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Liberalização da maconha

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Ponto e Contraponto

Com a decisão histórica do Uruguai de legalizar e regulamentar a compra, venda e consumo de maconha no país, e de estados norte-americanos de permitir a venda para fins recreativos, como no Colorado (EUA), o assunto da legalização das drogas volta ao centro do debate também no Brasil. O tema ganha as ruas e a força do antagonismo entre prós e contras também. Nesta edição do Ponto Contraponto, a TRIBUNA DO NORTE convidou o advogado Marcos Guerra, vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RN) e o coronel Francisco Canindé Araújo, comandante da Polícia Militar para opinar. Os dois lados são capazes de enxergar perspectivas  completamente opostas em relação, por exemplo, ao futuro do tráfico de drogas. No Brasil, pela lei 11.343, de 2006, o uso de drogas, entre elas a maconha, é considerado crime, embora não passível de prisão. A lei em vigor determina que o crime de porte de substância entorpecente para uso próprio não impõe mais pena de detenção ou reclusão. Neste  caso, as sanções têm cunho socioeducativo. Já para quem é enquadrado como traficante, a pena é mais dura e varia de 5 a 15 anos. Pelo mundo algumas experiências podem ser destacadas. A Holanda foi o primeiro país a autorizar o uso da maconha, em 1976. Alemanha, Espanha, Itália e Portugal enxergam o uso de drogas como caso de saúde pública e não de polícia. Um cidadão italiano pode ter a prisão revogada caso aceite se submeter a um programa de recuperação controlado pelo Ministério da Saúde.

Portugal descriminalizou o uso de substâncias psicoativas em 2000. Os usuários apanhados são encaminhados para tratamento médico e podem ter de pagar multa.

Inglaterra e Austrália adotaram novas abordagens em 2001. O britânico pego em flagrante não é punido. O governo australiano abriu salas especiais para viciados em heroína, que é injetada sob supervisão médica. Espanha e Alemanha desenvolveram programas semelhantes.

Abaixo íntegra dos dois artigos:

Por que não

Francisco Canindé Araújo
Coronel e Comandante da Polícia Militar do RN

Nesses tempos de restrição ao uso do fumo, de limitação ao consumo do álcool, parece-me incompreensível a campanha pela liberação da utilização da maconha. Os argumentos favoráveis são diversos. Um deles tem relação com a área que atuo e é o seguinte: o Estado não tem condições  de exercer controle efetivo sobre o tráfico e, portanto, sua liberação diminuiria a criminalidade.

É fato que as drogas estão consumindo a saúde e a vida de muitos jovens e de suas famílias, nas capitais do Brasil e nas cidades pequenas do interior. Tenho 49 anos de idade, 30 anos de serviço policial. Durante esse tempo, aprendi que os pés de maconha não nascem nas portas das casas de pais de família ou nos portões das escolas. Também sei que os cigarros não andam com seus próprios pés. Sempre existe alguém que obtém benefício financeiro com a venda da droga. Essa realidade não muda com a legalização.

Se buscarmos exemplos no mundo, podemos verificar o que aconteceu na Holanda, onde o objetivo da descriminalização da maconha era diminuir o consumo de drogas pesadas. Os holandeses acreditavam que a compra aberta tornaria desnecessário recorrer ao traficante. O problema é que Amsterdã atraiu “os turistas da droga” dispostos a consumir de tudo, não apenas a maconha. O criminologista holandês Dirk Korf, da Universidade de Amsterdã, afirma categoricamente que na atualidade a população está descontente com essas medidas liberais, pois elas criaram uma expectativa ingênua de que a legalização manteria os grupos criminosos longe dessas atividades.

Segundo o jornalista Thomaz Favaro, em Zurique, na Suíça, também foi necessário dar marcha à ré na tolerância às drogas. O bairro de Langstrasse, onde as autoridades toleravam o uso aberto de drogas, tornara-se território sob controle do crime organizado. Em Copenhague, na Dinamarca, as autoridades fecharam o cerco ao Christiania, o bairro ocupado por uma comunidade alternativa desde 1971. A venda de maconha era feita em feiras ao ar livre e tolerada pelos moradores e autoridades, até que, em 2003, a polícia passou a reprimir o tráfico de drogas no bairro. Em todas essas cidades, a tolerância em relação às drogas e ao crime organizado perdeu a aura de modernidade.

O crime organizado está atrelado ao tráfico de drogas, que por sua vez tem relação direta com a violência em nosso país. Mas essa óbvia constatação não pode justificar a liberação da maconha. Devemos, ao contrário, fortalecer as polícias no seu combate.
Posso afirmar, com toda a convicção que sou a favor da criminalização das drogas, mas precisamente a favor da criminalização de pessoas que viciam crianças e adolescentes, que destroem famílias e que matam diariamente viciados com os chamados acertos de contas por dívidas de drogas. As drogas não são perigosas por serem proibidas e sim, devem ser proibidas por serem perigosas.
Francisco Canindé Araújo, coronel e Comandante da Polícia Militar do RN
Por que sim

Marcos J C Guerra
Advogado, Professor de Direito dos Estrangeiros na UFRN

Maconha numa empresa estatal? O mercado local manipula hoje 30 a 40 milhões de dólares por ano, num país com pouco mais de 3,5 milhões de pessoas. Num mercado regulamentado a erva poderá ser comprada nas farmácias, bastando registrar-se e comprovar residência. Cabe-nos aplaudir a capacidade de inovar, de assumir a responsabilidade de trilhar novos caminhos. A comunidade internacional não pode mais ignorar o problema. Esta semana, o Colorado liberou a venda da maconha para maiores de 21 anos, após laboriosa regulamentação e conforme decisão de maioria dos eleitores do Estado em novembro de 2012. Temos que encarar um debate sério e democrático sobre o assunto, considerando os múltiplos aspectos em presença. Desde os mais ligados à liberdade individual até os que se referem às políticas públicas de saúde, educação e segurança.

Não se trata de copiar nenhum dos 20 países que liberaram a venda, com diferentes particularidades. Mas o nosso país não pode esconder o problema. Aqui também fracassou a política repressiva preconizada há mais de 100 anos pela ONU e pelos Estados Unidos. Crescem os problemas, muitos perdedores são atraídos para um círculo infernal, quase sempre sem volta. A  quem interessa manter a situação atual e por que o fazemos?

Há uns 15 anos, o Uruguai tenta modificar o entendimento sobre o uso da maconha. No país, onde o consumo e a posse não eram ilegais, a legalização do uso da droga faz parte da agenda dos partidos políticos. Desde 2010, o Parlamento debate como facilitar os canais para o acesso à maconha, como uma das formas de afastar consumidores de cocaína e outras “drogas duras”.  Em 2011, aumentou a criminalidade associada ao narcotráfico.  Nenhuma morte ligada ao consumo e 82 mortes ligadas ao tráfico.  No exercício de sua soberania, o país decide mudar as regras do jogo e paradigmas, abandonar dogmas, identificar e combater as causas, e o narcotráfico. Não quer continuar a fazer “mais do mesmo”, esperando resultados diferentes. 

Uma crise do sistema penitenciário, que penaliza sobretudo os pequenos vendedores e as “mulas”, revela a necessidade de uma análise conjunta das políticas de fiscalização e repressão de drogas, e dos instrumentos de direitos humanos. Atividade que alimenta outros crimes, como a corrupção, o tráfico de armas e de pessoas, a lavagem de dinheiro. Para controlar a oferta e reduzir o consumo, definiram uma estratégia de implantação 2011-2015. Com educação, prevenção e assistência, pretendem atingir o que em 8 anos conseguiram com o tabaco.

No Brasil conhecemos a grave crise do sistema carcerário. Num sistema ineficaz e permeável à corrupção e à violência, gasta-se mais com prisões que com escolas e os presos ligados às drogas representam 25%. Por que continuar a fazer “mais do mesmo”?  Sem mudanças, a ONU indica que o uso das drogas poderá atingir 25% da população mundial em 2050. A questão é complexa, e antiga.  Uma nova reunião da Comissão da ONU deve ocorrer em Viena, em março próximo.  Deve pautar novas atividades que preparem uma decisão histórica da Assembleia Geral das Nações Unidas em 2016.  Qual contribuição efetiva poderia ser elaborada pelo Brasil? Como contribuir para mudar aqui também?
Marcos J C Guerra, advogado e Professor de Direito dos Estrangeiros na UFRN

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