Poeta refinado, seguro, e atento às intempéries criativas, Demétrio Diniz resolveu deixar os versos um pouco de lado para se dedicar à prosa em “Sob o céu de Natal”. O livro, uma compilação de contos inéditos e outros já publicados em páginas eletrônicas, será lançado nesta quinta-feira, às 19h na livraria Siciliano do Midway Mall. O título custa R$ 30.
Autor de cinco livros de poesia, Diniz adianta que, dessa vez, não elegeu nenhuma temática para conduzir seus textos: “São assuntos aleatórios, uma parte se passa no sertão, outra na cidade, mas não se trata de contos urbanos”, avisa. Demétrio também revirou seu baú de memórias e foi buscar informações antigas para construir contos históricos que remontam episódios ocorridos há 50, 100, 300 anos. “Mas não se trata de uma narrativa histórica, é tudo ficção. O importante é perceber que, de certa forma, são experiências vividas e/ou conhecidas através de livros.”
O escritor aborda questões como a luta entre portugueses e holandeses em solo potiguar nos idos do século 17, mas informa que não gosta “da literatura engajada, isso acaba comprometendo o texto. Mas também não vou lutar contra críticas incidentais”, revela.
Um bom exemplo do que afirma é o conto que dá título ao livro. Nele, Diniz retrata a vida de uma senhora que se cansa de viver aos 100 anos. “Essa história se passa nos anos 1960 e acabo fazendo algumas críticas naturais para se contextualizar o período.”
A mudança da poesia para a prosa foi intencional e planejada: “Colaboro com o blog de Tácito Costa (Substantivo Plural) e um de meus leitores disse que foi bom eu ter passado para a prosa, sugerindo que minha poesia dava sinais de exaustão. Concordo de certo modo, e chegou o momento de ousar.”
TRECHOS
“Quando a noite caía, acompanhava os holofotes do quartel vasculhando as nuvens. Quinze anos já se passaram do final da guerra, e ainda assim continuavam a procurar por aviões inimigos. Natal vivia um clima nostálgico, para o qual concorriam os dias de uma neblina interminável. Metade da população, formada de americanos, tinha zarpado. E aqui ficaram burocratas e uns poucos bodegueiros, rememorando as noites de blecaute e o dia em que se prepararam para o ataque de aviões que teriam partido de Dakar.”
#saibamais#“Maria Eugênia percebeu que se vivesse mais um século não descobriria o autor da maldade. A inveja tinha um cesto de disfarces e um cento de investidas, era inútil a sua obsessão em remontar o início de tudo. Desistiu das conjecturas que por mais de três décadas rondaram seu juízo, de modo circular e aborrecido, tal e qual os hidroaviões sobrevoavam o rio. E concluiu com amargor que nenhum ser humano merecia viver cem anos. Eram tantos os sobressaltos, as humilhações, os desencontros e desperdícios de amor, que aos oitenta o rosto de uma pessoa já parecia uma maleta amassada, se puindo e amarrada com barbante para não destripar. Chamou uma das empregadas e pediu que lhe comprasse um revólver para o vigia da casa.”