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JK: Inflação, o custo da festa

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BRASÍLIA  AMEAÇADA  - Exército reforça a segurança no Planalto, em dezembro de 1959,  ameaçado de bombardeio pelos revoltosos

Por Chico Otavio

A onda de saudosismo que toma conta do país na comemoração dos 50 anos da posse de Juscelino Kubitschek esbarra numa polêmica com praticamente o mesmo tempo de vida: o que custou para a economia brasileira essa onda desenvolvimentista? Desde os primeiros anos de governo, JK enfrentou a oposição de uma corrente de economistas, liderada por Eugênio Gudin, que o culpava pela escalada inflacionária iniciada em sua gestão. Até hoje, há quem diga que o preço foi alto demais.

– O governo de Juscelino é um período de festa irresponsável. Não por acaso, deságua num golpe conservador em 1964, que tenta estabelecer controles na economia – afirmou o economista Eustáquio Reis, da diretoria de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Em artigo publicado no GLOBO, em 1958, Eugênio Gudin dizia que, a princípio, ninguém deveria ser contrário ao Plano de Metas de Juscelino. “Mas para realizar tudo isso é preciso um mínimo de ordem e de equilíbrio na infra-estrutura, sobre a qual possam apoiar os novos empreendimentos. Quando os alicerces estão abalados, há que restaurá-los antes de sobre eles construir, seja qual for a angústia do tempo”, alertava.

Luís Roberto Cunha, professor do Departamento de Economia da PUC-RJ, disse que o desenvolvimentismo de JK trouxe resultados importantes para o Brasil, mas com o custo da pressão fiscal (os gastos do governo cresceram muito) pelas formas de financiamento (emissão de moeda, porque a carga tributária era baixa).

– Ao ter financiado parte desses gastos por emissão de moeda, ele acabou deixando como legado uma pressão inflacionária grande. Para a época, foi um período de aceleração inflacionária. De certa forma, a lição foi aprendida duramente depois de muito anos: que se deve perseguir o crescimento, mas o governo deve ser fiscalmente responsável – disse Cunha.

Para Eustáquio Reis, a fórmula adotada por JK para financiar o seu projeto político, combinando emissão de moeda com proteção da economia, era insustentável e custou mais do que os anos de inflação seguintes:

– A inflação fecha o ano de 1963 com 90% e atinge 100% no começo de 64. O golpe é claramente provocado por uma crise de instabilidade macroeconômica, que gera crise na classe média e uma disputa por participação na renda de vários segmentos na sociedade. A instabilidade de preços coloca em aberto a distribuição de renda no país. A classe média, ameaçada, cobra soluções restauradoras.

Eustáquio explicou que os gastos fiscais, com programa de obras e investimentos extremamente ambiciosos, não tinham contrapartida de financiamento:

– Os consumidores não estavam esperando inflação.

Coronel lembra viés autoritário do governo JK

O domínio das técnicas de guerra química salvou o então capitão Tarcísio Nunes Pereira de um aperto na Argentina. Proibido de voltar ao Brasil, ele sobreviveu vendendo empadinhas. Embora ache graça da forma encontrada para sobreviver no exílio, o coronel, hoje com 75 anos, lamenta ser um dos poucos brasileiros a discordar da idéia de que o governo Juscelino Kubitschek foi um dos mais democráticos já vividos no país:

– Ao contrário do que se diz, não fomos perdoados por Juscelino. Nosso grupo só foi anistiado depois, no governo Jango – referindo-se ao período presidido por João Goulart (1961-64).

O coronel Tarcísio pertenceu a um grupo de oficiais e civis que, no fim do governo JK, tentou derrubar o presidente no episódio que entrou para historia como a Revolta de Aragarças. Alguns historiadores sustentam que a ação foi uma espécie de preliminar do golpe militar que viria anos depois. JK já enfrentara duas rebeliões militares – o Onze de Novembro, antes da posse, em 1955, e Jacareacanga, no ano seguinte, todas marcadas pelo fracasso e pela não-retaliação – quando o pequeno grupo tomou uma pista de pouso no Brasil Central e pensou em bombardear o Palácio do Catete.

A professora Maria Antonieta Leopoldi, da UFF, disse que uma das marcas do governo JK foi perdoar os revoltosos, incluindo militares, mas isso tinha um limite:

– Ele tentou ser tolerante, mas algum tipo de sanção tinha de ocorrer. Em política, não dá para perdoar tudo.

A aventura de Tarcísio e seu grupo, chefiado pelo então tenente-coronel João Paulo Burnier, começou no dia 2 de dezembro de 1959 com o seqüestro de um Constalation da Panair. A revolta foi sufocada em menos de 72 horas e os rebeldes fugiram para países vizinhos. Roberto Rocha e Souza, hoje com 89 anos, amargou o exílio de um ano no Paraguai e na Argentina, junto com Tarcísio. Ele se recorda que, anos mais tarde, encontrou Juscelino na praia.

– Para minha surpresa, ele me abraçou e disse: “Meu herói”. Fiquei sem graça. Expliquei que fiz aquilo não contra ele, mas contra a corrupção que vinha desde os anos 30.

O que foi A Revolta de Aragarças

Apesar da anistia concedida por JK aos militares envolvidos na Revolta de Jacareacanga em fevereiro de 1956, o clima de insatisfação e de conspiração contra o governo continuou, sobretudo na Aeronáutica.

A Revolta de Aragarças, que eclodiu em 2 de dezembro de 1959, começou a ser articulada em 1957. A nova conspiração teve a participação do ex-líder de Jacareacanga, tenente-coronel aviador Haroldo Veloso, e de dezenas de outros militares e civis, entre os quais o tenente-coronel João Paulo Moreira Burnier, que foi o seu principal líder. O objetivo era iniciar um “movimento revolucionário” para afastar do poder o grupo que o controlava, cujos elementos seriam, segundo os líderes da conspiração, corruptos e comprometidos com o comunismo internacional”.

Partindo do Rio de Janeiro, com três aviões Douglas C-47 e um avião comercial da Panair seqüestrado, e de Belo Horizonte, com um Beechcraft particular, os rebeldes rumaram para Aragarças, em Goiás. Pretendiam bombardear os palácios Laranjeiras e do Catete, no Rio, e ocupar também as bases de Santarém e Jacareacanga, no Pará, entre outras. Na realidade, nem o bombardeio aos palácios, nem a ocupação das bases chegaram a ocorrer, e a rebelião ficou restrita a Aragarças. A revolta durou apenas 36 horas. Seus líderes fugiram nos aviões para o Paraguai, Bolívia e Argentina, e só retornaram ao Brasil no governo Jânio Quadros.

O que há para ler
JK – Exemplo e desafio
Affonso Heliodoro – 279 páginas. R$ 40,00 – Thesaurus
O livro traz as recordações de uma liderança e é um verdadeiro grito de angústia face ao presente.

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