quarta-feira, 24 de abril, 2024
25.1 C
Natal
quarta-feira, 24 de abril, 2024

Leitura para não esquecer

- Publicidade -

Carlos de Souza [ [email protected]  ]

Duplamente vítima de governos ditatoriais, Imre Kertész é reconhecido mundialmente “por uma escrita que resguarda a frágil experiência do indivíduo contra a bárbara arbitrariedade da história”, nas palavras do júri que lhe conferiu o Nobel de literatura em 2002, pelo conjunto da obra. Por conta de sua origem judaica, foi deportado para o campo de concentração de Auschwitz quando tinha apenas 14 anos de idade – e da lá para o de Buchenwald, de onde foi libertado pelas tropas soviéticas. Mas isso não significou a liberdade de fato,  pois a Hungria passou a ser governada por uma ditadura de esquerda.

Em História Policial (que nesta edição é acompanhado por posfácio de Luis S. Krausz), mais uma vez o autor expõe ao leitor a barbárie do totalitarismo. Como Sem Destino, talvez seu mais famoso romance, já havia sido censurado, para publicar seu novo livro Kertész ambientou a história em um país fictício e sem nome da distante América Latina dos anos 1970. Uma distância geográfica que Kertész supera ao mostrar a essência de um governo autoritário e a transfiguração que inflige nos indivíduos – sejam eles governantes ou governados. Em ambos os casos, o individuo é engolido por uma lógica destrutiva que gera cada vez mais violência.

Ex-torturador preso pelos crimes cometidos quando atuava nas forças de repressão, o narrador do livro, Antonio R. Martínez, escreve suas memórias e, desta forma, escancara a lógica interna do sistema.

 Do relato emerge a história de Federico e Enrique Salinas, pai e filho, ricos comerciantes locais, presos e torturados pela equipe de Martínez. A narrativa é complementada por uma segunda voz, a do próprio Enrique, por meio de trechos do diário que escreveu e que agora está em poder de Martínez. Enrique é um jovem idealista inconformado com a ditadura que se instalara no país. Apesar da vida abastada e protegida, não consegue ser complacente com o que acontece à sua volta e precisa agir – para o desespero de seu pai.

Martínez era um policial comum até ser transferido para o órgão de repressão à resistência – que sofre com dores de cabeça periódicas que parecem relacionadas às suas dúvidas morais. Depois da morte da velha ideologia, Martínez vive dominado pelo medo, enquanto espera a sua provável execução. Referindo-se o tempo todo à “lógica” dos eventos, que para ele é uma espécie de destino, remete-nos à tese da filósofa Hannah Arendt de que os maiores crimes da história não foram cometidos por monstros, mas por pessoas comuns enredadas numa ordem burocrática.

Imre Kertész nasceu na cidade de Budapeste, em 1929. Descendente de judeus, foi prisioneiro em Auschwitz e Buchenwald. Trabalhou como jornalista e tradutor antes de publicar seu primeiro romance, Sem destino. Também é autor de Kadish por uma criança não nascida, Liquidação e A língua exilada. Em 2002 foi agraciado com o Prêmio Nobel de literatura.

Rastros da Utopia

Nos Rastros da Utopia, de Manoel de Andrade, é a fantástica peregrinação de um poeta brasileiro ao longo de 16 países da América, na década de 1970. Descreve as venturas e desventuras de um caminhante incansável, sua penetrante visão da história, da arte, da literatura, num tempo em que o continente estava incendiado de ideais e suas trincheiras abertas pela saga revolucionária.

A obra é uma longa crônica de um viandante, na qual se celebra e se canta, se questiona e se dá o testemunho de uma América ainda desconhecida por muitos brasileiros. Sua peregrinação solitária, os imensos caminhos percorridos e seu canto itinerante levado a tantos rincões do continente constituem um fato único na história de um poeta.

Catarinense radicado no Paraná, Manoel de Andrade deixou o Brasil em março de 1969, quando os agentes da Ditadura o procuravam pela panfletagem de seus poemas políticos. Percorreu toda a América Latina e chegou até a Califórnia, levando seu canto libertário aos mais variados recantos da cultura. Seus poemas apareceram em jornais, revistas, publicações acadêmicas, cartazes, opúsculos, folhas soltas e panfletos. Promoveu debates, ministrou palestras e conferências e declamou seus versos em universidades, teatros, galerias de arte, festivais de cultura, congresso de poetas, sindicatos, reuniões públicas, privadas e clandestinas e até no interior das minas de estanho da Bolívia.

O livro é um palco onde desfilam cenas dos 500 anos das lutas libertárias do continente, revelando uma América Latina na intimidade cultural de cada país. Nesse longo transcurso conviveu com indígenas, mineiros, estudantes, guerrilheiros e com refugiados de muitas pátrias.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas