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Legalizar o jogo?

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PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO
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Em 30 de abril de 1946, o presidente Eurico Gaspar Dutra, pelo Decreto-Lei 9.215, proibiu o jogo de azar no Brasil. Considerou tal atividade degradante para o ser humano. Alguns destacam, no entanto, a influência que a sua esposa, Carmela Dutra, teria exercido, motivada por convicções religiosas. À época, segundo pesquisadores, existiam cerca de setenta cassinos no país. A proibição causou impacto financeiro nas cidades que viviam especialmente do turismo ligado a esse ramo de negócios, como Petrópolis, Poços de Caldas, Araxá e outras. Um dos atingidos com a medida foi o empresário Joaquim Rolla, dono do Hotel Quitandinha, em Petrópolis. Ele tinha um acordo com Getúlio Vargas, em virtude do qual, o Estado assumiria as indenizações trabalhistas das casas fechadas por conta da proibição. Os governos posteriores não cumpririam o pacto por razões óbvias.

Atualmente, a presidente da República, alguns parlamentares, políticos e setores da sociedade brasileira defendem a liberação dos jogos de azar, partindo dos seguintes pressupostos: a) a alegação aos “bons costumes” aludida, há sessenta anos, não teria mais sentido na atual conjuntura e ordem jurídica brasileira, bem como numa sociedade pluralista; b) os cassinos, bingos etc. gerariam muitos empregos e c) a lavagem de dinheiro ocorre em qualquer atividade econômica, inclusive dentro de empresas e setores públicos. Cabe salientar que tramita no Senado o Projeto de Lei 186/2014, que trata da sua legalização, encontrando-se em apreciação nas comissões.

Esse assunto é tema recorrente na vida social e política de nosso país. Volta e meia aparece, gera polêmica e ganha destaque na imprensa. Por vezes, tem-se a impressão de que é trazido à tona para desviar a atenção de algum problema mais sério ou grave. Desta vez, reveste-se de um motivo a mais: seria uma forma de “resolver” a atual crise econômica do país. Cabe perguntar: se não fora o desmando e o desvio do dinheiro público, o Brasil estaria na situação em que se encontra? Parece tudo muito simplista e revestido de ingenuidade. Autoriza-se a abertura de cassinos e similares, aprovam-se impostos e pronto: a paz e o equilíbrio econômico voltariam a reinar sob os céus de nossa pátria. Será? Devemos analisar com profundidade as causas reais, que levaram ao seu fechamento no passado. Isso não é discutido. Se o jogo fosse algo isento de males, benigno e frutífero, teria sido proibido? Temos a impressão de que liberá-lo é abrir as portas ao imprevisível. Quem ganha com ele? Na verdade, são muitos os que perdem. Não podemos deixar de levar em conta que, além dos inúmeros problemas enfrentados atualmente, correríamos o risco de ter pela frente novos desafios. Segundo dados estatísticos, os empregos gerados com os cassinos, na década de quarenta, não chegavam a trinta mil. A legalização hoje traria, segundo os seus defensores mais otimistas, trezentos mil postos de trabalho, em média, menos de doze mil, por unidade federativa. O que isso representa na economia? As indústrias produtivas trazem muito mais. A falácia e o sofisma do argumento da arrecadação de mais tributos não convencem. Se com todo o controle tributário, há sonegação, imaginemos numa atividade difícil de fiscalização. Se as políticas públicas fizeram com que fossem fechados, de janeiro a setembro deste ano, quase setecentos mil empregos (dados da CAGED), a solução será liberar a jogatina?

A sua autorização não a torna boa ou honesta. Jogar é um vício. “A paixão por ele corre o risco de se transformar em dependência grave”, afirma o Papa Francisco. Os advogados da sua liberação argumentam, quer queiramos ou não, ele continuará sendo praticado de mil maneiras, como ocorre com o “jogo do bicho”. Ora, não se corrige um erro, autorizando-o, mas formando consciências. O ser humano deve ser educado, colocando não suas esperanças na incerteza, na sorte duvidosa ou aventura nos jogos de azar, mas na tranquila segurança do trabalho digno, honesto e produtivo. Há velhas justificativas para a sua liberação. Dentre elas, ele fortaleceria o turismo, argumentam. E o que dizer da ruína de muitos e da destruição de inúmeras famílias? Não podemos esquecer – e este foi o argumento maior usado no passado – que o jogo anda, amiúde, de braços dados com a fraude, a violência, o álcool, as drogas, a prostituição e outras degradações. Mais do que liberá-lo, precisamos de trabalho e justiça, de honestidade e do bom uso do que é arrecadado com os impostos. Mas, legalizar a jogatina parece mais cômodo para o governo. Este não necessita investir nem se preocupar com o ser humano e seus problemas atuais. Por outro lado, quem garante que os impostos advindos da nova atividade não teriam o mesmo destino dos já existentes?

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