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Jovens à espera de oportunidades

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Sara Vasconcelos
Repórter

A quantidade de crianças e jovens à toa, nas ruas do bairro dos Guarapes, na zona Oeste da cidade, evidencia: é lá que se concentra a população mais jovem de Natal. É ali também que equipamentos sociais, serviços e perspectivas são mais escassos. Localizado na porção mais periférica, na divisa da capital com Macaíba e São Gonçalo do Amarante, o bairro lidera a base da pirâmide etária da cidade. Onde as condições de vida e infraestrutura disponível contrastam com o vigor da idade de sua população. O resultado, segundo especialistas, é uma combinação de baixos índices de escolaridade, altos de desemprego, gravidez precoce e criminalidade.
A quadra de esporte - mesmo sem qualquer estrutura ou equipamento - é o ponto de encontro dos jovens
De acordo com dados da Malha Municipal do Censo 2010, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) este mês, dos 10.250 moradores 32,4% estão na faixa de zero a 14 anos, outros 22% dos moradores têm entre 15 e 24 anos. Em todo o Estado, o IBGE pesquisou 166 bairros (declarados como bairros oficialmente, pelas prefeituras municipais).

Essa concentração não ocorre por acaso. Do ponto de vista demográfico, explica o coordenador do curso de Estatística da UFRN Flávio Henrique Freire, a região que compreende os bairros de Guarapes, Planalto e Cidade Nova é uma área de grande crescimento demográfico no período de 1991 a 2000. O Guarapes foi desmembrado para a criação do bairro Planalto. O crescimento persistiu na última década, consolidando a área como de fronteira de expansão populacional no município de Natal. A taxa de crescimento populacional neste período foi de 1,99% ao ano, pouco abaixo da taxa para Natal, de 1,2% ao ano, no mesmo período (2000-2010).

O que não houve foram investimentos na região. No bairro, há apenas duas escolas de ensino fundamental e dois centros de educação infantil, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Educação. O único posto de saúde permanece interditado desde 2008, pelo Conselho Regional de Medicina (Cremern). Os atendimentos de urgência e emergência são encaminhados para o Pronto Atendimento de Cidade Satélite ou para o Hospital dos Pescadores, nas Rocas. “Se for à noite é apelar pro Samu”, diz funcionário. As obras iniciadas há dois anos não têm previsão para terminar.

A deficiência de estrutura não para por aí.  “Não temos clube, quadra poliesportiva, pracinhas, cinema. Não tem muito que fazer e fica todo mundo nas calçadas”, pontua Jô Hingrid Dantas Boa Ventura, 17 anos, estudante do 1º ano do ensino médio e integrante de oficina de dança. Ela conta que já perdeu muitos amigos de infância e parentes para a violência e drogas.

A falta de professores e de uma escola de ensino médio no bairro torna ainda mais distante o acesso à universidade, lembra Erinaldo Costa Silva, 17 anos, que se prepara para o vestibular e Enem este ano. Ele pretende ser educador físico. As aulas são dadas em sala cedida em escola municipal. “A mentalidade aqui, mesmo entre os professores, é de que qualquer coisa serve pra gente, que mora em um bairro marginalizado (sic)”, desabafa.

Situação peculiar da localidade é quantidade de mães adolescentes. Maria Luíza Rodrigues, 16 anos, é mãe de Matheus Emanuel, de 3 anos, e de Marielle Emanuelle, de 1,6 ano. “Não tinha muita orientação e acabei engravidando. Fui mãe aos treze”, diz. Separada recentemente, ela conta não ter interrompido os estudos durante as gestações, graças a ajuda da mãe. Questionada se deseja criar os filhos ali, ela garante: “é um bom lugar, basta saber conviver com os dois lados e esperar que eles (os filhos) tenha mais sorte na vida”.

Única quadra de esportes está abandonada

São 15h30 de uma segunda-feira e o número de menores à esmo nas esquinas do bairro Guarapes chama atenção. A única quadra esportiva da comunidade está deteriorada. Não há rede nas traves, grades, sequer bolas. “A gente fica aqui esperando alguém que tenha bola para brincar”, diz o pequeno João Victor, de 9 anos. Junto a ele um grupo de idades diferentes matam o tempo livre. Alisson Souto Vicente, 17 anos, que há muito abandonou a sala de aula para ajudar o pai, como ajudante de pedreiro, reclama que não há o que fazer. “Seria bom uma área de lazer aqui. A gente só tem essa quadra nesse estado e o campo do barreiro, mas quando chove, já viu. Aí a gente vem pra cá e fica sentado”, diz.

A falta de espaços de convivência social e de oportunidades de estudos e trabalho no bairro são, para o coordenador da Ong Posse de Hip-hop Lelo Melodia Edcelmo da Sila Bezerra, a principal causa do envolvimento com drogas e situações de risco entre os jovens. “Aqui a mortalidade entre jovens era muito mais alta. Estamos tentando mudar essa realidade com a  música, com a busca de políticas públicas”.  A Ong oferece oficinas de áudio digital, hip-hop e break , além de palestras e orientação. “No bairro ou você é doméstica, dona de casa, funcionário de fábrica ou da construção. Sem desmerecer esses trabalhos, precisamos mostrar que se pode mais”, frisa.

A reforma e modernização da quadra de esportes está prevista no projeto da Secretaria Municipal de Esporte (Segelm). Contudo, explica o secretário Rodrigo Cintra, o início das obras que deverão recuperar equipamentos nas zonas Norte e Oeste de Natal depende da captação de recursos. “Faremos um leilão do material do Machadão e Machadinho que não será usado pela Prefeitura, e com o recurso vamos tocar as reformas”, disse. O custo médio por quadra é de R$ 15 mil.O secretário não precisou a quantidade. “Isso depende do leilão, devemos fechar esse processo até o final do mês”, reforça. Um estudo, com base no Censo 2010 do IBGE, irá direcionar projetos sociais e esportivos.

Escola tenta ocupar lacunas da falta de estrutura social

A pedagoga Janaína Tavares dos Santos Menezes da Escola Municipal Francisco de Assis Varela Cavalcanti, vê com tristeza e preocupação o desenvolvimento dos alunos. Mesmo com deficiência, a escola tenta ocupar lacunas e trabalhar o indivíduo globalmente com atividades paralelas,  mas as carências são inúmeras. Vão desde bens materiais e financeiros a orientação e estruturação familiar. “São jovens sem acesso a lazer, a cultura, a espaços de convivência social dignos. A ociosidade gera aglomerações em torno do alcoolismo e outras situações de risco”, lamenta. Segundo a coordenadora pedagógica, é comum estudantes chegarem ao 3º ano do ensino fundamental sem saber ler e escrever, o que corrobora para a repetência, desnivelamento e abandono.

O número de estudantes em idade escolar fora das salas de aula, na zona Oeste, de acordo com o registro das escolas é de 400 na educação infantil e 250 entre o 1º e 6º ano do ensino fundamental. A escola, que tem 643 alunos, cede à noite ao Estado, cinco salas para turmas de ensino médio. A falta de perspectivas de futuro, na avaliação da vice-diretora Milena Fabrini de Paiva Diniz, faz com que a visão de mundo e de projetos pessoais dos estudantes se estreitem.  “Eles não conseguem ver a educação como um caminho de melhoria.  Muitos permanecem ou voltam para a sala de aula apara ter acesso ao benefício do bolsa-família”, observa.

Entre os alunos, muitos desejam – quando muito – apenas terminar o ensino médio, casar e ter filhos. Francisco Anderson, 16 anos, do 9º ano do ensino fundamental, é quase  exceção: “quero ser advogado”.

Petrópolis tem boa estrutura para idosos

Se em Guarapes, juventude e estrutura precária são obrigadas a conviver. Em Petrópolis, o cenário muda, digamos, contrastando na mesma proporção, que o aumento da idade da população. Em Natal, o maior índice de envelhecimento está nesse bairro, conforme dados do censo 2010. Em Petrópolis, para cada 100 jovens existem 114 pessoas com 65 anos ou mais e população. O percentual de idosos com 65 anos ou mais é de 16,8%.

Eles  são vistos com facilidade nos muitos cafés e restaurantes instalados no bairro, ou mesmo se exercitando em praças públicas e na Avenida Afonso Pena. “Ao menos duas vezes por semana, levanto cedo e vou caminhar. Nos outros dias, academia. Cuido da alimentação. E me reúno todos os dias com os amigos. Isso faz com que vivamos mais e melhor”, dá a receita o dentista Marcio Pacheco de 74 anos.

O bairro, um dos mais antigos da cidade, dispõe de ampla  infraestrutura de serviços. Para o aposentado José Mamede, de 17 anos, que mora desde 1947 no bairro, apesar de ser um bairro autônomo não atrai casais jovens. “Quem mora, mora desde sempre. Quem casa agora procura áreas mais ao sul da cidade. Petropólis se tornou um bairro comercial e não de moradias”.

Para o escritor Bruno Villaça, o poder aquisitivo e o nível de escolaridade de parcela da população do bairro também contribui para uma melhoria na qualidade de vida e consequente longevidade. O grupo que se encontra todas as tardes em um café, diz manter vínculos de longa data com outros moradores.

Bate-papo

Prof. Dr.  Flávio Henrique Freire, Coordenador do Curso de Estatística da UFRN

Como o crescimento populacional no Guarapes influencia na estrutura etária mais jovem?

A dinâmica demográfica é regida por três componentes básicas: fecundidade, mortalidade e migração. No nível de análise mais desagregado e nesse caso, analisando bairro, a migração passa a ter importância fundamental na composição etária da população. Em 2000, esta era uma região de baixa densidade populacional, com preços de terreno mais acessíveis, que atraiu a população, em geral mais jovem, em busca de moradia. Portanto, a estrutura etária jovem aí é uma combinação de imigração de pessoas mais jovens, mais mulheres em período reprodutivo se instalam nesses bairros, ocorrendo o que os demógrafos chamam de efeito indireto da migração: os nascimentos no lugar de destino.

Há relação entre a condição socioeconômica do bairro e o significativo número de jovens?

Esta região atrai grande massa de população de renda mais baixa. Demograficamente, a estrutura etária jovem dos bairros Guarapes e Planalto e o alto crescimento demográfico, mais especificamente do bairro Planalto, podem ser explicados pela fecundidade relativamente alta e, principalmente, pelo grande movimento populacional em direção à região.

Como o senhor avalia os índices de violência nesse bairro?

Um ponto que preocupa nos Guarapes e Planalto é que a violência é um fenômeno muito concentrado nos jovens. Os homicídios ocorrem na grande maioria em homens entre 15 e 29 anos. Na Região Metropolitana de Natal, em 2007, 59,27% dos homicídios ocorreram nessa faixa etária. Os bairros em questão têm a população mais jovem de Natal, o público mais sujeito à criminalidade violenta.

O que pode ser feito?

Políticas públicas que minimizem a vulnerabilidade social destes jovens. Investir em educação – serial e profissionalizante – além de atividades sociais, culturais, de esporte e lazer são ações para melhorar a inclusão social desta população.

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