca de acesso ao Forte está quebrada há mais de seis meses e a corrente é aberta à chegada de grupos de visitantes. O acervo diminuto está sujeito a infiltrações e mofo. Paredes na sala de exposição e em outros pontos ostentam ainda o reboco. É possível desenhar com o dedo na poeria que se acumula nos painéis que contam a história da construção e resistência da fortaleza. Os móveis da época colonial são mantidos sem qualquer tipo de conservação. Alguns, aos pedaços, estão jogados em um canto de sala à espera de reparo. As instalações elétricas correm por ductos de ferro que sofrem com a maresia.

Da parte superior, além dos canhões oriundos da corte portuguesa apontados para o mar, é possível ver telhas quebradas e falhas por onde a água das chuvas se infiltra. Os banheiros – antigos armazéns que foram reformados – exalam um forte odor que pode ser sentido à entrada; potes de sorvete fazem as vezes de saboneteira. O banheiro para cadeirantes é mantido sob cadeado e a chave é cedida, quando preciso. O pátio é limpo e há cestos de lixo em diversos pontos.

 A TRIBUNA DO NORTE esteve no ponto de visitação mais conhecido da cidade, duas vezes na última semana. Da primeira, como turistas, viu um dos funcionários levar choque ao tentar acender a lâmpada da área da roleta. “Esqueci que está dando choque. Aqui a maioria está desse jeito, porque as paredes estão sempre úmidas e a instalação é muito antiga”, se justificou. Da segunda, já identificados, a reportagem ouviu do administrador Aparício Antunes que o problema se restringia aquele interruptor.

Antunes reconhece a necessidade urgente de reparos  e garante que um levantamento recente foi feito pela Fundação José Augusto, responsável pela gestão, para início de uma grande reforma. “O Forte ficou abandonado pelo últimos cinco anos. Esperamos melhorar com a reforma, mas é preciso ainda a aprovação do Iphan, já que se trata de patrimônio tombado”, disse. Os móveis danificados, segundo ele, foram quebrados por turistas que tentaram subir para fotografar. E aguardam a restauração.

O administrador assegura que, apesar da catraca não funcionar, o controle de entrada de pessoal e a prestação de contas da taxa cobrada para visitação (R$ 3,00 inteira e R$ 1,50 para estudantes) é feita de modo rígido e diário. No entanto, o administrador não soube mencionar a renda média mensal gerada. “Todos os valores são repassados à Fundação (José Augusto)”, disse. O administrador conta que há projetos para realização de eventos culturais, como exposição e miniconcertos.

O Forte recebe, em média, 1,5 mil pessoas por dia durante a alta estação. Nesse período, de baixa, a visitação diária não ultrapassa os 350 pessoas.

Reforma não será realizada este ano

A renda gerada pela visitação ao Forte dos Reis Magos oscila de acordo com a estação. No último mês de janeiro, a Fundação José Augusto (FJA) repassou à conta única do Estado, com base em registros do SIAF, R$ 68.469,50. Por ser alta estação e mês de férias a arrecadação foi elevada, se comparada a renda de junho, R$ 8.696,59.

“Os recursos são recolhidos à conta única do Estado e empregados de acordo com definições do governo, não é vinculado exclusivamente para a manutenção local”, explica a presidente da FJA Isaura Rosado.

A presidente da FJA lembra que um sistema eletrônico incluindo catraca foi adquirido com recursos do governo há cinco anos atrás, quando da sua primeira passagem pela administração. Os equipamentos, recolhidos ao depósito da FJA, sequer chegaram a ser instalados. “Esperamos com a nova reforma colocá-los”, disse.

Entretanto, ela assegura que a intervenção ficará para  2012, quando o projeto e a licitação para a reforma serão realizados. A prioridade para esse ano é a reabertura de outros espaços como a Cidade da Criança, Teatros de Caicó e Mossoró, que estão interditados, o memorial Café Filho e a Biblioteca Câmara Cascudo.

Falta de  conservação

Há 25 anos quando o casal paulista Regina Calado e Sérgio estiveram em Natal visitaram a edificação. O retorno na última semana trouxe o sentimento de frustração à triste uma cidade não cuidar da sua história. Um construção tão extraordinária conservada desse jeito, com mal cheiro de fossa, poeira e um acervo tão pequeno”, disse Regina Calado. “Ao menos não há lixo”, acrescenta o marido.

O acesso ao local também foi criticado pela comerciante carioca Marta Medeiros, 46 anos, pela primeira vez m Natal. “A infraestrutura para chegar é péssima ou você vem em excursão ou tem que pegar táxi e quando chega aqui não tem guia”, disse ela que andou desde a Praia dos Artistas, com a filha. O número reduzido de guias (sete) não é suficiente para acompanhar todos, sendo restrito aos grandes grupos.

As mudanças na estrutura original causou desapontamento em alguns. “As salas foram transformadas em lojinhas, cantinas, banheiro, isso descaracteriza o local. Não há quase nada do acervo original”, disse Aline Nascimento, 27 anos, de férias na cidade.

União definirá posse e cessão do monumento

Para interferir e tentar reverter a situação precária em que o monumento histórico se encontra, a Superintendência do Patrimônio da União no Rio Grande do Norte (SPU/RN) realizou na última segunda-feira, dia 18, reunião com representantes do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN/RN). A discussão gira em torno da definição de cessão do Forte dos Três Reis Magos ao órgão competente.

O polígono estrelado situado na barra do Rio Potengi com a praia do Forte, pertence a União. Desde 1963 O Patrimônio Público da União entregou ao Ministério da Educação e Cultura a responsabilidade, que ficou à cargo do Pró-Memória, repartição extinta e sucedida pelo IPHAN. Atualmente, um convênio celebrado entre a Marinha do Brasil e o governo do Estado confere à Fundação José Augusto a cessão de uso do espaço, o que segundo a superintendente do Patrimônio da União no Estado Ieda Cunha, não confere segurança jurídica, tampouco permite maior fiscalização por parte do órgão sobre a forma que o Forte é gerido e ocupado.

“Estamos em fase de estudo para regularizar a cessão e definir quem será a instituição, de acordo com a legislação vigente, competente pelo patrimônio histórico tombado. Entregamos ao Iphan o projeto para que analise. Precisamos esclarecer e regularizar se a cessão de uso é do Iphan, do Ibam ou FJA”, afirma. O Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) é o órgão responsável pelo tombamento do patrimônio histórico federal da Fortaleza.

Como não há representação do Ibram no Estado, a cessão poderá ficar com o Iphan, caso o estudo jurídico confirme. O órgão poderá administrar diretamente ou celebrar convênio com a Fundação José Augusto. A cessão de uso do espaço poderá ser gratuita ou onerosa a depender das atividades que serão apresentadas pelo Projeto. “A definição é essencial para otimizar o uso e a fiscalização do espaço”, observa Idea Cunha.

O Forte tem uma importância muito grande para a  história do país Brasil, tendo sido tombado já no ano de 1949. “Foi relevante para o processo histórico de formação territorial da nação, referência nas expedições de conquista e na proteção da Cidade do Natal, palco da guerra entre portugueses e holandeses”, ressalta o engenheiro e arquiteto do IPHAN Murilo Cunha.

Enquanto obra de arquitetura e engenharia, os relatos históricos o colocam entre as fortificações mais bens construídas e projetadas da Colônia. A Fortaleza foi a primeira edificação levantada na Capitania do Rio Grande, foi prisão onde sucumbiu André de Albuquerque, entre outros fatos históricos.

Bate-papo: » Murilo Cunha Arquiteto do IPHAN/RN

Há seis anos Forte não passa por melhorias

A Fortaleza dos Reis Magos, encontra-se com inúmeras deficiências. A que se deve essa situação de abandono?

A última grande intervenção de conservação no Forte foi realizada em 2005, com recursos do IPHAN. Como você pessoalmente constatou, há infiltração generalizada, revestimento de reboco soltando, necessidade de repintura, instalações elétricas improvisadas e deterioradas e até o acervo exposto está mal cuidado. Isso se deve à falta de serviços de manutenção a que todo imóvel deve ter e em especial um imóvel histórico e localizado num meio agressivo de alta salinidade. A manutenção periódica evita que os pequenos problemas se agravem e que sejam necessárias obras de conservação num intervalo muito curto.

O que equivale a dizer que o patrimônio histórico não tem recebido a atenção devida?

O Forte é de propriedade da União, mas está sendo administrado há muitos anos pela Fundação José Augusto, que é a instituição que deveria estar conservando adequadamente o monumento. Inclusive existe uma taxa de visitação de R$3,00 por pessoa, além dos aluguéis da lanchonete e da lojinha de artesanato, que deveria estar sendo revertida para a manutenção física do monumento.

Há projetos de reforma sendo analisado pelo Iphan?

Não existe no momento projeto de conservação em análise pelo IPHAN.  O fato de ele ser tombado não é dificuldade para obras. Apenas o projeto deve ser submetido para aprovação do IPHAN e as obras seriam fiscalizadas para atestar a fidelidade ao projeto.

Quais as dificuldades em manter em bom estado de conservação a Fortaleza? Faltam investimentos?

De certo que a conservação de um edifício com estas peculiaridades é mais oneroso do que um imóvel comum. Porém, o que está faltando é uma definição clara de competências para a boa gestão do monumento. Trata-se de um dos pontos turísticos mais visitados do Estado e com certeza pode se tornar autossustentável. Já que existe uma taxa de visitação e aluguel da lojinha de artesanato e da lanchonete, esse dinheiro poderia ser revertido para pagar as contas do edifício e entrar numa conta exclusiva para proceder as manutenções periódicas, tipo repintura, revisão do telhamento e da estrutura, proteção das ferragens contra oxidação etc. Não sei ao certo qual é a frequência de visitantes anual no forte, mas a taxa de visitação deve render uma considerável quantia. Além disso ele poderia ser alugado para eventos. É uma ideia possível.

Por que o natalense visita tão pouco o espaço?

Não sei se essa frase é de todo verdade. A frequência de visitantes de escolas é muito grande e penso que o natalense leva os amigos turistas para conhecer o Forte. Creio que por ser um espaço exclusivamente de uso turístico, a frequência de natalenses é pouca. Poderia se pensar em usos alternativos ao atual, como exposições de arte, lançamentos de livros, cineclube, palestras, uma casa de chá/restaurante (como existe no Forte de Copacabana)… enfim usos que chamassem o natalense a frequentar o monumento.

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