quarta-feira, 24 de abril, 2024
29.1 C
Natal
quarta-feira, 24 de abril, 2024

Mais que um acessório

- Publicidade -

Yuno Silva
repórter

A literatura do Rio Grande do Norte vive em meio a um paradoxo: se por um lado pipocam novas publicações e a profissionalização do setor é iminente, do outro há certa fragilidade acadêmica para dar vazão a toda essa efervescência, e ainda é possível identificar resquícios do complexo de inferioridade que paira sobre autores potiguares. Diante dos desafios e da persistência histórica de alguns questionamentos como a ausência de uma política de mercado capaz de atender necessidades culturais, o momento é de otimismo – sobretudo com a criação de um curso de pós-graduação em Literatura e Cultura Potiguar vinculado ao Departamento de Letras da UFRN.
Estudo da Literatura no meio acadêmico vinha sofrendo uma irregularidade por falta de docentes ligados ao tema. Disciplina está no currículo do curso de Letras da UFRN apenas como complementar
“Estamos planejando, dentro do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-riograndenses, a possibilidade de oferecer essa especialização a partir de 2012 e acredito que ela deverá reforçar o interesse acadêmico pelos autores potiguares”, adianta Humberto Hermenegildo, professor de literatura do curso de Letras da Universidade Federal. “Percebo um crescente interesse de novos pesquisadores nessa área, e nosso objetivo aqui no Núcleo é produzir conhecimento e divulgar esses estudos”, afirma Hermenegildo, ex-coordenador no Núcleo de Estudos e atualmente afastado da sala de aula por estar cursando pós-Doutorado na USP, onde investiga o Modernismo a partir das cartas trocadas entre Cascudo e o escritor pernambucano Joaquim Inojosa.

Vale frisar que o Núcleo Câmara Cascudo de Estudos Norte-riograndense, sediado no Museu Câmara Cascudo, é multidisciplinar e incorpora acadêmicos de outras instituições e áreas como Letras, História e Antropologia – “Todos temos como foco pesquisar aspectos da literatura e da cultura potiguar”, explica o professor Derivaldo dos Santos, atual coordenador do Núcleo e responsável pela ensino da matéria Tópicos da Poesia do RN: História e Crítica, desdobramento da disciplina complementar Literatura do RN no curso de Letras da UFRN.

Contradições

A regularidade da disciplina está comprometida desde a aposentadoria do professor, escritor e jornalista Tarcísio Gurgel, afastado em 2006. “É uma contradição o tema continuar como complementar no currículo”, disse Derivaldo, que este semestre está com uma turma de 15 alunos. “Estamos confiantes com a demanda de pessoas interessadas no curso de especialização, e vamos discutir com o colegiado para estudar a possibilidade da disciplina ser incorporada como obrigatória dentro da grade curricular”, garante. 

Enquanto isso não acontece, Derivaldo, Hermenegildo (que retorna à sala de aula no segundo semestre de 2012) e a professora Edna Rangel planejam oferecer, a partir do próximo ano, o ensino de Literatura do RN todos os semestres em sistema de rodízio.

Tarcísio Gurgel destaca a necessidade da profissionalização do segmento literário no RN“O autor potiguar sofre de autoestima  baixa”

Principal responsável pelo oferecimento sistemático da disciplina Literatura do RN desde meados dos anos oitenta até 2006, Tarcísio Gurgel reconhece que “a literatura do RN padece de um problema muito sério, pois nem sempre o autor norte-riograndense se assume como tal. Ele tem uma certa vergonha de ser autor potiguar e isso acaba refletindo dentro da Universidade”, garante o professor, que hoje exerce a função de assessor especial da reitoria da UFRN.

Gurgel entrou na Universidade Federal como docente do Departamento de Comunicação Social, antes de ser transferido. “Quando passei para o Departamento de Letras, tive meu interesse reforçado na perspectiva de estudar a Literatura do RN e prometi a mim mesmo que faria um trabalho de divulgação da nossa literatura como um todo. Certamente autores como Jorge Fernandes, Auta de Souza, Ferreira Itajubá, Eulício Faris de Lacerda, Henrique Castriciano mereciam ser estudados. A demanda no início era extremamente grande”, lembra.

Na opinião de Tarcísio, alguns fatores precisam ser considerados na aplicação cada vez mais eficaz da disciplina Literatura do RN, que ele acredita ter um amplo território para trabalhar, “sobretudo por que há uma quantidade enorme de gente que está publicando, autores de talento que estão surgindo ou consolidando suas próprias carreiras”, aposta.

Entre os fatores alardeados Gurgel destaca a necessidade da profissionalização do segmento literário. “Até onde sei, há algumas editoras como a da poetisa Marize Castro (Una), Adriano de Souza (Flor do Sal), os Jovens Escribas e Abimael Silva (Sebo Vermelho) com aquela luta meio louca dele, mas percebo o pessoal do Jovens Escribas com uma noção mais clara desse mercado. Chegaram com a experiência adquirida na área de publicidade e sabendo onde queriam chegar”, acredita.

E o professor faz mea culpa: “Nós, outros escritores, ainda estamos um pouco na época dos Albuquerque Maranhão, naquela coisa do lançamento que na verdade era mais um convescote literário”, critica. “Boa parte desse pessoal (que precisa se assumir como autor potiguar) ainda não se deu conta de que aquele velho fascínio pelo eixo Rio-São Paulo passou a ser antiquado. Estamos na era da informática, da internet, da comunicação em tempo real e não importa o lugar onde você trabalha”, garante. “Esse nariz de cera, como se diz no jornalismo, serve para chegarmos a conclusão que há, numa realidade chamada ‘literatura do RN’, a falta de uma valorização, valorização esta que deve começar da parte dos próprios autores”, provoca. “Quantos autores vivos talentosos que aí estão e mereceram ser estudados”, questiona.

Quanto a profissionalização, Tarcísio Gurgel é enfático. “Temos que trabalhar com lei de mercado também na Cultura. Peguemos como exemplo Dorian Gray Caldas: por que ele não pode promover uma grande exposição com dinheiro de uma empresa de crédito para bancar essa produção? Se ele confia no potencial retorno do seu trabalho qual o problema? Por que essas coisas não acontecem? Meu último livro Meu último livro (‘Belle Époque na Esquina’) consegui publicar assim: parcelei a impressão e só no lançamento consegui quitar perto de 70%, com mais duas noites de autógrafos cobri o investimento”, lembrou. “Eduardo Gosson e a UBE-RN tem feito um trabalho interessante nesse sentido de divulgação, mas acho ainda muito tímida a participação do Governo”.

Citado por Tarcísio Gurgel, o escritor Eduardo Gosson, atual presidente da União Brasileira de Escritores-RN, afirma que essa visão paternalista de achar que o Estado pode tudo está acabando. “Os autores estão procurando novos meios de publicar. Claro que não dá para fazer uma grande comemoração, mas esse complexo de inferioridade do autor potiguar está começando a ser superado”, acredita Gosson.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas