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Literatura entre amigos

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Yuno Silva
repórter

O escritor João Ubaldo Ribeiro (1941-2014) era daqueles que fazem a festa dos amigos. Apesar da voz e da postura características dos homens de antigamente, sempre tinha um causo bem humorado na manga para descontrair o ambiente. Quem afirma isso é Abel Silva, poeta e compositor carioca, um dos amigos mais chegados do escritor baiano que morreu no último dia 18 de julho. Abel abre a programação do Festival Literário da Pipa nesta quinta-feira, às 19h, na Tenda dos Autores, onde conversa sobre o autor de “Sargento Getúlio” e do clássico “Viva o povo brasileiro” com o jornalista Vicente Serejo e a advogada natalense Margarida Seabra, amiga de Ubaldo e madrinha de uma das filhas dele.
Tenda dos Autores, na praia da Pipa, recebe público para debate sobre João Ubaldo Ribeiro, tendo como convidado o poeta Abel Silva
#saibamais#Parceiro de nomes consagrados como Fagner, João Donato, João Bosco, Moraes Moreira, Edu Lobo, João do Vale, Francis Hime, Simone, Roberto Menescal e Sueli Costa, com quem compôs “Jura Secreta” (Só uma palavra me devora / Aquela que meu coração não diz / Só o que me cega é o que me faz infeliz / É o brilho do olhar que eu não sofri), Abel Silva, 69, também assina os sucessos “Quando o amor acontece”, “Festa do Interior”, “Simples carinho” e Desenho de giz”.

Em plena atividade, Silva segue escrevendo e compondo: no momento trabalha no repertório inédito de um novo CD com Roberto Menescal, um dos grandes nomes da Bossa Nova; acaba de encerrar o recheio poético para o livro “O Butim” (de pilhagem), inspirado nos protestos que sacudiram o Brasil no último ano; e finaliza ao lado da esposa, a fotógrafa Lena Trindade, seu primeiro título infanto-juvenil chamada “Os Reis da Camuflagem”. “Comecei a escrever intensamente ‘O Butim’ junto com as manifestações, fui ver de perto como agiam os black blocs – confesso que comecei sem entender muito e terminei sem entender nada. Fiquei imaginando o que eles vão trazer para a vida deles dessa experiência. Vi gente muito jovem invadindo loja de roupa em nome da ‘revolução’(?). Foi estranho aquilo”. Já a segunda obra trata “dessa história de se misturar. Pegamos esse grande mistério da natureza e transformei em versos. O ser humano vive se camuflando, as palavras camuflam”, garante.

Abel Silva concedeu entrevista exclusiva ao VIVER por telefone, falando direto de sua casa na rua Lopes Quintas, Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, mesmo logradouro onde nasceu Vinícius de Moraes. “Quando vim morar aqui nem sabia disso, mas estou bem acompanhado”, diverte-se.

O tema da mesa que você participa no Flipipa é João Ubaldo Ribeiro, um grande amigo seu. Como se conheceram?
No Rio de Janeiro, temos duas salas de visitas: a praia e o bar. E conheci o João como a maioria das pessoas se conhecem por aqui, principalmente os artistas e intelectuais em geral, nos bares. Nos encontrávamos no bar Arataca, no Leblon, um lugar absurdamente simples, desses que tem cadeiras de cervejaria, onde também conheci Tom Jobim, Ronaldo Bôscoli, Tônia Carrero, às vezes Millôr Fernandes também aparecia por lá. Hoje o bar não existe mais, mas era um point. João Ubaldo era dos clientes mais frequentes, bebia no Arataca e quando chegava a “hora do pasto”, como costumava dizer, ia ali bem pertinho, na churrascaria Plataforma, que até hoje funciona.

Você esteve com João Ubaldo cinco dias antes de ele morrer, viram a final da Copa do Mundo juntos. Ele estava bem de saúde, percebeu alguma coisa diferente?
Percebi, sim. Ele estava muito feliz como poucas vezes tinha visto. Não estava reclamando de nada, um mal estar, nada, estava bem. Torcemos juntos pela vitória da Alemanha, e não contra a Argentina [risos], sob o pretexto que um neto dele havia nascido por lá. Usou o neto como desculpa. Era um brincalhão; cansou de me receber cantando “Jura Secreta” com voz empostada dizendo que a letra era minha. Ele tirava onda e eu morria de vergonha, ficava constrangido com aquilo e dizia que era o melhor intérprete de “Jura Secreta” dos bares [risos]. Tinha um grande carinho pelos amigos, tanta generosidade que tenho até vergonha de repetir os adjetivos.

E pelo visto também vivia em um estado permanente de bom humor?
O tempo todo. Era uma pessoa criativa, um improvisador. Tirava incessantemente da cartola assuntos e causos fantásticos. O álcool pode ter feito mal a ele a longo prazo, mas quando estava bebendo era um barato, um barato para todos. Lembro que quando João Ubaldo passou um tempo sem fumar nem beber, uns seis anos por aí, ficou diferente. Quando estava com 69 para 70 anos, voltou a fazer as duas coisas, dizia que a família tinha histórico de gente que vivia bastante, perto dos cem anos. Meio que ligou o foda-se. Deixou muita saudade, quando os amigos falam dele vem aquela tristeza, mas logo vem uma história engraçadíssima para contar. É melhor lembrar dele assim, alegre.

João Ubaldo tem lugar cativo na literatura brasileira…
Com certeza. Mesmo caso de Millôr, Suassuna, Jorge Amado, Cascudo, autores que contavam sobre um Brasil que não existe mais. Essas pessoas são insubstituíveis. João Ubaldo tinha a memória de um Brasil de outros tempos, buscava inspiração na própria família, nas lições que aprendia com Jorge Amado, que ele tinha como mestre, e soube transformar tudo isso em literatura. O mais importante foi acrescentar a essa memória uma cultura moderna, cosmopolita. Ele tinha a voz e a postura de um homem antigo, mas os assuntos e suas ideias eram absolutamente contemporâneas.

E pra fechar: suas composições foram interpretadas por várias vozes. Alguma em especial, que gostaria de ver cantando uma música sua que não está na lista?
Tem sim. Queria muito ver o João Gilberto cantando “Brisa do Mar”, que fiz com João Donato. Ele não gravou, mas o Chico Buarque, sim.

Hoje no Flipipa

Quinta-feira, dia 7
8h30 às 12h e das 13h30 às 21h – caminhão da BiblioSesc (biblioteca itinerante); Espaço Livros (estandes de editoras convidadas Queima Bucha, Sebo Vermelho, Cooperativa Cultural da UFRN e Vitrine Livros Sebrae); Cozinha Brasil com unidade móvel do Sesi; oficina de produção de livretos para estudantes de escolas públicas; contação de histórias com o poeta José Acaci; ação de Incentivo à Leitura, com Salizete Freire e José de Castro; e encenação do espetáculo “Andarilhos do Coração”, com a Cia. Cênica Ventura

Tenda dos Autores
19h – Mesa 1: “João Ubaldo Ribeiro, Mestre da Palavra”, com o poeta, letrista e escritor Abel Silva (RJ), o jornalista Vicente Serejo e a advogada natalense Margarida Seabra, amiga pessoal do autor baiano.

20h30 – Mesa 2: “Toda poesia em Paulo Leminski”, com o músico, compositor e ensaísta José Miguel Wisnik (RJ) e o jornalista Mário Ivo Cavalcanti.

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