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Neuroprótese confere a ratos sexto sentido e capacidade de tocar luz infravermelha

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Pesquisadores do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke, nos Estados Unidos, conferiram a ratos a capacidade de “tocar” luz infravermelha, normalmente invisível para esses animais. Isso foi possível devido a uma neuroprótese cortical onde um detector de infravermelho, ligado a microelétrodos, foi implantado na parte do cérebro dos mamíferos que processa informação táctil. “A conquista representa a primeira vez que uma interface cérebro-máquina acrescentou um novo sentido em animais adultos”, disse Miguel Nicolelis, o neurobiólogo que liderou a equipe de pesquisa.
O pesquisador brasileiro liderou a equipe de pesquisa feita junto a um outro pesquisador do Instituto de Neurociência e um estudante da USP
O experimento, patrocinado pelo National Institutes of Health (NIH), também demonstrou, pela primeira vez, que uma nova fonte de informação sensorial pode ser processada por uma região cortical especializada em outro sentido, sem prejudicar a função original desta área do cérebro, disse Nicolelis. Esta descoberta sugere, por exemplo, que uma pessoa cujo córtex visual foi danificado, poderia recuperar a visão por meio de uma neuroprótese implantada em outra região cortical, disse ele.

Embora os experimentos iniciais tenham testado apenas se ratos podem detectar luz infravermelha, não parece haver razão para que estes animais, no futuro, não possam ter visão infravermelha plenamente desenvolvida, disse Nicolelis. Para alcançar isso, neuropróteses corticais poderiam ser desenvolvidas para dar aos animais ou seres humanos a capacidade de ver em qualquer região do espectro eletromagnético. “Poderíamos criar dispositivos sensíveis a qualquer energia física. Poderiam ser campos magnéticos, ondas de rádio, ou ultrassom. Escolhemos infravermelho inicialmente porque ele não interfere com os nossos registros eletrofisiológicos”, disse Nicolelis. Ele, junto aos seus colegas Eric Thomson e Rafael Carra publicaram suas descobertas nesta terça-feira (12) na revista eletrônica Nature Communications. A pesquisa foi patrocinada pelo Instituto Nacional de Saúde Mental.

“A filosofia central do campo de interfaces cérebro-máquina baseou-se, até agora, em tentar restaurar uma função motora perdida por lesão ou dano do sistema nervoso central”, disse Thomson, primeiro autor do estudo. “Este é o primeiro trabalho em que um dispositivo neuroprotético foi usado para aumentar uma função, literalmente permitindo que um animal normal adquirisse um sexto sentido”.

A retina dos mamíferos é cega para luz infravermelha, e esses animais não conseguem detectar qualquer calor gerado pela luz desse comprimento de onda. Em seus experimentos, os pesquisadores usaram um ambiente especial que continha três fontes de luz infravermelha que podiam ser ligadas aleatoriamente. Usando luzes LED visíveis, eles primeiro ensinaram cada rato a se dirigir rumo a uma fonte de luz ativa até que os animais pudessem alcançar um pequeno compartimento que lhes oferecia uma recompensa líquida.

Depois de haver treinado os ratos, os pesquisadores implantaram em seus cérebros uma matriz de microelétrodos que permitem tanto registrar a atividade elétrica de neurônios como estimular o tecido com pequenas correntes. Cada um desses microelétrodos mede cerca de um décimo do diâmetro de um cabelo humano. Os microelétrodos foram implantados na região cortical, que processa a informação táctil gerada pelo estímulo mecânico dos bigodes desses roedores, o chamado córtex somestésico.

Conectado aos microelétrodos havia um detector infravermelho afixado ao osso frontal dos animais. O sistema foi programado de modo que cada vez que o detector identificava uma fonte de luz infravermelha, uma salva de pulsos elétricos era entregue ao córtex somestésico dos animais. Os pulsos de sinal aumentavam em frequência com a intensidade e proximidade do animal com a fonte de luz infravermelha.

Ao longo dos experimentos, os pesquisadores levaram os animais de volta para a câmara de teste, substituindo gradualmente as luzes visíveis por luzes infravermelhas. “De início, nas tentativas com o infravermelho, quando a luz era ligada, os animais tendiam a procurar aleatoriamente os locais de recompensa e acariciar os próprios rostos, como se estivessem recebendo um estímulo táctil prazeroso”, disse Nicolelis.

Isto indicou que os ratos inicialmente interpretaram os sinais elétricos como se fossem provenientes dos seus bigodes. No entanto, ao longo de cerca de um mês, os animais aprenderam a associar o sinal de cérebro com a fonte de luz infravermelha. Dali por diante, os ratos começaram a procurar ativamente o sinal de luz, mexendo a cabeça para os lados, para orientar-se na direção da fonte ativa de luz. Em última análise, eles alcançaram uma pontuação quase perfeita no rastreamento e identificação da localização correta da fonte de luz infravermelha usando o seu córtex somestésico como detector de uma luz que até então fora invisível para eles.

Para assegurar que os animais estavam realmente usando a neuroprótese e não os seus olhos para detectar a luz infravermelha, os pesquisadores realizaram tentativas em que a luz era ligada, mas o detector não enviava qualquer sinal para o cérebro. Nessas tentativas os ratos não reagiram à luz infravermelha.

Uma descoberta chave, disse Nicolelis, foi que utilizar o córtex somestésico para detecção de luz não reduziu a capacidade dos ratos de processar sinais tácteis. “Quando gravamos sinais do córtex somestésicos desses animais, descobrimos que, embora as células tivessem começado a responder à luz infravermelha, elas continuavam a reagir à estimulação táctil dos bigodes. Era quase como se o córtex estivesse se dividindo uniformemente, de modo que os neurônios pudessem processar ambos os tipos de informações”, afirmou Nicolelis.

Esta descoberta da plasticidade cerebral está em contraste com a abordagem “optogenética” de estimulação do cérebro, que sustenta a ideia de que um tipo particular de célula neuronal deve ser estimulado para gerar uma função neurológica desejada. “Em vez disso, disse Nicolelis, as experiências demonstram que a estimulação elétrica ampla, que recruta muitos tipos de células distintas, pode levar uma região cortical a se adaptar a uma nova fonte de estímulos sensoriais”.

“Considerada uma grande conquista técnica que pode permitir a criação de uma variedade de dispositivos neuroprotéticos, foi a capacidade do laboratório, anunciada em dezembro passado, de gravar sinais de quase 2 mil células cerebrais ao mesmo tempo, um número sem precedentes”, disse Nicolelis. No futuro, os pesquisadores esperam registrar a atividade elétrica produzida simultaneamente por 10 mil neurônios corticais. “Essas gravações cerebrais de alta densidade permitirão o controle mais preciso de neuropróteses motoras, tais como as que estão sendo desenvolvidas pelo Projeto Andar de Novo para restaurar o controle motor de pessoas paralisadas”, disse Nicolelis.

O Projeto Andar de Novo contará com um subsídio de aproximadamente R$ 34 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos – Finep, para permitir o desenvolvimento do primeiro exoesqueleto de corpo inteiro, destinado a restaurar a mobilidade em pacientes severamente paralisados. A primeira demonstração desta tecnologia está prevista para acontecer no jogo de abertura da Copa do Mundo de 2014, no Brasil.

“A expansão de habilidades sensoriais, demonstrada pela neuroprótese que conferiu a ratos a possibilidade de perceber luz infravermelha, poderá também permitir um novo tipo de feedback para melhorar a velocidade e a precisão de tais exoesqueletos”, disse Nicolelis. “Por exemplo, enquanto os pesquisadores procuram atualmente usar feedback táctil para permitir que o paciente sinta os movimentos feitos pelas vestes robóticas, o feedback poderia ser também na forma de um sinal de rádio ou luz infravermelha, que daria mais rapidamente à pessoa a informação sobre a posição dos membros do exoesqueleto e sobre encontro com objetos”.

Nicolelis é professor de neurobiologia, engenharia biomédica, psicologia e neurociência, e co-diretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade de Duke. Thomson é um associado de pesquisa de pós-doutorado em neurobiologia. Ambos também são pesquisadores do Instituto Internacional de Neurociência de Natal Edmond e Lily Safra. Rafael Carra é estudante da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador visitante do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke. Mais informações sobre o laboratório Nicolelis estão disponíveis no site dele.

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