Mãos hábeis, talento e criatividade. Essa é a combinação que embasa o trabalho de artesãos e artesãs, criadores de uma arte decorativa e funcional nem sempre reconhecida como se deve. As peças, de alto valor agregado, muitas vezes eram comercializadas a preços simbólicos. “Eu saía com a sacolinha na mão e as pessoas não valorizavam o que eu oferecia, e às alguém comprava bem baratinho”, relembra dona Maria Salete Viana. Ela faz crochê, e desde que se integrou ao projeto “Lugares de Charme” em 2014 vem comemorando o novo cenário de prosperidade para seu ofício. Assim como Salete, outras pessoas de Serra de São Bento, distante 128km de Natal, passaram a enxergar melhor o futuro como artesãos.
A virada do jogo na pequena cidade serrana da Borborema Potiguar começou por iniciativa da designer e empresária Cris Ribeiro, que resolveu dividir suas experiências com outros criadores – assim surgiu “Lugares de Charme”, projeto que contou com apoio e consultoria do Sebrae-RN. Cris é reconhida internacionalmente pela sua arte em crochê, aplicada em moda, principalmente os acessórios como bolsas e objetos de decoração.
“Desejo despertar na sociedade o grande valor do artesão junto ao trabalho e produto concebidos com tanto amor e dedicação por horas, dias, semanas e que, por isso, precisam ser apresentados de maneira relevante e especial. A remuneração desse profissional deve ser igualmente valorizada e repassada de forma justa e adequada”, destacou Cris. Sua proposta é simples: criar e aplicar novas possibilidades para inserir os produtos no mercado sem deixar a essência artesanal de lado – interferir sem ferir é o lema.
A ideia de Cris Ribeiro chamou atenção do Ministério da Cultura, e rendeu em dezembro do ano passado premio destinados a iniciativas no campo da economia criativa. “O trabalho envolve as vocações, preserva a identidade cultural de cada região e agrega valor ao roteiro turístico”, acredita Cátia Lopes, gestora de economia criativa do Sebrae-RN.
Dona Maria Salete, por exemplo, aprendeu a fazer novos itens de crochê com apelo mais comercial, como quadros, bonecas de cabaça, petisqueiras, porta-copos, entre outros acessórios. O reaproveitamento de material também foi incorporado à rotina como forma de praticar a sustentabilidade, um dos pilares da economia criativa ao lado da diversidade cultural, inclusão social, inovação e empreendedorismo. Características do modelo de negócio difundido pelo “Lugares de Charme”.
O resultado é imediato. “Meu marido tira o sustento da agricultura, e meu trabalho como artesã ajuda nas despesas em casa”, disse dona Josefa Modesto, a Preta, líder do grupo batizado como “Benditas Mãos”.
Já a artesã Maria da Penha Pereira trabalha com bonecas de pano e suas vendas permitiram a realização do antigo sonho de comprar um sofá: “Antes eu era apenas dona de casa, hoje me considero uma artesã com orgulho e pretendo continuar crescendo. Fico feliz de ver meu trabalho valorizado e ainda consigo um dinheirinho melhor”, comemora.
As criações que trazem o selo de qualidade “Benditas Mãos” têm espaço garantido na feira Ruraltur, promovida pelo Sebrae-RN na Arena das Dunas de 26 a 28 de agosto. Na edição 2015 da Casa Cor RN, que acontece entre outubro e novembro, também irá agregar o artesanato de Serra de São Bento.
Negócios de charme
Após a capacitação, as artesãs passaram a criar coleções exclusivas. Essa produção pode ser vista na decoração do Café Serrano e dos restaurantes Galinha da Serra e Pôr do Sol, ambientes repaginados pela grife “Benditas Mãos”. Não por acaso, ao agregar valor do artesanato local, esses ambientes passaram a registrar mais clientes interessados nesse diferencial artístico.
No Café Serrano, primeiro estabelecimento beneficiado pelo projeto, o fluxo de turistas dobrou do ano passado para cá depois da intervenção do “Lugares de Charme”. “O nome e nossa comida caseira são nosso forte, mas mas faltava um algo mais. O ambiente era ‘acanhado’, o pessoal chegava, olhava e ia embora. Agora parabenizam nossa estrutura”, comenta Adriana Crisanto, proprietária do Café.
O mesmo aconteceu com o restaurante Pôr do Sol, de nome sugestivo que dá pistas de seu principal atrativo. A nova decoração ampliou a clientela. “Antes atendíamos de 20 a 30 pessoas no fim de semana, agora recebemos uns 80”, verificou o proprietário Valmir Albino. A repaginação mais recente foi no restaurante Galinha da Serra, finalizada no mês de julho. A empresária Aparecida ‘Cida’ Azevedo, vem registrando um aumento de turistas. “Agora elas são atraídas não só pelo sabor da galinha, mas também pelo charme que a nova decoração artesanal trouxe ao ambiente.
“O projeto ‘Lugares de Charme’ alavancou a economia local e levantou a autoestima dos envolvidos, desde as artesãs ao donos de restaurantes”, declarou Graça Rodrigues, primeira-dama de Serra de São Bento.
Aos poucos o “Lugares de Charme” amplia seu alcance e chega a outros municípios, comunidades e/ou povoados de até 20 mil habitantes, localizados em regiões turísticas com algum DNA de charme: o período de incubação do projeto em Serra de São Bento findou em julho, e agora segue para a cidade de Martins a partir de setembro – com potencial de expandir para além fronteiras. “Em todo o Brasil há lugares de charme, cada um com suas particularidades, e nosso trabalho é potencializar o que já existe”, completa Cris Ribeiro.
O que
O projeto “Lugares de Charme”, sob o lema “interferir sem ferir”, requalificou um grupo de artesãs de Serra de São Bento – primeira cidade atendida pela iniciativa que conta com apoio do Sebrae-RN. Os trabalhos estarão expostos e à venda de 26 a 28 de agosto durante a feira Ruraltur na Arena das Dunas.
Quem
Cris Ribeiro, empresária e artesão, é a idealizadora do projeto “Lugares de Charme”. O objetivo requalificar o trabalho de artesãos e artesãs para que tenha melhor aceitação no mercado sem que, para isso, perca a essência de suas características originais.
