quinta-feira, 28 de março, 2024
29.1 C
Natal
quinta-feira, 28 de março, 2024

Leituras & releituras

- Publicidade -

Woden Madruga [[email protected]]

Esta semana, foi quarta-feira, 16, anotei aqui os 52 anos deste Jornal de WM, lançado na velha TN no dia 15 de março de 1964. Falei dos meus vizinhos da segunda página: de um lado, Berilo Wanderley; do outro, Sanderson Negreiros. Ambos, poetas conquistados pelo jornalismo. Havia outro vizinho poeta, escrevendo no rodapé:  Newton Navarro. Poetas e cronistas, dos maiores da terra de Poti mais poética. E eu, imagine, no meio deles. Não cheguei à poesia, mas aprendi outras coisas boas da vida com os três. Ler, por exemplo. Ler e reler. Alguém falou que ler é bom, mas reler é ainda melhor.  Nelson Rodrigues gostava mais de reler: “Deve-se ler pouco e reler muito”. Eu mesmo gosto de reler velhos jornais e velhas revistas. Pegar a revista “Cruzeiro” dos anos 50 e dá de cara com Millôr Fernandes (Vão Gogo) com o seu Pif-Paf, David Nasser e suas reportagens políticas abalando o governo de Getúlio Vargas, José Cândido de Carvalho, o grande escritor, Rachel de Queiroz na última página, era um delicia só.  Sem falar  no Amigo da Onça (criação do cartunista Péricles) que me proporcionava um deleite muito especial.  Calcule   o Amigo da Onça diante disso que está acontecendo em Brasília!

Nesse meu reencontro com a edição da TN que marcava a estreia desta coluna – lá se vão 52 anos -,  e que fui buscar nos arquivos do jornal, tive um grande prazer, emoção mesmo, em reler as colunas de Sanderson e de Berilo, e a crônica de Navarro. O título da coluna de BW era “A vida e os homens”, maior parte dela dedicada ao cinema, roteirando os filmes exibidos nos cinemas locais. Mas havia espaço também para as coisas da literatura e outros tons do cotidiano da aldeia. Com o subtítulo “Ligeirinhas”, Berilo anotou nessa sua coluna sua de 1964, 15 de março:

– A cidade vai ter mais uma livraria, a “BRASILER”, na rua Princesa Isabel, cruzando (quase) com a Ulisses Caldas. É do nosso caro Emanoel Botelho, o Maneco, que demonstrou ser um moço de coragem. Em Natal, hoje em dia, já se lê mais do que antes. Temos uma mocidade que quer ter olhos para ler livros e descobrir o mundo, pois acabou-se o tempo que livreiro aqui era tido como doido. Já existe um natalense pensante, por mais que alguns políticos insistem em provar o contrário.

– As moças da Faculdade de Direito vão mesmo usar farda. A saia será vermelha, a blusa branca com o emblema da Escola. A inovação tem, antes de tudo, sentido econômico. Moça quer sempre botar um vestido diferente cada manhã e a farda não a força a isso. Depois, colegial de farda tem uma aparência leve que faz bem aos olhos da gente, só de vê-las passar.

 – Feliz é Dom Marcolino Dantas que, enquanto todo mundo fala em revolução, vai entoando seus sonetos à Santa Cecília, “grande musicista que tocava e cantava para Deus”.

O comício da Central
Sanderson Negreiros andava pelos 22 anos quando ingressou na Tribuna do Norte.  Já tinha passado pelo Diário de Natal e publicado dois livros. Estudava Direito. A sua coluna “Quadrantes” do dia 15 de março de 1964 abre com um comentário sobre os agitos políticos do Rio de Janeiro, aquilo que duas semanas depois foi o estopim para o golpe militar.  Escreveu assim:

“No comício da Central do Brasil até que enfim Jango se definiu em termos claros e ideológicos. Sentiu-se em suas palavras a perfeita consciência que o Presidente possui das implicações de sua atitude de ontem. Conceituou o que era democracia no sentido comumente empregado pela Direita, qual seja a liberdade de defender privilégios. Falou contra os que querem misturar, em Minas Gerais, o rosário de Nossa Senhora para a reza de Ave-Marias, salvando o latifúndio. Falou na “praça do povo” e que aquela demonstração significava que ninguém se deixasse mais iludir. Falou nos que pregam o ódio (vide Lacerda), criticou as classes produtoras e “os que se fazem surdos e mudos” (…) Presentes os ministros militares. Prova de que Jango está mais forte do que sonha a vã dos seus adversários.”

Mais adiante, com o subtítulo “Nacionais”, Sanderson escreve algumas notas.  Destaco duas:

“1 – Um deputado federal do Estado do Rio quer deixar o PSP e ingressar no PTB. O partido de Ademar de Barros, secção fluminense, já exigiu 140 mil cruzeiros de luva.

2 – Morreu o escritor Jaime Adour da Câmara, norte-riograndense, e que esteve entre nós pela última vez no Festival de Escritores, realizado sob o patrocínio do Governo Aluízio Alves. Nasceu aqui em Natal aos 29 de maio de 1898. Tinha um livro que o celebrizou: “Oropa, França e Bahia”. Estava escrevendo suas memórias. Era um grande espírito”.

Sanderson fecha a coluna com duas “entrevistas de bolso”. A primeira com Sebastião Carvalho, jornalista, radialista, crítico de cinema; a segunda com o poeta, jornalista e ator Celso da Silveira. Ambos passaram pela redação da Tribuna do Norte. Ás folhas tantas, Sanderson pede a Celso para “citar três figuras de sua admiração”. O poeta respondeu: “Cristo, Gandhi e minha mulher Miriam Coeli.”

Helio Galvão 
Volto aos arquivos da TN, procurando a edição do dia 21 de outubro que registra a morte de Helio Galvão, ocorrida no dia anterior. A notícia saiu na segunda página, ao lado do Jornal de WM com o título “Ataque cardíaco mata advogado Helio Galvão”. A matéria reúne impressões de alguns amigos, entre eles Dom Nivaldo Monte, que disse:

“Para nós foi uma perda enorme, a morte de Helio Galvão. Particularmente eu tinha uma amizade muito forte e admirava a grande lealdade que tinha com seus amigos.  Sempre admirei a sua fé em Deus, enfim, ele era um homem da Igreja. A sua fé era profundíssima. ”

Na minha coluna registrei assim a morte do doutor Helio:

“Acho que Sanderson Negreiros sintetizou com profunda sensibilidade e sabedoria quando soube da morte de Helio Galvão: ‘Estão querendo acabar com a inteligência do Rio Grande do Norte’. Ele se referia, também, a morte recente, 48 horas, de Varela Barca. Me dizia isso no telefone, quando me procurou para confirmar a notícia.

Na minha sala da TRIBUNA DO NORTE eu estava perplexo. Acabara de entrar no prédio, coisa de cinco da tarde. Como de hábito, passei pela sala da telefonista e perguntei se alguém telefonara. Entre os nomes anotados estava o de Helio Galvão. Subo as escadas que vão dar ao primeiro andar, e no gabinete de Agnelo, Erivan França me dá a notícia brutal:  Helio Galvão morreu! Como acreditar?

Volto à telefonista. Ela confirma que o doutor Helio me procurara coisa duas, duas e meia. Impossível aceitar essa verdade. Como impossível controlar a emoção que sinto  neste instan te. Mais terrível ainda porque a pergunta me sufoca agora: O que o doutor Helio queria dizer pra mim?”

No rodapé da coluna tem a publicação do convite para a missa se sétimo dia da morte de Carlos Antônio Varela Barca, outro grande brasileiro.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas