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No reino dos tiriricas

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No reino dos tiriricas

Nas antevésperas das eleições republicanas, o botânico Florentino Vereda, que sempre prestigia esta coluna com observações equilibradas sobre o cenário político-cultural  deste país, escreve carta para, entre outras coisas, emitir opinião – até certo ponto pessimista – sobre alguns desequilíbrios comportamentais que vêm ocorrendo de uns tempos pra cá na sociedade brasileira. A propósito, no placar do Supremo Tribunal Federal, o clássico Ficha Suja x Ficha Limpa terminou empatado. O texto do mestre Vereda tem feitio de artigo de jornal: foco do assunto, a estrutura que desenvolve sua análise e, também, a linguagem, que me parece mais formal do que as cartas anteriores, em ritmo de crônica. Concordo com suas análises. Vejamos o que ele escreveu:

“Uma semana farta de notícias. Abre-se a janela e percebe-se que há guerra para todos os lados. Em Brasília a poeira parece ter baixado, mas o estrago é feito. No front eleitoral, chega ao TSE mais um pedido de impugnação da candidatura de Tiririca, desta vez porque ele pede votos pra a sua (dele) família. Aí em Natal (tenho acompanhado pela internet e na edição onlaine da TN), na guerra urbana que ocorre em seu território, uma vendedora ambulante atropela e mata um jovem de 15 anos, cujo pai – um humilde gari – declarou-se aliviado por se livrar de mais um filho viciado e ladrão.

Onde a relação entre notícias tão diferentes, entre personagens tão distintos e distantes? Talvez por envolverem um instinto primordial dos animais, que é o da sobrevivência e preservação da espécie. Com o ‘homo sapiens’ não é diferente. O problema é que aos homens – diferentemente dos animais – se atribuem normas, regras de conduta, padrões éticos e morais que os tornam iguais entre si, pelo menos em tese. E eles se agrupam em torno do Estado, que é, a um só tempo, instrumento das suas aspirações coletivas e guardião da ordem. Mas o Estado reveste-se de uma couraça intransponível para a maioria dos mortais. Fora do poder não há salvação.

Em todos os episódios inicialmente relatos, nota-se a preocupação dos atores principais em protegerem os seus filhos e a sua família. Diferente é o modo como o fazem e os meios de que dispõem. A vendedora que atropelou e matou o marginal que a assaltou, buscava defender seus filhos. Tiririca – o futuro deputado –  declara solenemente que quer ser eleito para “arrumar a sua família”. E a mãe zelosa que alega desconhecer os negócios dos seus filhos, teve que renunciar ante o conflito entre as obrigações funcionais e o desvelo materno. Cada um, como pode, defende os seus. Quem não consegue abrigar-se sob o manto protetor do Estado, será apenas mais uma rês no curral, à espera do abate. Para os que atravessam a linha imaginária que separa a côrte da plebe, promessas de fartura, prosperidade e prestígio, longe dos transtornos que afligem os vis mortais.

Os mais apressados diriam que a culpa é o do “sistema”. Sei não. Não conheço essa entidade misteriosa que parece reger as vidas de todos e de cada um. De qualquer forma, não se consegue saber em qual pescoço pôr a corda. Talvez o indivíduo seja, a um só tempo, réu e vítima, posto que nas sociedades modernas, ditas democráticas, ao povo cabe decidir quem irá tanger o rebanho ao pasto ou ao matadouro. Ninguém chega ao poder sem o voto do imbecil que se deixou enganar pelas promessas fúteis e falsas de seus candidatos, ou pelo deboche dos Tiriricas da vida que, em última instância, representam os palhaços que neles votam.

Vítima maior deve ser o gari que sentiu-se aliviado em perder o filho problemático, um  garoto de apenas quinze anos. Ele que, sendo gari, não conseguiu – como pai – limpar a sujeira da sua própria casa ou, como eleitor, varrer a imundície que empesteou a política e, por via de consequência, toda a sociedade.

Em quem ele vai votar no dia três de outubro.

A escola ruim

Reencontro num dos desvãos do corredor, entre velhos jornais e revistas nem tanto, um exemplar de novembro do ano passado da revista Panorama Editorial, editado pela Câmara Brasileira de Livro. Traz uma entrevista com o escritor Ignácio Loyola Brandão, dos grandes nomes de nossa literatura e, também, jornalista do primeiro time, premiadíssimo, inclusive com vários Jabutis da CBL. Seus livros (mais de trinta) tiveram alguns títulos traduzidos para vários idiomas. Na entrevista, respondendo a uma pergunta da Panorama (“O que causa o baixo índice de leitura do brasileiro médio?”), Loyola respondeu:

– É uma escola ruim. É o sistema educacional decrépito. A ausência de bibliotecas com grandes acervos, onde quem não pode comprar livro, lê gratuitamente. É o desinteresse de pais que não leem e colocam o filho diante da televisão. São os professores mal pagos que não têm tempo de preparar aulas. Os professores que não gostam de ler e não sabem contar uma história. Os professores preguiçosos e mal preparados. São os currículos burros que levam crianças a ler clássicos, cuja linguagem e ritmo não entendem. E principalmente é a educação preparada para fazer passar no vestibular e não olhar para a vida com outros olhos de sonhos e imaginação.

O ensino burro

Quando perguntado se “A tevê, o rádio, os jogos eletrônicos, a internet desviam a atenção em relação à leitura do livro”, Ignácio Loyola Brandão respondeu:

– Não culpemos as mídias passivas. Culpemos a nós, a nossa preguiça, a nossa desídia, ao nosso desinteresse, ao sistema burro e mal estruturado. O mesmo currículo serve para a aldeia do Nordeste, do Amazonas, de São Paulo, etc. Vi no Amazonas livros que falam da criança que sai do metrô, apanha o metrô. O que um garoto de uma vila amazônica sabe do metrô. É o mesmo que um foguete espacial, que ele viu no cinema, se é que viu. A menos que seja para incentivar a imaginação. Os livros didáticos são péssimos.

Zero

Por falar em Ignácio Loyola Brandão, a Global Editora acaba de publicar uma edição especial (belíssimo projeto gráfico de Eduardo Okuno e Maurício Negro) do romance Zero, comemorando os 35 anos de seu lançamento no Brasil. Na verdade, o livro foi lançado um ano antes na Itália. Aqui sairia em 1975. Um ano depois recebeu da Fundação Cultural do Distrito Federal o prêmio de melhor livro de ficção de 1976, sendo logo em seguida sua venda proibida pelo Ministério de Justiça. A liberação só veio ocorrer em 1979. Esta edição reproduz capas de várias outras edições de Zero no Brasil e em outros países, inclusive a primeira na Itália. O prefácio é de Walnice Nogueira Galvão. Loyola acrescentou um texto que conta a história como e porque Zero foi escrito.

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