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“Não estávamos preparados para a renúncia de Bento”

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Roberto Lucena – repórter

Uma estante repleta de livros com títulos em italiano, latim e português recepcionam os visitantes. Sob o móvel branco que ocupa toda a parede da sala, também repousam porta-retratos com fotografias que revelam anos dedicados ao serviço cristão. Três delas são especiais. Enfileirados em uma mesma divisória, estão os registros dos encontros com os papas João Paulo II, Bento XVI e Francisco. Cumprimento os Santos Padres com gesto de obediência e servidão, está um norte-rio-grandense que, há nove anos, dedica a vida aos cuidados litúrgicos na sede maior da fé católica, a Basílica de São Pedro, no Vaticano.
Em férias em Natal, padre Flávio Medeiros recebeu a TRIBUNA DO NORTE em sua casa, no bairro de Candelária. Tímido e reservado, prefere não responder algumas perguntas de cunho pessoal e faz questão de ressaltar a importância de seu trabalho no templo que recebe, diariamente, uma média de 40 mil peregrinos de todo o mundo. Na Basílica que guarda os restos mortais de personagens fundamentais da fé católica – o próprio apóstolo Pedro e o papa João Paulo II – padre Flávio é um dos dois cerimoniários do templo.

“O nosso trabalho tem por finalidade ajudar na promoção do decoro e do ordenamento litúrgico da Basílica Vaticana, que, por sua mesma natureza, tem uma especial vocação de exemplaridade na beleza das suas celebrações, em obediência às diretrizes do Concílio Vaticano II”, diz.

Além das fotos dos papas, a sala reserva um lugar especial para uma fotografia maior de Dom Eugênio de Araújo Sales. “Para mim, Dom Eugênio é um modelo de sacerdócio. Tenho muita admiração por ele”, comenta. Nesta entrevista, ele conta como é o cotidiano no coração da Igreja Católica. “Nunca imaginei que pudesse ser designado para esse trabalho tão especial”, comenta.

Qual sua função no Vaticano?
Há nove anos, exerço o ministério sacerdotal na Basílica de São  Pedro, na qualidade de assistente litúrgico das cerimônias próprias do máximo templo do catolicismo. Esta tarefa está inserida no contexto celebrativo do Vicariato da Cidade do Vaticano que, como qualquer outra igreja, possui sua vida litúrgica ativa segundo o calendário da Igreja, quer dizer, os tempos fortes, o tempo comum, as festas e as suas milenares tradições religiosas, além da dispensação dos sacramentos e também do acolhimento dos peregrinos que chegam de todas as partes do mundo para renovarem a fé junto ao túmulo do Príncipe dos Apóstolos.

São aproximadamente 40 mil peregrinos por dia. Como é a recepção deles?
São celebradas, diariamente, entre 70 e 100 missas nas mais diversas línguas. Algumas têm caráter solene, caracterizadas pela conhecida cerimonialidade Vaticana, o canto gregoriano e polifônico, a índole internacional de tais ritos. O nosso trabalho tem por finalidade ajudar na promoção do decoro e do ordenamento litúrgico da Basílica Vaticana, que, por sua mesma natureza, tem uma especial vocação de exemplaridade na beleza das suas celebrações, em obediência às diretrizes do Concílio Vaticano II.

Qual a importância da Basílica de São Pedro para os católicos?
Nossa Basílica é espiritualmente e fisicamente o coração da Igreja, imagem que muito bem define a sua origem e a sua atualidade perene. Ali, São Pedro sofreu o martírio, no ano 64, sob a tirania do imperador Nero. Foi o Papa Júlio II (1503-1513) que deu o maior impulso para a edificação da atual e definitiva Basílica, convocando os maiores expertos de arquitetura do Renascimento europeu, como Sangallo, Bramente, Giacomo della Porta, Bernini, Raffaello e, sobretudo, Michelangelo. Quando se entra na nave central, o fiel entende que essa imensa Basílica foi construída para guardar duas heranças preciosas: o túmulo de São  Pedro e a sua Cátedra, lugar de onde Pedro e cada um dos seus sucessores até o atual papa Francisco continuam a ensinar e conservar na unidade todo esse Corpo místico, com as mesmas prerrogativas e a mesma e inalterada missão.

O senhor teve o privilégio de conhecer e trabalhar diretamente com três papas: João Paulo II, Bento XVI e Francisco. Como analisa a diferença entre eles? O papa Francisco é o mais simpático do trio?
É conhecido por todos o carisma do Santo Padre, sua bondade, sua espontaneidade, seu despojamento. As diferenças acidentais com relação aos seus predecessores não tocam nem mesmo minimamente na essência da missão apostólica e, por isso, é concretamente justo considerar que o Santo Padre encontra-se firmemente arraigado na linha de continuidade plena com seus predecessores na condução da Igreja de Roma que preside a toda a universalidade das igrejas particulares espalhadas pelo mundo , edificando na caridade, confessando a fé, caminhando junto ao povo de Deus.

Onde podemos observar essa continuidade?
A maior prova foi a canonização de São João Paulo II e São João XXIII, seus predecessores, em abril, e a beatificação do Servo de Deus o Papa Paulo VI Montini, em outubro próximo, além da máxima consideração que ele devota ao Papa emérito Bento XVI, considerando-o “uma Bênção para a Igreja”, “um sábio conselheiro” para o seu próprio ministério.

O senhor presenciou momentos importantes da história recente do catolicismo: a renúncia de Bento XVI e o anúncio de um papa argentino. Como foram esses momentos?
A renúncia de Bento foi um choque. Não estávamos preparados. Achava que era um engano dos jornalistas. O anúncio do papa Francisco também foi uma grande surpresa. Ele não estava cotado. Mas nada se compara ao choque que causou o anúncio da renúncia de Bento.

O senhor mora no próprio Vaticano, não é isso?
Isso, sou vizinho do papa Francisco (risos).

Como se sente trabalhando no Vaticano, residindo perto do Papa?
Como padre, sou muito feliz com a tarefa que a Igreja me confiou, prestar serviço à Sé Apostólica, em Roma.

Pretende ficar por lá por mais quanto tempo?
Espero simplesmente corresponder com fidelidade à confiança depositada pelos meus superiores e fazer o bem às pessoas que encontrar pelo meu caminho. Aliás, são muitos os brasileiros que encontro, inclusive norte-rio-grandenses.

E como é a reação daqueles que o senhor encontra?
É sempre uma alegria recebê-los em São Pedro. Reconheço os brasileiros quando se aproximam e, pelo sotaque, já percebo quando se trata de algum conterrâneo. (risos)

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