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Modelo de trânsito da cidade é questionado

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Roberto Lucena – Repórter

É impossível escapar dele. Indo ao trabalho, escola ou retornando para casa, o natalense enfrenta, diariamente,  nas ruas e avenidas da cidade, um trânsito que desafia a paciência de todos. Seja de carro, moto ou ônibus, a tarefa de ir e vir torna-se, dependendo do horário, uma atividade estressante. Investir no transporte público coletivo é apontado pelos especialistas como uma das soluções para o problema dos engarrafamentos. No entanto, até então, poucas ações foram feitas nesse sentido.
Na avenida Salgado Filho uma solução simples poderia evitar engarrafamentos: retirar semáforo
A secretaria municipal de Mobilidade Urbana (Semob) quer implantar, nos próximos dias, uma faixa semi-exclusiva para ônibus na Salgado Filho. A ação visa melhorar o fluxo de veículos na avenida. Para o doutor em engenharia de transporte, Enilson Santos, outras medidas de baixo custo podem ser adotadas com o objetivo de desafogar o trânsito. Porém, as obras de intervenção são necessárias para resolver a questão a longo prazo. “Não é apenas uma ação que vai modificar o que temos hoje. É preciso várias decisões e obras viárias”, disse.

Segundo o engenheiro, antes de qualquer ação, a Semob precisa coletar dados sobre o trânsito. Enilson acredita que há poucas informações disponíveis. “O grande problema do trânsito de Natal é que nós não temos informações sobre ele”, alegou. O titular da Semob, Márcio Sá, afirmou que algumas ações pontuais foram e estão sendo realizadas. “Colocamos rotatórias, fechamos alguns retornos, sinalizamos algumas vias. São ações pontuais capazes de gerar grandes benefícios”, disse.

Enilson Santos acredita na possibilidade de novas ações pontuais. Uma delas, seria a continuidade do projeto “Via Livre” em algumas avenidas da cidade. Outra forma de desafogar o trânsito, seria o estudo do tempo dos semáforos da cidade. “O Via Livre é muito bom. Todo mundo reclamava por causa do estacionamento, mas nunca vi ninguém morrendo por falta de vaga para estacionar”, disse.

Márcio Sá informou que o projeto não foi encerrado, no entanto, admite que houve uma redução na fiscalização. “É um processo natural. Começamos a fiscalizar e todo mundo obedece. A fiscalização relaxa. Por um tempo, todo mundo continua respeitando, mas quando percebem que não há mais fiscalização, voltam a estacionar em local e horário proibidos”, contou. O secretário disse ainda que os flanelinhas que trabalham nas avenidas, especialmente a Afonso Pena, colaboram para o projeto falhar. “Eles quebram as placas de sinalização e informam aos motoristas que é possível estacionar sem ser multado. Infelizmente ocorre isso”.

Com relação à faixa semi-exclusiva para os ônibus na Salgado Filho, Márcio afirmou que a ideia é deixar a faixa da direita (sentido Centro) livre para ônibus. Os carros e motos podem circular no local desde que seja para fazer conversão à direita.

As obras de mobilidade urbana, previstas para a Copa do Mundo 2014, são apontadas como a tábua de salvação para o trânsito de Natal. Porém, o jurista e urbanista Edésio Fernandes, que está na cidade para participar de eventos relacionados ao tema, discorda da tese. “É impressionante ver a pobreza do transporte público em Natal. Esse modelo que querem implantar em Natal me parece que é mais uma oportunidade de investir em um modelo de urbanização insustentável. Essa era uma oportunidade de mudar esse padrão. Investir em transporte público”, disse.

Outra ideia defendida pela Semob, mas que até agora não foi posta em prática, é a transformação do quadrilátero formado pelas avenidas  Bernardo Vieira, Jaguarari, Rui Barbosa e Miguel Castro em vias binárias. O projeto foi apresentado pela secretaria à prefeita Micarla de Sousa, bem como ao Comitê Gestor da Copa do Mundo de 2014, em setembro passado. Proposta está em estudo.

Trânsito de Natal

Possíveis soluções para desafogar as ruas da cidade que mais registram engarrafamentos

– Estudar a possibilidade de retirar o semáforo localizado em frente ao hospital Walfredo Gurgel;

– Fiscalização nos cruzamentos onde existe “yellow box” até que o motorista natalense deixe de lado o hábito de “trancar” os cruzamentos;

– Melhorar a sinalização nas avenidas São José, Romualdo Galvão e Jaguarari para desafogar o trânsito na Prudente de Morais e Hermes da Fonseca;

– Implantar o projeto Via Livre em outras avenidas. Nos locais onde ele já existe, reforçar a fiscalização;

– Criação de faixas exclusivas para ônibus;

– Criação de vias binárias em algumas avenidas. Esta ação estaria condicionado a estudos de impacto no comércio das avenidas;   

– Divulgar, diariamente, o tempo de viagem no deslocamento até o Centro da cidade nas principais avenidas para que o motorista tenha noção de qual caminho deve ser escolhido.

Bate papo

Edésio fernandes, jurista e urbanista

“Tem que se discutir a quem serve essa política”

O que significa o “Direito à Cidade”?

Essa
é uma maneira nova de pensar o processo fundamental de crescimento
urbano a partir do interesse de todos os grupos envolvidos. Encontrando o
equilíbrio entre os interesses individuais, sociais, ambientais e
culturais. O Direito à cidade é entender que a cidade é uma criação
coletiva e que as vantagens, oportunidades e benefícios da vida na
cidade têm que ser distribuídos de forma mais justa. O padrão de
urbanização que tem caracterizado as cidades brasileiras é excludente.
São cidades fragmentadas, poluídas e caríssimas do ponto de vista da
administração. Uma parcela enorme da população brasileira não tem acesso
aos serviços, equipamentos e vantagens da cidade.  Há uma crise
generalizada de moradia, há um processo de especulação imobiliária
gerando vazios urbanos.

Como Natal se inclui nesse processo?

Natal
tem uma característica muito marcante que é uma inserção muito clara no
processo de globalização dos mercados imobiliários. Vocês passaram por
um processo sistemático de investimento fundo de participação norueguês,
espanhol, portugueses ao longo da costa toda fomentando uma atividade
imobiliária cada vez mais periférica. Criou-se aí um estoque imobiliário
que tem uma expressão no sentido desse padrão de cidade sem transporte
público adequado, com deslocamentos maiores e com muita exclusão da
população que não tem oportunidades.

Esse
tema está em debate por causa das obras da Copa. Em Natal, teremos
muitas desapropriações – 449, de acordo com a Prefeitura – para dar
lugar às obras de mobilidade urbana. Como os proprietários podem se
defender desse processo?

Falta discussão importante sobre o
impacto desse tipo de intervenção nas cidades. O caso de Natal, se
comparado com outras cidades, é até pequeno. No Rio de Janeiro
comunidades inteiras serão desalojadas. O que tem que se discutir é: a
quem serve essa política? Usam a popularidade do futebol e o argumento
de urgência para desrespeitar uma série de princípios da ordem jurídica
brasileira.

Foi assim em outros países?

Não. Em outros locais, as intervenções foram pactuadas e discutidas com a população. Nada foi imposto.

Qual análise o senhor faz do fato de desapropriar imóveis para construir ou alargar ruas, viadutos?

Peguemos
como exemplo a cidade de Londres, onde vai acontecer as Olimpíadas esse
ano. Lá, houve uma intervenção e investimento de infraestrutura, porém,
do ponto de vista de mobilidade coletiva, transporte público. É
impressionante ver a pobreza do transporte público em Natal. É uma das
capitais mais pobres nesse sentido. Esse modelo que querem implantar em
Natal me parece que é mais uma oportunidade de investir em um modelo de
urbanização insustentável. Modelo baseado no deslocamento por automóvel
com alto custo financeiro e ambiental. Essa era uma oportunidade de
mudar esse padrão. Investir em transporte público. Em Joanesburgo, uma
das exigências foi criar uma linha de trem que levasse ao estádio e hoje
é usada pela população. Em Natal isso não ocorre. Priorizam o automóvel
apenas. Aqui, confirmam a privatização de espaço e meio de transporte.
Nesse sentido, o interesse público não se justifica.

Há como modificar o quadro?

É
preciso analisar o Plano Diretor. A Copa do Mundo não pode ser um
pretexto para ignorar o Plano. A Copa é uma oportunidade de modificar
para melhor.

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