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Livro objeto de arte

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Yuno Silva
Repórter

O avanço da tecnologia está jogando tudo quanto é conteúdo para o formato digital, e os processos industriais soterrando a manufatura artesanal. A tendência é virtualizar, acessar tudo a partir da ‘nuvem’ (cota de espaço eletrônico para guardar arquivos), um terreno fértil para o fortalecimento dos chamado livros digitais – ou ebooks. Mas há um movimento contrário em curso: em Natal, a editora Sol Negro optou por encadernar da forma tradicional os livros que produz e a Pinacoteca do Estado abriu espaço para os chamados livros-objetos (de arte), em cartaz na exposição “Palavras Fechadas” de Mozileide Neri.
Tradutor e artesão, Márcio Simões criou para vários autores
O interesse pela encadernação artesanal também viabilizou o projeto “Encadernando o Nordeste”, do paranaense Daniel Barbosa, que trabalha desde 2005 com o que ele chama de encadernação contemporânea no ateliê Caderno Listrado (cadernolistrado.wordpress.com). Daniel passa pela capital potiguar dias 10 e 11 de fevereiro, onde realiza oficina sobre a técnica no Ateliê de Gravura do Deart/UFRN. Restam poucas vagas e o público-alvo, informou o artesão, são designers, ilustradores, arquitetos, fotógrafos e encadernadores, “pessoas que trabalham com papel e estão interessadas em agregar valor personalizado” a uma publicação. Durante o curso ele ensina desde a montagem, costura e colagem dos cadernos até a criação de capas com estampas feitas em serigrafia.

Graduado em Letras, Daniel Barbosa, 32, dava aulas de Literatura para adolescentes em Curitiba quando entrou em contato com esse universo: “Fiz um curso de gravura com um professor que fazia os próprios cadernos. Comecei a fazer para uso próprio, mas comecei a atender encomendas de amigos e, quando dei conta, já estava trabalhando com isso”, disse o curitibano por telefone ao VIVER.

As oficinas do “Encadernando o Nordeste” surgiram como desdobramento de outro projeto, aprovado na lei federal de incentivo à Cultura, que pretende documentar em vídeo o mapeamento de encadernadores em atividade na região. “Fiz muitos contatos pela internet, sondando quem iria procurar quando estivesse em campo com a equipe do documentário, mas quando souberam o projeto ainda dependia da captação de recursos sugeriram as oficinas”, contou.

Daniel contabilizou os custos para 35 dias de viagem e abriu inscrições. “Lancei um chamado na internet, precisava de 70 pessoas no mínimo pra financiar toda a viagem e já estava preparado para investir do bolso, mas fiquei surpreso com a receptividade”, comemora. Os planos do paranaense é fazer o mesmo percurso mais para o final do ano para gravar o documentário.

Ele disse que o projeto itinerante pelo Nordeste acabou rendendo convites para ministrar cursos em outras partes do Brasil e outros países como Argentina, Portugal e Espanha.

Uma questão de autonomia

Poeta e artesão, também revisor e tradutor de textos Márcio Simões, da Sol Negro Edições, disse que começou a fazer as próprias encadernações por  necessidade. “Foi a maneira que encontrei para publicar meus livros. Questão de viabilidade mesmo, de autonomia, de colocar em prática a máxima do ‘faça você mesmo’”. Com tiragem média entre 60 e 100 exemplares, a editora tem mais de 20 títulos no catálogo e apenas um feito em gráfica em três anos de atividade – o primeiro livro foi a antologia Sol Negro, com textos de Simões, Sopa D’Osso, Rodrigo Barbosa e Márcio Magnus.
O paranaense Daniel Barbosa trabalha com encadernação desde 2005 e já criou para vários autores
“Todo o processo é manual, eu mesmo imprimo as páginas e as capas. Sem dúvida há um valor agregado, uma sensação de exclusividade, mas não acho que tenha mais ou menos valor que um livro produzido em gráfica da maneira tradicional”, acredita.

Márcio Simões aprendeu a técnica pela internet com o editor Camilo Prado (Edições Nephelibata), que também tem uma gráfica caseira em Florianópolis (SC). “Comecei comprando livros e disse que também estava com intenção de ter a própria editora. Aprendi com ele a dar um acabamento profissional aos livros, depois, na base da tentativa e erro, fui vendo o que funcionava; como escolher a tinta a ser usada para evitar que manche ou desbote”.

A parceria entre as duas editoras rendeu coedição no livro “Mattinata”, do poeta pernambucano Fernando Monteiro. “Também já editei um livro de autor de Minas Gerais, dois de Jota Medeiros e Nelson Patriota”. No catálogo da Sol Negro também figura o até então inédito no Brasil “O Fruto de Saturno”, do alemão Yvan Goll (1891-1950), traduzido por Márcio e devidamente autorizado pela editora que detém os direitos autorais.

Ainda na esfera internacional, a pequena editora potiguar produziu a primeira edição de “Postais do Peru | Postcards from Peru”, do norte-americano Thomas Rain Croweuin (64), “da segunda geração dos beatniks, um autor contemporâneo que surgiu no cenário na década de 1970”. O contato com Thomas se deu através da revista eletrônica Agulha (jornaldepoesia.jor.br), que Márcio coedita com o cearense Floriano Martins. “Recebemos material de todo o mundo, e surgiu esse contato”, recorda.

Serviço
Sol Negro Edições – solnegroeditora.blogspot.com.br
Oficina de encadernação contemporânea do Ateliê Caderno Listrado (cadernolistrado.wordpress.com). Dias 10 e 11 de fevereiro, no Deart/UFRN – inscrições pelo e-mail: [email protected]
Exposição “Palavras Fechadas”, de Mozileide Neri, em cartaz na Pinacoteca do Estado – Praça Sete de Setembro, Cidade Alta

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