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Myanmar: terra dos pagodes dourados, povo gentil e ferrenha ditadura

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Dois no Mundo – Karla Larissa – Especial para a Tribuna do Norte

Myanmar não estava em nossos planos iniciais. Tínhamos notícias de que viajar pelo país era difícil, inseguro, que não havia caixas eletrônicos para saque com cartões estrangeiros (ATMs) e que boa parte da internet era bloqueada. Mas depois de conversar com um amigo que havia visitado o país há alguns meses, decidimos arriscar.
O casal potiguar, Karla Larissa e Fred Santos, no Pagode Shwe Dagon
Demos entrada no visto em Bangkok, capital da Tailândia, e para consegui-lo tive que omitir minha condição de jornalista. A antiga Birmânia vive há mais de 50 anos sob comando do regime militar. E jornalistas definitivamente não são bem vindos em ditaduras, assim como advogados e ativistas sociais.

 Informei que era estudante de língua portuguesa e no dia seguinte recebemos o visto. Dois dias depois, pegamos o voo para Yangon, a antiga capital do país. E até receber o carimbo da imigração estava com o coração apertado, pois mesmo com o visto em mãos, poderia ter sido barrada.   Mas ainda bem que não fui e pudemos viver os oito dias mais intensos de nossa Volta ao Mundo até agora.

O povo mais gentil

Em Myanmar encontramos uma Ásia mais genuína com menos influências ocidentais. Homens e mulheres usam longyi, roupa tradicional, que explicando bem rudemente, seria um tipo de canga. Calça jeans é coisa rara de se ver. Mulheres e crianças também andam nas ruas com o rosto pintado de tanaka, uma pasta branca a base de sândalo, usada para proteger do sol.

Os birmaneses são profundamente religiosos e têm sua cultura baseada no budismo. Em todo o país, há muitos, muitos monges, que são extremamente respeitados.

Por diversas vezes, presenciamos a Ronda da Manhã ou Ronda das Almas, quando os monges e monjas, a partir dos 7 anos, saem às ruas silenciosamente, de cabeças raspadas e descalços, para receber doações, alimentos que irão consumir durante o dia. Uma lição diária de humildade e de generosidade. Impossível não se emocionar.

Aliás, com o povo de Myanmar aprendemos muito. Gente muito simples que nos mostrou que pobreza não é sinônimo de violência. Lá nos sentimos seguros e em paz. Os birmaneses são o povo mais gentil e hospitaleiro que já conhecemos. E são sem dúvida o que há de melhor no país.

Assim como Myanmar se chamava Birmânia até 1989. Rangoon tornou-se Yangon. Capital do país até 2006, continua sendo a principal porta de entrada do país.

Impressões

As primeiras impressões são as melhores possíveis. Yangon tem um aeroporto moderno e, agora, há sim ATMs por toda parte, mesmo com muito deles em manutenção. Na entrada da cidade, os outdoors anunciavam a chegada dos cartões de crédito e o retorno da Coca-Cola, que há seis décadas não era vendida no país.

Mas logo percebe-se que Yangon é feita de contrastes. E que a transição entre o antigo e o moderno é um longo caminho que está apenas começando e a passos curtos.

A cidade de dezenas de pagodes dourados, belos parques, luxuosos hotéis e campos de golfe é também das ruas enlameadas, da falta de iluminação pública (em Myanmar há cortes de energia praticamente todo dia) e, claro, como em todo o país, há muita pobreza.

Chegamos no período das famosas monções asiáticas e nos três dias que estivemos na cidade, a chuva não dava trégua.  Mas, mesmo debaixo de muita água, fomos às ruas.

Um jeito interessante de conhecer Yangon é pegar o trem circular. Não é nenhum passeio turístico, mas o próprio trem utilizado pelos moradores e que passa por toda a cidade, do centro e periferia à área rural. Pagamos 1 dólar cada e passamos 3 horas dentro do vagão com olhar fixo na paisagem e em tudo que acontecia do lado de fora.

Templos

Também não há como ir a Yangon e não conhecer seus famosos pagodes. Mas são tantos que foi preciso escolher quais visitar. O mais impressionante deles é sem dúvida o Shwe Dagon. Acredita-se que o templo tenha sido construído há 2.500 anos e lá estariam guardadas as relíquias de quatro Budas, inclusive, oito fios de cabelos que teriam sido doados pelo próprio Buda Siddhartha Gautama. O Shwe Dagon foi construído no alto de uma colina. Sua stupa principal atinge 98 metros de altura e é coberto com milhares de placas de ouro. Em volta da stupa estão 64 pequenos pagodes.

Em toda Ásia já visitamos muitos templos, mas o Shwe Dagon me tirou o fôlego. E como em Myanmar ainda são poucos os turistas, o pagode é frequentado principalmente por fiéis. Assim, conseguimos visitar o templo com calma, fazer orações e observar de perto monges meditando e o jeito peculiar que os budistas têm de orar.

Bagan

De Yangon fomos para Bagan em um ônibus noturno. A cidade foi capital de vários reinados birmaneses e em seu auge existiram ali mais de 5 mil pagodes, a maior parte construída entre os séculos 6 e 7. Depois de muitas invasões, saques, abandono e até sismos, hoje restam as ruínas de mais de 2 mil templos distribuídos em uma área de 41km².

Dos mais altos, podemos ver que são templos a perder de vista. Simplesmente incrível. Por diversas vezes, a UNESCO tentou transformar Bagan em Patrimônio da Humanidade, mas a junta militar de Myanmar restaurou os templos como bem quis, sem respeitar o estilo arquitetônico e os materiais utilizados na época das construções.

Bagan fica em uma região árida de Myanmar e em muito me lembrou o sertão brasileiro. E tão especial quanto a paisagem são as pessoas do lugar. Entre um templo e outro estávamos sempre conversando com os locais, adultos e crianças, todos com um sorriso no rosto, mesmo aparentando levar uma vida difícil. As crianças começam a trabalhar desde cedo, vendendo postais e souvenirs, para ajudar no sustento de casa.

Inle Lake

De Bagan, voltamos a pegar a estrada rumo a Nyaung-Shwe, uma das cidades ao redor do Inle Lake, no Leste de Myanmar. O lago de 100 km de extensão fica em meio as montanhas, a quase 900 m acima do nível do mar. 
Autêntico mercado asiático às margens do Inle Lake, grande lago de 100 quilômetros de extensão
Ao longo do Lago Inle há centenas de vilarejos flutuantes, com casas construídas com bambu tecido, palha e madeira, erguidas sobre palafitas. Percorremos o Inle em um pequeno barco, com capacidade para quatro pessoas. E o que chama mesmo atenção no lago são os pescadores. No Inle Lake há 9 espécies de peixes que são encontradas apenas lá. O lago é relativamente raso, com profundidade média de 2 m, mas a água é coberta por juncos e plantas flutuantes. Para facilitar a visualização dos peixes, os pescadores têm estilo único, equilibrando uma perna na popa do barco e a outra ao redor do remo. Parece um balé.

Em uma das pequenas cidades em volta do rio, conhecemos um autêntico mercado asiático. Com um vai e vem frenético de barcos que se abastecem de frutas e verduras a serem comercializadas nas grandes cidades.

Esperança

O povo de Myanmar sonha e acredita em dias de democracia. E deposita toda a esperança em uma mulher: Aung San Suu Kyi. Prêmio Nobel da Paz, Suu Kyi é filha de Aung San, um herói nacional. Ela já foi eleita pelo povo em 1990 para ser primeira ministra do país. Mas não chegou a ocupar o cargo, tendo sido presa pela ditadura militar. Suu Kyi passou quase 15 anos em prisão domiciliar e negou exílio por diversas vezes. Está em liberdade desde 2010, após muita pressão internacional.

Vimos seu retrato pendurado em vários estabelecimentos e casas. Em uma das vezes que perguntei sobre quem era na foto, recebi como resposta: ela governará nosso país em 2015!

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