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“Não sabemos se o preço vai remunerar o investimento”

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Andrielle Mendes – repórter

Uma caixinha de surpresas. Foi assim que Élbia Melo, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) definiu o leilão de energia A-5 2012, realizado na última sexta-feira pelo governo federal.  Élbia só não esperava que as surpresas fossem tão negativas. A ABEEólica já sabia que não seriam aprovados, nem de longe, 2 Gigawatts (GW) de eólica, mas esperava um número próximo deste. A surpresa veio quando a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) divulgou o resultado: o país que colocou mais de 14 GW de energia elétrica, de todas as fontes, no leilão, não contratou nem 600 megawatts (MW). Ao resultado ruim do país, somou-se o resultado ruim do Rio Grande do Norte, que inscreveu 84 projetos de parques eólicos no leilão, mas não conseguiu emplacar nenhum. Para a ABEEólica, um leilão para ser esquecido. Para o RN, uma marca para ser lembrada e corrigida.  “Esperávamos um número baixo de contratações, mas não tão baixo quanto esse”, afirmou Élbia, após saber o resultado do leilão. A presidente da ABEEólica conversou com a TRIBUNA DO NORTE antes e depois do leilão. A queda nos preços de venda da energia, segundo ela, também é um ponto de preocupação. Confira a entrevista.
Élbia Melo, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica, se espantou negativamente com o RN por não ter emplacada nenhum projeto no leilão
Que avaliação a ABEEólica faz do último leilão do ano? Dos 484 projetos de eólico, só dez foram aprovados…
Olha só, este leilão foi muito surpreendente para nós. Nem a pior das projeções mais pessimistas levariam a tal resultado. A demanda por energia neste leilão foi extremamente baixa. Foram contratados 574 MW num leilão que tinha 14 GW inscritos, considerando todas as fontes. Foi um leilão muito atípico para um ano inteiro, que não tinha tido nenhum outro leilão. Essa demanda extremamente baixa levou a um resultado muito ruim para o setor elétrico e o setor eólico, que é um preço extremamente baixo – no caso da eólica, o preço da geração de energia de um MW por hora ficou abaixo de R$ 75. O que ocorre é a alta oferta – a nossa foi 28 vezes maior que a demanda – levou a uma competição muito acirrada e a preços muito baixos. E definitivamente este preço do leilão não cobre custos de produção nem reflete a taxa de retorno do setor nem a remuneração do investimento do setor. É um preço preocupante que não pode ser utilizado como parâmetro. É um preço que não dá sinal de investimento e expansão para o setor.

Este preço ficou abaixo do necessário para cobrir os custos de produção?
Muito inferior, muito abaixo de tudo o que se esperava. Um preço próximo a R$ 112 já não refletia o custo de produção. Se considerássemos as correções monetárias e o câmbio, chegaríamos a R$ 121.

Este seria o preço ideal?
Só corrigindo o preço do leilão passado, aplicando IPCA e câmbio chegaríamos a R$ 121.

Qual a consequência prática desta queda brusca o preço da geração de energia? As empresas que dependem desta receita poderão enfrentar dificuldades para viabilizar os seus parques eólicos?
Nós temos muita preocupação. Só não estamos mais preocupados porque o número de participantes foi pouco relevante. Estamos falando de dois grupos de investimento neste leilão: o primeiro apenas ampliou o seu parque. O outro grupo vai construir um parque novo. Este sim nos preocupa. Não sabemos se o preço terá capacidade de remunerar o investimento.

O RN habilitou 84 parques para a disputa, mas não emplacou nenhum. Isso deve ser visto com preocupação?
Não. Este leilão não sinaliza nada. Não é fator de preocupação para nada.

O RN não está saindo da rota dos investimentos em eólica?
De jeito nenhum. Eu até acho que o RN se saiu bem. Significa que o RN sabe exatamente quanto custa produzir eólica e não foi ao leilão vender a preços baixos.

Dá para classificar o leilão como um fracasso?
Não, não é um leilão fracassado. Só é um leilão que não serve de parâmetro para o setor.

O resultado deixa o setor pessimista?
Não. Nós não ficamos pessimistas. Estamos interpretando este leilão como um variável totalmente fora do modelo. O setor não está disposto a levar parques que não remuneram os investimentos, porque eles correm o risco de não ficar de pé.

O leilão não foi bom, mas e o ano de 2012?
Nós conseguimos, desde o primeiro leilão em 2009, vender 6,7 Gigawatts de empreendimentos. Os primeiros parques de 2009 entraram em operação agora em 2012. No ano de 2012, só tivemos um leilão. E foi um ano que o setor esperou pelos leilões, que foram adiados várias vezes. E foram adiados por uma razão muito simples. Não tinha demanda, necessidade de contratação, portanto não houve leilão. A última oportunidade de fazer leilão foi agora em dezembro. A nossa expectativa era muito boa pelo simples fato de a fonte eólica ser hoje a segunda fonte mais competitiva do país. As hidrelétricas sozinhas não iriam conseguir atender a demanda.

Quanto precisaria ser aprovado para garantir a viabilidade do setor?
O número ideal para sustentar a cadeia produtiva é sempre 2 GW de eólica por ano. A gente vem conseguindo manter esta média.

Qual a razão? A demanda já está atendida?
A economia cresceu bem menos que o esperado. O desenvolvimento baixo foi  fundamental para a ausência de demanda. As distribuidoras que participam do leilão e compram  energia também estão em situação de sobrecontratação. Estão com mais energia do que precisam para atender ao mercado.

O fato de não haver tanta demanda e o freio na contratação da eólica chegam a preocupar?
É preocupante se isso se repetir por vários anos, mas num ano apenas não é preocupante. A nossa expectativa é que o ano de 2013 já volte a condições normais. Já tem projeções para o PIB crescer  4% ao ano, dentro das condições normais.

O país assistiu a um verdadeiro boom de aprovação de projetos de parques eólicos nos últimos anos. Este movimento continua ou os projetos começam a rarear?
A tendência é crescer junto com a economia. Hoje o único impeditivo da expansão da eólica é a ausência de demanda. Se houver  demanda, a eólica vai crescer fortemente.

O preço da geração da energia eólica caiu nos últimos leilões e deixou alguns empresários receosos quanto a viabilidade dos projetos. Essa redução é uma tendência?
Esse leilão foi uma verdadeira caixinha de surpresas. Tínhamos por um lado uma competição muito grande – e a competição por si só levaria a preços menores. Só que existe o fator ‘custo de produção’ da fonte eólica. Os preços não podem cair a ponto de ficar inferiores ao custo de produção.

Esta redução tem um limite? Se tem, qual é ele?
A redução tem um limite e o limite é o custo de produção. Já chegamos perto do custo de produção.

A tendência, então, deveria ser a estabilização do preço…
Do ponto de vista econômico, este seria o racional do mercado. Ocorre que o preço decorre das condições do momento.

A eólica entrou nos leilões públicos de energia em 2009. Quanto ela já representa da matriz energética brasileira e até quanto poderá subir?
Em termos de capacidade instalada, o número ainda é pequeno, porque o primeiro leilão foi realizado em 2009 e os parques estão entrando em operação agora. Então esses 6,7 GW que a gente vendeu ainda não entraram em operação. Hoje, a energia eólica tem 2,4 GW instalados, que corresponde a 2% da matriz. Quando instalarmos todos os parques comercializados até agora, em dezembro de 2016, vamos ter 8,4 GW de capacidade instalada e 5,5% de participação na matriz.
Para Élbia Melo, o setor não está disposto a levar parques que não remuneram os investimentos, porque eles correm o risco de não ficar de pé.
Haveria um percentual ideal? Nos países desenvolvidos, a taxa é de quanto?
Ela oscila entre 25 e 30%.

O Brasil pode chegar lá?
Pode dependendo da escolha da política do governo. A nossa projeção, colocando 2 GW por ano, é chegar a 20 GW instalados e 12% da matriz em 2020.

O avanço da eólica vai depender da escolha da política de governo. O Governo está fazendo esta escolha?
O governo tem afirmado no planejamento a energia eólica como a segunda fonte mais importante do país e a segunda que mais vai crescer ao longo dos anos.

A ABEEólica colocou como impeditivo para este crescimento a diminuição da demanda. A infraestrutura do Brasil também é um impeditivo para o crescimento desta fonte?
É um desafio, mas não chega a ser um impeditivo. Os gargalos que o setor enfrenta são naturais quando o setor cresce como está crescendo.

O que fazer para que este desafio não se torne um impeditivo do avanço da eólica no país?
O principal desafio é melhorar a logística de transporte e a logística de transmissão. Logística de transporte de equipamentos, problemas com estrada, com cabotagem, que já está sendo trabalhado. O próprio setor está melhorando a logística quando constrói fábricas de equipamentos próximo dos parques. No que se refere a logística de transmissão, está sendo refeita a maneira de se planejar o sistema de transmissão para contemplar o crescimento da fonte eólica.

O que já tem encaminhado com relação as mudanças na implantação dos sistemas de transmissão?
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que faz o planejamento da expansão da  transmissão, está contemplando os parques eólicos futuros para que a expansão da linha se dê antes da instalação dos parques.
   
Hoje se vê o descompasso entre a implantação dos parques e a instalação das linhas. Isso tem gerado prejuízo aos empresários?
Não, isso não gera prejuízo, porque a linha não é responsabilidade do empreendedor. O empreendedor tem responsabilidade de construir o parque, então é muito claro que se ele tiver pronto para entrar em operação e a linha não estiver lá ele não tem responsabilidade sobre isso e tem direito a receber a receita.

Ele não fica sem receber?
Não fica e nem deveria.

E o que dizer da mão de obra? Muitas empresas têm qualificado o seu pessoal na linha de produção…
É normal. Como o setor cresceu muito rápido não houve tempo hábil para se preparar. É dirigir o carro trocando o pneu.

O RN concentrou boa parte dos projetos nos primeiros leilões. Isso mudou. O que poderia ter acontecido?
O RN não tem problema nenhum. Ele é o estado que mais recebeu investimento e que mais vai construir parques. Em segundo lugar, está o Ceará, e em terceiro, a Bahia. O que vimos recentemente que o RN não foi o vencedor em alguns leilões. O importante é que dos mais de 8 GW instalados no país até 2016, 4 GW estão no RN. Não tem nada de errado com o estado.

Que outros fatores, além da intensidade dos ventos, atraem os investidores?
Isso é o papel do estado, do governo estadual de dar sinal de investimento, fazer um trabalho junto aos investidores mostrando que vai oferecer uma estrutura de logística adequada, que tem mão de obra para atender. Eu sempre digo: os estados têm um potencial muito grande. Tanto Ceará, Bahia, RN e Rio Grande do Sul. Os ventos são bons em todos eles. Agora é muito importante o papel do governo no sentido de sinalizar este  investimento e fornecer uma estrutura para este investimento, e aí envolve a questão da logística, do licenciamento ambiental. Todo uma estrutura básica para o investimento é fundamental.

O Brasil continuará sendo um país essencialmente gerador de energia eólica ou se tornará também um fabricante de equipamentos para a indústria eólica?
O Brasil tem mudado esta realidade. Tendo em vista a crise econômica mundial os fabricantes se mudaram para o Brasil. Já temos 11 fábricas de equipamentos eólicos. O Brasil é o terceiro a receber mais investimentos  em fábricas de equipamentos. Para atrair estas fábricas, o Estado é novamente fundamental. O governo da Bahia tem feito políticas importantes de sinalização de atratividade de investimentos e atraído muitos fabricantes. E Bahia tem a vantagem de ter um porto e Recife, em Pernambuco, também. Se tem uma falha, um problema a ser resolvido no RN, este problema é o porto.

Isso tem atrapalhado os investimentos em eólica?
Há uma análise do próprio mercado dizendo: olha, se o RN tivesse um porto (mais competitivo) a situação de investimento seria diferente. Isso é fato.

A eólica abriu caminho para a energia solar, considerada o novo filão no Brasil?
Ainda não, porque o fator central para o sucesso da eólica no Brasil é a competitividade dela. É o custo de produção dela, que caiu a patamares muito baixos e tornou ela a segunda fonte mais competitiva. Não existe um segredo para eólica que não seja o preço e a fonte solar ainda não tem esta característica, ela ainda é muito cara.

A energia solar vai ter que trilhar o seu próprio caminho e tornar-se tão competitiva quanto se quiser conquistar o seu espaço…
Exatamente. O segredo é a competitividade. Se ela alcançar isso, ela vai embora.

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