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Meus filmes inesquecíveis (I)

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A seleção do pesquisador, poeta, artista plástico, Falves Silva será publicada em duas partes. Falves faz uma reveladora e meticulosa reconstituição de sua vida de espectador, que, ao mesmo tempo, é uma viagem ao passado cinematográfico natalense dos anos 50 e 60. Ele entrou numa tarde no Rio Grande e lá ficou até à noite. Era a primeira vez que via um filme colorido – “O Pirata Sangrento”, com Burt Lancaster.

O prédio do Rio Grande não foi demolido (virou templo religioso), mas o cinema – que o vento levou – sobrevive na memória de Falves Silva, na minha, e de muitos natalenses.

(Valério Andrade).

Nosso primeiro deslumbramento com a Sétima Arte vem dos meados do século passado, mais precisamente do nostálgico e longínquo ano de 1952, na bucólica e provinciana Santa Rita. Foi lá, onde vi pela primeira vez as imagens reproduzidas numa tela, num cinema que funcionava nas proximidades de onde morava. Vi uma série de três filmes: o primeiro com o Gordo e o Magro (Stan-Laurel), o segundo com Hapolong Cassidy, o terceiro foi Romance dos Sete Mares com John Wayne (só descobriria a identidade dos atores e o título, muito tempo depois). A princípio, não compreendia a rapidez com que passavam aquelas primeiras imagens, só no terceiro filme comecei a identificar o mecanismo e o desenrolar da trama. Pudera, tinha apenas nove anos, foi paixão a primeira vista.

O fascínio colorido

O quarto filme que assisti, já em Natal, O Pirata Sangrento (The Crimson Pirate), de R. Siodmak, com Burt Lancaster, Eva Bartok, USA, 1952, foi no cine Rio Grande num domingo, com direito a sessões contínuas, nunca tinha visto um filme colorido. Lembro que entrei no cinema às 14 horas e fiquei até a última sessão, sai extasiado com aquele colorido estampado nos olhos.

Era noite e chovia torrencialmente, cheguei em casa todo molhado. Naquele tempo não tinha linha de ônibus em direção a Petrópolis; além do mais, morava no morro (hoje, Rua Guanabara), minha mãe quase teve um desmaio. Aquela foi a primeira noite que voltara tão tarde para casa, adormeci sonhando com as acrobacias mirabolantes do personagem do filme.

A paixão pela magia do cinema arrebatou-me com tamanha intensidade que depois que vi O Pirata Sangrento, nunca mais deixei de ver três ou quatro filmes por semana ou mais. Junto com o cinema, veio também a paixão pelos quadrinhos: o maior colecionador de gibis do bairro era eu. Vivia nas portas dos cinemas comprando, vendendo e trocando revistas e era desse comércio que eu conseguia o dinheiro das entradas do cinema. Nesse período, assistia todos os tipos de filmes; no São Luís, os seriados das sextas-feiras eram Maravilhoso Mascarado, Falcão Negro, Fu-manchu, seguido dos filmes com Roy Rogers, Rex Allen, Tex Ritter, Gene Autry, Monte Hale, Rod Cameron, Rocky Lane e tantos outros cawboys que povoavam as mentes férteis e ingênuas dos adolescentes daquele tempo. Esses mesmos seriados e filmes que passavam no São Luís eram repetidos no Cine Rex aos domingos pela manhã, porque as tardes eram reservados para as matinês.

Rio Grande – anos 50

No Rio Grande os filmes eram: A Revolta dos Peles-Vermelhas (Batles Apache Pass), de George Sherman com Jeff Chandler – 1952. Ouro da Discórdia (Carson City), de Andre de Toth com Randolph Scott, 1952. Resistência Heróica (Only The Valient), de Gordon Douglas, com Gregory Peck, Barbara Payton – 1952. Salomé, de Willian Dieterle com Rita Hayworth, Charles Laughton – 1953. Nenhuma Mulher Vale Tanto (The Iron Mistress) de Gordon Douglas, com Alan Ladd, Virginia Mayo – 1952. O Maior Espetáculo da Terra (The Greatest Show on Earth), de Cecil B. de Mille – com Cornel Wilde, Betty Huton – 1952. Sansão e Dalila (Sanson and Dalilah), de Cecil B. de Mille – com Hedy Lamarr – 1949, todos filmes americanos série “b”. cito esses filmes para relembrar o clima de aventuras que permeava nas salas de cinema dos anos 50. Se fosse enumerar a quantidade de fitas que vi entre 1953 e 1960, a lista se alongaria por páginas e mais páginas.

Quem estava atrás da câmara

Limitava-me a conhecer os títulos e nomes dos atores, pelos quais me orientava, e aqui lembro o primeiro filme que me chamou a atenção para a ficha técnica, que foi Johnny Guitar de Nicholas Ray, com Joan Crawford, Sterling Hayden – 1954. A partir da ficha técnica, comecei a identificar direção, roteiro, fotografia, música, coadjuvante, enfim, todo aquele letreiro que passa(va) antes de começar cada filme – já aqui, estamos no início dos anos 60.

Revisão crítica/ Luzes da cidade

Bené Chaves – Crítico de cinema e escritor

Ao contrario de ‘Tempos Modernos’(1936), que focaliza problemas sociais e o esmagamento do ser humano pela máquina, ‘Luzes da Cidade’(1931) tem, como temática, o lado sentimental da vida, suas vicissitudes e agruras. O tipo vagabundo de Carlitos com seus (tre) jeitos e gags admiráveis, está como nunca retratado neste filme da obra do genial Charlie Chaplin. Ninguém conseguiu se igualar no que o personagem tem de mais sublime, de um pouco crítico também, satirizando situações que o tornaram um artista exemplar. E o que é mais importante: sua maneira simples e engraçada de contar ou denunciar ou revelar.

Chaplin cria e recria, faz irreverências, ajuda o próximo, se apaixona, luta e enaltece o lado humano da vida. O amor que ele (Carlitos) sente pela florista cega é um amor de nômade, meigo, singelo, pobre, mas uma paixão verdadeira. E o filme mostra a história desse maltrapilho que se encanta pela bela moça. É a vida exibida de uma forma lírica, exaltada pela necessidade de uma existência melhor, o ponto de vista (afetuoso) dos acontecimentos.

O diretor de ‘Em Busca do Ouro’(1925) sempre teve consciência disso, de um valor intrínseco e também extrínseco. E, portanto, a fita, em questão, apesar de realizada há quase 80 anos atrás, continua atualizada. Então, sua maior virtude: o personagem é eterno e ainda vive em torno de todos nós. De vez em quando é necessário rever os filmes de Charlie Chaplin.

‘Luzes da Cidade’ tem o grande mérito dos opostos: fazer rir e também emocionar. Não causar emoção de uma maneira piegas, sentimentalóide, mas no sentido da própria vida, que tem suas tristezas e alegrias. Tristeza do vagabundo em ver sua amada cega e alegria em revê-la totalmente recuperada. É a chamada mesclagem de lados antagônicos.

Talvez os mais radicais achem o filme de sentimentos exagerados. Acho que não o é. Quem não gostaria de ter uma paixão terna, ingênua? Afinal, a vida também se resume neste infindável relacionamento entre o homem e a mulher. E o reencontro final(e afinal) de Carlitos com a florista recuperada da visão e a imagem ambígua de um rosto em close, tornaram-se duas das passagens mais belas que vi na cinematografia mundial. É o que ‘Luzes da Cidade’ deixa transparecer, sem, contudo, obviamente, cair no lugar comum, pois Chaplin diverte e comove ao mesmo tempo. Com maestria.

O autor de ‘O Grande Ditador’(1940) mostra uma mistura de acontecimentos, joga com ironia para escarnecer inaugurações, detratar afortunados (e o ricaço em questão somente reconhece o errante quando está bêbado, bonachão, fora de si, numa atitude dúbia da personalidade dos poderosos), enfim, provocar inquietações várias. É o Chaplin indivíduo, homem simples, na forma do Carlitos vagabundo, sujeito pobre. Talvez o personagem superando o criador (mesmo sendo ele próprio), nas suas pantomimas e manifestações do cotidiano.

E em vista disso tudo ‘Luzes da Cidade’ é uma obra-prima, de um lirismo que pode beirar ou ir além das raias da normalidade, mas é, acima de tudo, um belo e impressionável exemplo do amor fraterno, solidário.

Dvd/crítica/ Filhos do paraíso

Francisco Sobreira – Critico de Cinema e escritor

Já em suas imagens iniciais, “Filhos do Paraíso” anuncia o móvel que norteará a sua história: um sapateiro consertando o par de um sapato feminino, a ele levado pelo garoto Ali (Amir Farrokh Ashemiar), pertencente à sua irmã Zahra (Bahare Saddigi). O extravio do sapato, que é recolhido pelo lixeiro na loja em que Ali está para comprar batatas, irá acarretar um grande problema para as duas crianças. Para Zahra, porque, sem o sapato, não poderá frequentar a escola, e , para Ali, responsável involuntário pela perda do objeto, porque teme que a irmã cumpra a ameaça de contar ao pai o sucedido. E a partir daí, os dois irão passar por situações impróprias para a sua idade, vivenciando-as como se já fossem adultos.

Esse precoce rito de passagem da infância para a idade adulta é a principal qualidade desse filme iraniano dirigido e escrito por Majid Majidi. Há o constrangimento inicial de Zahra de usar o tênis do irmão entre suas colegas que usam sapatos próprios do seu sexo, até ela ver que umas poucas também calçam o mesmo sapato e ainda receber o elogio da professora. O problema maior é para Ali, que tem que esperar a volta da irmã da escola, para com ele ir para a escola. Quando Zahra demora, ele chega atrasado para as aulas e é admoestado pelo diretor. Na terceira vez, o diretor não o deixa entrar e é preciso a intervenção de um professor para que ele não volte para casa.

Esse “amadurecimento” dessas duas crianças as tornam pessoas tristes, que não brincam, principalmente o garoto. Há uma brincadeira entre elas quando lavam o tênis, divertindo-se com a formação de bolas de água, que, sopradas, se espalham no ar, proporcionando um momento bonito até mesmo plasticamente.

A água, aliás, tem uma presença destacada no filme, exercendo provavelmente uma função simbólica. Ela está no final – um final bem elaborado, com os pés feridos de Ali pela corrida organizada pela escola, da qual ele sai vencedor (um vencedor, paradoxalmente, frustrado porque ele almejava o terceiro lugar, cujo prêmio era um tênis, que iria presentear a irmã) mergulhados na água e tocados pelos peixinhos.

A correria de Ali (sobretudo) e de Zahra, para que o primeiro possa chegar a tempo à escola, é também um elemento simbólico, culminado pela apresentação da corrida. É o esforço físico despendido para superar as suas condições de vida, tanto mais difíceis em países, como o Irã, onde os ricos são mais ricos e os pobres ainda mais pobres (o pai deles sobrevivendo de eventuais serviços, devendo à mercearia e ao proprietário da modestíssima casa). Por sinal, há uma sequencia em que é mostrada essa desigualdade social e econômica, quando Ali e o pai vão de bicicleta à parte de Teerã onde vivem os muito bem sucedidos na vida, à cata de um serviço de jardinagem.

“Filhos do Paraíso” é um filme que emociona, comove, mas que consegue muito bem driblar o sentimentalismo e a pieguice. Afirma a posição do cinema iraniano entre os melhores cinemas do mundo atual, apesar das dificuldades por que passam os seus cineastas para levar adiante os seus projetos. Dificuldades não apenas financeiras, mas também (e certamente a mais grave) motivadas por uma censura vigilante e forte. Mas eles (os diretores) vão em frente, como esse Majid Majidi, que fez um belíssimo filme, com qualidades que incluem a de extrair um grande desempenho do casal infantil. E como se sabe, não é tarefa fácil dirigir criança. (Critica postada no blog: Luzes da Cidade  em 01 de agosto de 2010).

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