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Justiça multa, mas não cobra

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Isaac Lira – Repórter

Em áreas como saúde, educação e meio ambiente, tem se tornado comum submeter os municípios e o Estado a multas. Trata-se de uma tentativa de obrigar o poder público a cumprir com suas obrigações. É a reforma de um hospital, a construção de uma unidade para internação de menores, a compra de um determinado medicamento, etc. Quando o poder público, por alguma razão, não cumpre a determinação, o Ministério Público pede, e em muitas vezes o juiz defere, o estabelecimento de multa diária. Apesar de parecer um instrumento de coerção, um olhar mais atento aos meandros deste processo demonstra que o instrumento é ineficaz.
Justiça não tem dados sistematizados sobre multas aplicadas
Apesar da recorrência das multas – e nos últimos meses com a crescente crise na Prefeitura de Natal, elas estão cada vez mais freqüentes – as instituições normalmente envolvidas na aplicação de multas não tem um acompanhamento detalhado do quantitativo de penalidades determinadas pela Justiça. Nem o Ministério Público, nem o Estado e nem os Municípios sabem hoje quanto há em multas decididas pela Justiça. Por um lado, a falta de centralização é explicada pelo próprio trâmite deste tipo de expediente: as multas aplicadas ao poder público, após percorrer todas as possibilidades de recursos e transitar em julgado, se transformam, a depender do valor, em precatório.

Com exceção dos casos em que há bloqueio judicial, as multas aplicadas contra o poder público não são executadas de imediato. Se o juiz fixou o pagamento de R$ 5 mil por dia de descumprimento de uma obrigação do Estado, por exemplo, e mesmo assim não se cumprir a determinação judicial, o pagamento da multa só será efetivado após percorrer o labirinto de recursos judiciais possíveis. Mesmo assim, caso se insista no pagamento, ao fim de tudo expede-se uma Requisição de Pequeno Valor ou um precatório, a depender do valor da multa. As RPVs são pagas em até 60 dias. Os precatórios têm uma fila “interminável” de pagamento.

O motivo é simples: as dívidas contraídas pelo poder público precisam ser pagas por RPV ou precatório, já que o Estado e os Municípios condicionam os seus gastos ao orçamento, enviado pelo executivo e aprovado pelo legislativo. As multas fixadas pela Justiça não fogem deste rito.

O expediente de fixar multa contra o poder público é ineficaz, na avaliação do jurista Paulo de Tarso Fernandes, porque não há regulamentação adequada no Brasil. Segundo Paulo de Tarso, a multa é um instrumento para tentar obrigar particulares a cumprir uma determinação da Justiça. “O instrumento é do Código de Processo Civil e foi criado para ser aplicado em casos que envolvem pessoas comuns, e não para coagir o Estado”, aponta Paulo de Tarso Fernandes. Ele complementa: “Quando é utilizado para coagir o poder público, cai no vazio. É uma ferramenta ineficaz. Serve mais para produzir manchetes de jornal do que para obter o fim desejado”.

Paulo de Tarso Fernandes defende que se crie ferramentas mais adequadas para se tentar obrigar o poder público a cumprir com suas obrigações. “Na minha opinião, é necessário que o Judiciário tenha instrumentos para coagir os municípios, os estados, etc, a cumprir com suas obrigações e a cumprir as determinações judiciais. Mas isso depende da iniciativa dos legisladores. Da forma como tem acontecido, incorre-se inclusive numa certa desmoralização da Justiça”, argumenta.

Multas pessoais não são consenso

Segundo o juiz da Fazenda Pública, Cícero Macedo, o dinheiro captado pela multa é comumente destinado para os fundos de financiamento de áreas essenciais. Exemplos: o Fundo Estadual de Saúde, o Fundo Estadual do Meio Ambiente, etc. “Além das multas dirigidas aos entes públicos, há multas pessoais para os gestores. Contudo, nesse caso, não há ainda um consenso sobre a possibilidade de penalizar o gestor. Mesmo assim, vez ou outra é pedido em alguns processos o estabelecimento de penalidades para os gestores”, aponta Cícero Macedo.
Acúmulo de lixo nas ruas de Natal gerou multa para ex-presidente da Urbana, Bosco Afonso
Em Natal, há vários casos que ilustram a fala do juiz da Fazenda Pública. Basta lembrar da dificuldade que a Prefeitura de Natal teve para conseguir um diretor-presidente para a Urbana. O vereador eleito Luiz Almir, por exemplo, pediu exoneração do cargo poucos dias depois de assumir alegando a existência de multas por descumprimento de determinações da Justiça. Mais recentemente, a ex-secretária de Saúde, Maria do Perpétuo Socorro, foi executada pelo Ministério Público por descumprir uma sentença. Corre o risco de ter de pagar R$ 208 mil ao Fundo Municipal de Saúde.

A razão das multas é o atendimento de pacientes que necessitam de cirurgia ortopédica. Em julho de 2010, uma sentença obrigava a Secretaria Municipal de Saúde a atender imediatamente os pacientes da fila de cirurgias. Do período da sentença até hoje, como é de conhecimento público, a SMS teve o atendimento da ortopedia paralisado algumas vezes, na maioria delas por falta de pagamento a hospitais conveniados. A multa fixada pela Justiça foi de R$ 2 mil por dia.

Frente ao mais recente de caso de paralisação do atendimento – ocorrido em setembro passado – a promotoria do Patrimônio Público executou a multa pessoal, referente a 104 dias de descumprimento, o que resultou em R$ 208 mil. Mais: a proposição do MPE é de bloquear o salário da ex-secretária como servidora estadual em 30% todos os meses. A reportagem da TRIBUNA DO NORTE não conseguiu contatar a ex-secretária, que, segundo informações, não estava em Natal durante a semana. A 3a. Vara da Fazenda Pública ainda não se pronunciou acerca do assunto.

O atual secretário municipal de Meio Ambiente e Urbanismo, Bosco Afonso, passou por situação semelhante, quando diretor da Urbana. “Havia uma determinação para impedir o acúmulo de lixo na estação de transbordo. Mas a Companhia não tinha recurso financeiro, não tinha como fazer. Era uma situação que fugia ao meu controle”, argumenta o ex-diretor da Urbana. Bosco Afonso recorreu e a multa foi retirada.

Existe, ainda segundo o juiz Cícero Macedo, correntes divergentes no que diz respeito a imposição de multas a gestores. “Não há ainda um consenso”, explica. Recentemente, a própria prefeita Micarla de Sousa e a governadora Rosalba Ciarlini foram alvos de pedidos de multas, mas ainda não houve o deferimento por parte da Justiça.

A reportagem da TRIBUNA DO NORTE procurou o Ministério Público Estadual para falar sobre o tema, mas não houve retorno.

Punição tem pouco efeito prático

Embora tenha um caráter de punição, a principal função da multa é obrigar o poder público a cumprir uma sentença judicial. Por esse motivo, o Ministério Público Estadual, que é o defensor de direitos coletivos, recorre frequentemente a esse tipo de ferramenta. Contudo, em alguns casos, a imposição de multa não tem efeito prático algum, principalmente em áreas consideradas mais complexas, como a de saúde, educação e meio ambiente, entre outras. O juízo fixa a multa, mas o poder público não se obriga a cumprir a sentença.
Fechamento de posto de saúde do bairro Planalto, em 2009, gerou multa para a gestora municipal
Unidade de saúde
Foi o que aconteceu com os moradores do bairro Planalto. Em 2009, a unidade de saúde daquele local foi fechada, causando, como era de se esperar, um descontentamento generalizado na comunidade. A questão chegou à promotoria da Saúde, que acionou a Justiça através de uma ação civil pública. Em seguida, a liminar foi deferida, mas não houve qualquer avanço. A comunidade do bairro Planalto continua sem a sua unidade de saúde e em agosto deste ano o MPE pediu a inclusão da prefeita Micarla de Sousa no processo.

A multa anteriormente fixada era de R$ 20 mil por dia para a Prefeitura de Natal. Os desembargadores da Segunda Câmara Cível estenderam a penalidade para as gestores  Micarla de Sousa e Maria do Perpétuo Socorro em agosto deste ano. Não houve execução. Sobre o assunto, o desembargador João Rebouças, relator do caso, disse ser necessário multar também os gestores “por ser o agente público o responsável pelo cumprimento da decisão judicial e, considerando que a multa arbitrada tem caráter de motivar o rápido cumprimento de decisão”.

Ainda assim, com o estabelecimento de multa pessoal, o bairro Planalto não conseguiu receber de volta a sua unidade de saúde, fechada em 2009. As multas devem ser executadas em breve.

Ciad

A governadora Rosalba Ciarlini, a exemplo de Micarla de Sousa, foi acionada recentemente pelo Ministério Público. No caso da reforma do Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Infrator (CIAD-Natal). Nesse caso, ainda não houve decisão da Justiça, mas o pedido é de multa pessoal de R$ 5 mil à governadora Rosalba Ciarlini, o presidente da Fundac Getúlio Batista e ao secretário de Planejamento do Estado, Francisco Obery, caso não se termine a reforma em 90 dias.

Entre os motivos para o pedido do MPE, estão problemas de alvenaria, marcenaria, ferragens e soldagens em todos os quartos dos adolescentes, nos portões, pergolados e demais áreas internas e externas. De acordo com o Ministério Público, ainda foram mencionados problemas sanitários graves de entupimento, problemas elétricos, com fiações expostas e infiltrações em vários locais da unidade, que, inclusive, podem causar choque elétrico nos adolescentes. A Coordenadora do Ciad informou ainda que todos os telefones e Internet do Centro foram cortados por falta de pagamento.

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