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Fuga de empresas enfraquece RN

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Andrielle Mendes – Repórter

A Agrícola Famosa, que confirmou ontem a transferência de 30% de sua produção no Rio Grande do Norte para o Ceará devido a baixa oferta de água para irrigação, não foi a única a anunciar a transferência de parte das atividades desenvolvidas no Estado no último ano. Pelo menos outras quatro grande empresas fizeram o mesmo nos últimos meses. Para William Pereira, professor doutor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Espaço, Trabalho, Inovação e Sustentabilidade e integrante do Grupo de Estudos em Economia Política do Desenvolvimento, o cenário é preocupante.
Unidade da Alpargatas que chegou a ter mil operários foi desativada e linha de produção de Natal transferida para o estado da Paraíba
A primeira empresa a anunciar a transferência de parte das atividades em 2012 foi a Coteminas, uma das maiores empresas têxteis do mundo, que fechou uma das duas fábricas no RN e transferiu parte da produção para a Paraíba. O grupo prometeu, em fevereiro do ano passado, construir  um empreendimento de R$ 1,1 bilhão na área da atinga fábrica, mas não voltou ao assunto em 2013.

A Alpargatas também fechou uma de suas três fábricas no RN em dezembro. A unidade, que chegou a empregar mil pessoas no auge na produção, não empregava nem 100 em 2012.     Parte da produção foi transferida também para a Paraíba. A decisão, segundo a empresa, foi motivada pela necessidade de ‘otimização do processo produtivo’. “Buscamos ganhos de produção e eficiência logística”, justificou a empresa, em nota. Líder no setor de calçados na América Latina, a Alpargatas é detentora das marcas Havaianas, Dupé, Topper, Rainha, Mizuno, Timberland, Sete Léguas e Meggashop. Com receita líquida de R$ 2,6 bilhões em 2011, possui fábricas no Brasil e na Argentina, 448 lojas em todo o mundo e exporta para 86 países.

A Bioenergy, uma das quatro maiores geradoras de energia eólica do país, também fez o mesmo. Cansada de esperar a instalação das subestações e linhas de transmissão de responsabilidade da Chesf e amargar prejuízos com as falhas no escoamento de energia eólica, a empresa solicitou à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a transferência de um dos seus quatro parques eólicos, já em instalação no RN, para o Maranhão, onde também executa projetos. A ideia, entretanto, segundo Sérgio Marques, presidente da Bioenergy, seria transferir para o Maranhão todos os quatro parques previstos para o estado e orçados em R$ 440 milhões.

A última foi a Agrícola Famosa, maior empresa exportadora de frutas frescas do Brasil e maior produtora de melão do mundo, que reduziu em pouco mais de 23% a área de plantio e em 10% o número de empregados no estado, em função da baixa oferta de água para a irrigação. “Se o inverno for fraco e não houver reposição da água, vamos transferir uma parte ainda maior da produção”, avisou Luiz Roberto Barcelos, sócio-diretor da empresa.

As reclamações são antigas. Ainda em abril do ano passado, Flávio Rocha, presidente das Lojas Riachuelo e vice-presidente do grupo Guararapes, maior confecção de vestuário da América Latina, já havia declarado que o RN era ‘um ambiente hostil ao empresariado’ e que por isso estava construindo uma nova fábrica no Ceará.    

Sérgio Marques, da Bioenergy, também já havia reclamado das condições oferecidas pelo estado. “Eu acho que o Rio Grande do Norte carece é de investimento em estradas, linhas, conexões elétricas, devido a quantidade de parques que estão sendo instalados aqui. Não adianta ter um grande volume de investimento, uma grande oferta de projetos, se não tem uma infraestrutura que comporte estes investimentos”, afirmou, em entrevista à TN ainda em março de 2012.

Segundo William Pereira, da UFRN, o reflexo direto é a redução do emprego e da renda no estado. “A economia sofre um verdadeiro baque. Os prejuízos são terríveis”, afirma.

Governo tenta reverter situação

Há pouco mais de 30 dias no cargo, o secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado, Rogério Marinho, afirmou que a transferência de parte da produção de cinco das maiores empresas instaladas no RN é fruto de ‘decisões empresariais que vem sendo amadurecidas ao longo de anos’. Apesar do posicionamento, Rogério encontrou-se na última semana, em São Paulo, com dois dos empresários que decidiram transferir parte das atividades para estados vizinhos e tentou contato, mas sem sucesso, com um terceiro por telefone.

Os dois empresários contactados ficaram de vir ao Rio Grande do Norte discutir a decisão, mas não sinalizaram que mudarão de ideia. Segundo o secretário, os motivos que levaram cada um dos empresários a tomar a mesma decisão são diferentes. No entanto, parte deles, afirma, está ligada à política de incentivos à indústria. “As indústrias sobrevivem à base de incentivos fiscais. Quando os incentivos acabam, elas partem para onde é mais lucrativo”, afirmou.

O governo diz ter uma carta na manga para evitar que novas empresas, pelo menos do setor industrial, deixem o estado. “Vamos enviar para a Assembleia Legislativa o Novo Proadi”. O projeto já elaborado flexibiliza a concessão de incentivos fiscais no estado, aumenta a abrangência do programa, e permite que empresas sejam beneficiadas por mais tempo, entre outras ações. Esta será a segunda maior reformulação do principal programa indutor da indústria potiguar em quase três décadas. “O governo vai se vacinar para não perder novas empresas”, disse.

Plantões da Delmonte diminuem 50%

O problema que afeta a multinacional Delmonte, líder mundial na produção e comercialização de frutas frescas, com produção no Rio Grande do Norte, não é a falta de água em tempos de seca, mas o excesso, em tempos de chuva. Inundações no ano de 2008 arrasaram a produção da empresa no RN e levaram a Delmonte a investir no Perímetro Irrigado de Jaguarari-Apodi, no Ceará. Apesar da transferência, o RN continua respondendo por 75,9% da produção no Brasil.

A empresa, afirma Newton Assunção, diretor jurídico, não pretende migrar para o outro Estado. “Mas também não pretende realizar novos investimentos no Rio Grande do Norte”. Pelo menos não até o governo construir a barragem de Oiticica e reduzir os riscos de inundação na área.

De 2008 para cá, a Delmonte reduziu em 50% a área de plantio e o número de empregos diretos gerados no Vale do Açu, no RN. Hoje a empresa produz em mil hectares e gera dois mil empregos no RN. Números que poderiam ser triplicados, com a construção da barragem, afirma Newton. “Porque não crescemos? Porque os controladores do grupo entendem que não se pode aumentar a produção no estado diante de tantos riscos. Não temos intenção de abandonar o estado, mas também não temos intenção de investir neste momento. Os planos estão suspensos. Não podemos jogar dinheiro no ralo outra vez”, afirmou Newton. Segundo ele, triplicar a produção renderia ao Rio Grande do Norte mais quatro mil empregos diretos e R$ 100 milhões em investimentos. Por ano, a Delmonte chega a produzir 79 mil toneladas de frutas.

Professor da UFRN defende ações integradas

Para William Pereira, professor doutor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a decisão das empresas em transferir parte da produção para estados vizinhos reflete a falta de uma política integrada de desenvolvimento regional. “O problema é regional. Os empresários buscam incentivos fiscais ou financeiros. Nem todos os estados tem condição de oferecê-los. Neste contexto, os menores acabam sofrendo mais”.    

A saída, segundo ele, seria a criação de uma política regional integrada. “Cada estado quer puxar a brasa para a sua sardinha. É preciso um esforço da União para acabar com este conflito entre os estados”, afirma. William reconhece que processo é lento e afirma que o governo do estado deveria assumir uma posição mais ativa diante do quadro. Segundo ele, o governo deveria analisar caso a caso e encontrar uma forma de resolver os gargalos apontados por cada setor.

Amaro Sales, industrial e presidente da Federação das Indústrias (Fiern), pensa parecido. “Os empresários vão para os estados que oferecem mais vantagens. É isso o que está acontecendo. Os anúncios, segundo o industrial, causam preocupação. “Estamos preocupados com essa evasão”.

Agricultura

José Vieira, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária no Rio Grande do Norte (Faern), se mostrou apreensivo com a decisão da Agrícola Famosa, e criticou a inércia do governo do estado, que ainda não licitou nem distribuiu três mil dos seis mil hectares do Perímetro Irrigado do Baixo Açu – alguns dos quais poderiam abrigar a produção da Agrícola, que teve que transferir 30% da produção para o Ceará, onde a oferta de água para a irrigação é maior.

O Perímetro foi criado para levar água para agricultores e empresas na região na década de 80, mas ainda não foi totalmente implantado. “Porque o governo não fez com que eles ficassem no Vale do Açu? Temos três mil hectares da segunda etapa abandonados. Falta pouca coisa para colocar para funcionar. Desde o início deste governo, a Faern vem pedindo que para se resolva a questão fundiária do perímetro”, afirmou José Vieira. Para ele, a decisão da Agrícola é reflexo da falta de planejamento do estado. “Não há planejamento, por isso estamos ficando para trás. Enquanto os outros estados tentam resolver seus problemas, nós tentamos remediar os nossos”. A Agrícola produz em Baraúna, e não no Vale do Açu.

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