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Iguaria com prazo de validade?

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Lívio Oliveira [ Advogado público e poeta – [email protected] ]

Sangue e banha de porco, mel de rapadura, castanha de caju, leite de coco, farinha de mandioca e diversas especiarias (cravo, canela, erva-doce, gengibre, pimenta do reino), todos esses ingredientes acondicionados em prateadas latas de leite em pó. Alguns leitores (principalmente os seridoenses) devem ter identificado imediatamente do que se trata. Sim, uma iguaria de provocar estranhamento. É disso que estou falando agora: do chouriço, ou doce de chouriço, ou chouriço doce como preferirem (vale diferenciar mesmo das variações existentes da receita).

O chouriço, que eu muito comi na infância, quando passava longas férias em Cruzeta, brincando incauto nos sótãos das fazendas Poço da Pedra e Cauaçu, é um doce com sabor intenso, com consistência cremosa/pastosa e cor bem escura. Come-se muitas vezes com farinha branca. O duro mesmo é ouvir acerca dos detalhes da receita e de como se obtém o sangue e a banha do porco. Mas, diz a minha sogra, Dona Léa Dantas de Medeiros, que no Seridó se ferve a mistura dos ingredientes exóticos durante mais de oito horas. Aí, a gente já começa a confiar que é saudável.

E o doce, diferentemente do que eu pensei um dia, não é de origem africana, mas portuguesa. É o que afirma o próprio Luís da Câmara Cascudo, em seu “Dicionário do Folclore Brasileiro”, editora Itatiaia, editora Universidade de São Paulo, 1991, pág. 223: “No Nordeste do Brasil é um doce de sangue de porco com especiarias, conhecido em Portugal como morcela e registrado no dicionário de Morais como sendo também feito no Brasil”.

O chouriço é um doce improvável, impossível, inconcebível, mas delicioso. E existe, não é ficção. Na verdade, o que é impossível, mesmo, é se afirmar – depois que você prova do doce escuro e cremoso – que aquilo lá não é uma das maravilhas gastronômicas desse mundo.

Vale até continuar citando a mesma página de Cascudo: “Faz-se o mel da rapadura, esfria-se e mistura-se no fogo brando com o sangue de porco, até ferver, mexendo-se com colher de pau para não encaroçar. Depois de bem fervido, coa-se e adiciona-se à farinha e aos temperos. Depois vai-se despejando devagar a banha derretida de porco e mexendo-se sem parar em fogo esperto, para que fique a mistura perfeita. O chouriço só está no ponto de tirar quando se vai despregando do tacho, deixando o fundo da vasilha limpo. Demora umas duas horas. Enfeita-se com castanhas inteiras e come-se frio, com farinha bem fina.”

O que me deixa preocupado é que não tenho visto mais o doce sendo produzido e vendido com a mesma frequência que antes, nem mesmo no Seridó onde encontra o maior número de produtores no RN e, possivelmente, do Brasil (parece que na Paraíba e em Minas Gerais também há, com variáveis na receita e preparo). O que estará acontecendo, afinal, com o nosso chouriço? Estará desaparecendo? Será o reflexo dos tempos politicamente corretos, ou de outras formas de crise? Espero que os seridoenses nos tragam logo respostas. Afinal, estou doido para dar umas fartas colheradas!

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