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No RN, SUS depende da terceirização para funcionar

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As cooperativas médicas foram criadas, inicialmente, para atuar junto aos planos de saúde. Mas hoje, aproximadamente uma década após suas implantações, atuam fortemente na área de saúde pública no Rio Grande do Norte. As duas principais instituições do Estado – Coopmed e Coopanest – aumentaram, aproximadamente, dez vezes a quantidade de associados e, hoje,  trabalham em todas as unidades públicas – municipais e estaduais – de Natal. A falta de investimento na contratação de pessoal para a área de saúde pública e o colapso das unidades municipais e estaduais nos últimos anos, ressaltaram o nível de “dependência” do Sistema Único de Saúde ao serviço prestado por profissionais que se organizaram e escolhem quanto custa e a quem oferecer seus serviços.

Em natal, 50% das escalas são de médicos cooperados

Isaac Lira – Repórter

A presença de entidades privadas no Sistema Único de Saúde tem aumentado. Contrata-se junto a empresas e associações sem fins lucrativos exames, equipamentos, enfermeiros, médicos, hospitais inteiros e até mesmo a gestão das unidades públicas. No Rio Grande do Norte, nenhum outro caso ilustra tão bem a mudança de perfil dos serviços de saúde quanto o crescimento das cooperativas médicas. Se no início de suas atividades, as cooperativas atuavam junto a planos de saúdes e, dentro do serviço público, na realização de cirurgias eletivas e complementação de escalas médicas, hoje a terceirização da mão de obra inclui postos de saúde e o Programa de Saúde da Família.

Em números, é possível acompanhar esse crescimento a partir do aumento de cooperados. Segundo dados repassados a reportagem da TRIBUNA DO NORTE, a Cooperativa dos Médicos tinha 86 membros em 2003, quando foi fundada. Nove anos depois a entidade conta com mais de mil cooperados. Em outras palavras, a Coopmed aumentou o número de associados em 12 vezes. Situação semelhante viveu a Cooperativa dos Anestesiologistas. Se em 1994, quando foi fundada, a Coopanest tinha 20 membros – o mínimo para se formalizar uma cooperativa – hoje são 180 anestesistas cooperados. O crescimento foi de nove vezes.

O motivo para toda essa pujança, segundo o presidente da Cooperativa dos Médicos do RN, Fernando Pinto, foi a abertura de novos serviços e, principalmente, a ausência de concursos públicos com valores considerados atrativos pela categoria. O que o serviço público paga para seus servidores está abaixo do que o médico recebe no mercado pelo seu trabalho. Quando há concurso, poucos são os interessados em concorrer. Ao mesmo tempo, as negociações das cooperativas conseguem que o Estado e o Município complementem, do próprio bolso, os valores da tabela de procedimentos do SUS. É um negócio vantajoso.

“Tivemos, principalmente nos últimos dois anos, um aumento na demanda de serviços por parte do poder público, principalmente da Prefeitura de Natal. Hoje, a Coopmed complementa escalas, faz cirurgias eletivas e atua também no Programa de Saúde da Família”, explica o médico Fernando Pinto, presidente da Coopmed/RN. No caso da Cooperativa dos Anestesiologistas,  os contratos são relativos a cirurgias eletivas (aquelas que são marcadas) e complementação de escalas. São poucos os serviços que funcionam com anestesistas funcionários públicos e todos os profissionais da área hoje em Natal são cooperados.

No caso da Coopmed, o contrato com a Prefeitura de Natal inclui a escala médica de 15 unidades de saúde. No Hospital dos Pescadores e na Maternidade de Felipe Camarão, todos os profissionais são do contrato com a cooperativa. Nas demais, a porcentagem de cooperados varia entre 50% e 80% do total de médicos. São realizados pela Cooperativa cerca de três mil procedimentos a cada mês.

A atual tabela do SUS, que disciplina o quanto se paga por cada procedimento médico, tem valores considerados irrisórios, tendo em vista o quanto pagam convênios e o serviço contratado por particulares. Uma consulta, por exemplo, é orçada em pouco mais de R$ 10. Com a taxa de manutenção do hospital e com os tributos, o que fica para o médico é cerca de R$ 5. Uma consulta pelo convênio pode custar até R$ 50, a depender da especialidade. Uma briga realmente injusta.

Vantagens e desvantagens

Com valores baixos na tabela SUS, a capacidade de convencer profissionais a aderir ao serviço público é pequena, mesmo com a lista de vantagens oferecidas pelo serviço publico: estabilidade, décimo terceiro, férias, etc. Os médicos têm preferido trabalhar por produção, ligando-se a uma cooperativa, a virar servidor público. A vantagem é receber mais, a desvantagem é não ter segurança.

Por outro lado, o poder público também tem suas vantagens na relação com as cooperativas. Sempre no limite prudencial, sempre às voltas com a Lei de Responsabilidade Fiscal, o gestor potiguar consegue contratar pessoal sem superar o gasto máximo com o funcionalismo. É um artifício que não deixa de significar uma burla, um drible, às limitações da burocracia. Por outro lado, na maioria das vezes o gestor acaba se colocando numa posição de dependência: sem o contrato com as cooperativas, boa parte dos serviços não funciona.

Sem médicos, unidades de saúde fecharam as portas

O colapso das unidades municipais de saúde, verificado neste mês, demonstra, para alguns especialistas, uma “dependência” do setor público em relação aos contratos terceirizados, principalmente com as cooperativas. Em um único mês, o Município de Natal ficou sem cirurgias eletivas e sem atendimento em praticamente todas as unidades de saúde. O motivo foi a falta de pagamento no contrato com as cooperativas.
Unidades de saúde chegaram a parar completamente com a paralisação dos serviços das cooperativas
Como praticamente todos os serviços de saúde da capital tem participação do Município, o atendimento na capital – relativo a serviços ofertados pela Prefeitura – parou. E não havia tempo hábil para formatar alternativas. Na opinião do secretário estadual de Saúde, Isaú Gerino, casos como este demonstram uma “dependência”. “Você fica na mão deles. Você vê agora, no caso da prefeitura, que foi preciso fechar as portas. Instalou-se o caos, com o Walfredo Gurgel superlotado, o Santa Catarina também. Mas não tínhamos alternativa”, disse.

A saúde privada deveria servir como um complemento. Em boa parte dos casos, não é isso o que acontece e a saúde pública depende em grande parte dos contratos privados. “Somos nós que recebemos a demanda do poder público, que cada vez mais precisa contratar esses serviços. E nós o fornecemos com qualidade e de forma profissional. O único problema que existe hoje nessa relação são os atrasos de pagamento, que são contínuos”, explica o presidente da Coopmed Fernando Pinto. Frederich Marcques, presidente da Coopanest, percebe algo semelhante. “A intenção principal era negociar com os planos de saúde, mas surgiu a demanda do setor público e nós atendemos”, encerra.

Conselho de Saúde é contrário à terceirização

O Conselho Estadual de Saúde, não é de hoje, é contrário à contratação de cooperativas médicas no Sistema Único de Saúde. Os conselheiros acreditam que o SUS só pode ser viável a partir da existência do funcionário público de carreira atuando na linha de frente dos serviços de saúde. “Nós vemos com preocupação o avanço dos contratos terceirizados. São mais caros e por isso podem inviabilizar o sistema. Existe uma disparidade no valor dos serviços médicos e das demais atividades, como a enfermagem, a farmácia, etc”, diz a presidente do Conselho Estadual de Saúde, Francinete Melo.

Dentro do contexto de aumento da participação de entidades privadas na linha de frente do SUS, o Conselho identifica a atuação de organizações sociais como um novo e – preocupante – passo. De acordo com Francinete, as OS´s são a nova forma de terceirizar, a solução que está “na moda” entre gestores de vários lugares do país, incluindo Natal. “Podemos dizer que a contratação de organizações sociais é um novo passo, uma nova maneira e estamos preocupados com isso, até porque, nesse caso, das OS´s, existem casos graves de corrupção”, aponta a presidente do Conselho.

A presidente do Conselho Estadual de Saúde se refere à Operação Assepsia, deflagrada pelo Ministério Público Estadual há dois meses e que investiga a contratação de organizações sociais pela Prefeitura de Natal. No caso, há a acusação de fraude em licitações, peculato e investiga-se várias outras supostas irregularidades. “O Conselho sempre se posicionou de forma contrária, tanto em Natal quanto em Mossoró, por entender que terceirizar a gestão é perigoso. No caso das OS´s, terceiriza-se a mão de obra, a compra de materiais e a própria gestão. A única coisa pública é o recurso utilizado”, encerra Francinete Melo.

Cooperativas foram criadas para atuar junto aos planos de saúde

As cooperativas médicas foram criadas inicialmente para atuar junto aos planos de saúde. A ideia original era conseguir maior poder de barganha junto aos convênios na hora de negociar honorários médicos nas mais variadas especialidades. Em bloco, os profissionais passaram a conseguir  aumentar o preço do próprio trabalho quando prestam serviços a convênios. Fórmula que deu certo, as cooperativas, por uma série de fatores, passaram a ser contratadas também pelos serviços públicos de saúde.
Somos nós que recebemos a demanda do poder público, que cada vez mais precisa contratar esses serviços - Fernando Pinto - presidente da Coopmed
Segundo dados da Organização de Cooperativas Brasileira, hoje existem 846 cooperativas em todo  o país, com mais de 200 mil associados e gerando mais de 60 mil empregos diretos. A abrangência se estende a praticamente todos os estados da federação e a quase todas as especialidades da medicina. O crescimento do número de cooperativas médicas foi iniciado na década de 90.

No Rio Grande do Norte, a primeira cooperativa médica a ser formada foi a de anestesiologistas. O modo não difere do que aconteceu em outros locais do país: os anestesistas se reuniram para ter mais força na hora de negociar com planos de saúde.

Com o tempo, houve a demanda por contratos com o serviço público. Hoje, segundo o presidente da Cooperativa de Anestesiologistas, Frederich Marcques  os contratos com o setor público significam cerca de 30% do faturamento da cooperativa.

O exemplo da Coopanest foi seguido pelas demais especialidades no Rio Grande do Norte. Em 2003, foi criada a Cooperativa dos Médicos (Coopmed). A entidade passou a ter maior peso a partir de 2006, quando uma recomendação do SUS indicava a possibilidade de extinguir o vínculo direto com os médicos que atuavam em hospitais conveniados. Exemplo: a Secretaria de Saúde contratava um determinado hospital privado e ao mesmo tempo os médicos que trabalhariam no espaço contratado; a recomendação era para que o próprio hospital fizesse a contratação, extinguindo o vínculo profissional x SUS.
A intenção principal era negociar com os planos de saúde, mas surgiu a demanda do setor público e nós atendemos - Frederich Marcques - presidente da Coopanest
Ao entender que não era um sistema justo, os médicos passaram a ser contratados por cooperativa. Posteriormente, a ideia se expandiu e já existem cooperativas de enfermagem e auxiliares.

Bate-PapoIsaú Gerinosecretário estadual de Saúde

Qual o papel das cooperativas e terceirizações na saúde pública?
É uma maneira de colocar o serviço em funcionamento quando o Estado está preso, sem poder contratar por concurso para atender a população. O Estado fica preso no limite prudencial, da lei de responsabilidade. E a lei permite fazer essa contratação. Mas em alguns casos, de algumas especialidades, nem que o Estado faça o concurso é possível preencher.

Como assim?
Porque não há material humano para preencher o concurso. Pediatria, por exemplo. Ou então neurocirurgia. Há uma carência de profissionais no mercado nessas especialidades e em outras. Neonatologias também. Contratar as cooperativas é um caminho.

Existe alguma desvantagem nessa relação?
Você fica na mão deles. Você vê agora, no caso da prefeitura, que foi preciso fechar as portes. Instalou-se o caos, com o Walfredo Gurgel superlotado, o Santa Catarina também. Mas não tínhamos alternativa.

Há também uma questão salarial?
É, o salário no poder público é abaixo do que é pago no mercado. Existe essa deficiência.

No fim das contas, é mais vantajoso contratar por terceirização?
Têm pontos vantajosos e desvantajosos. Você pode fazer o atendimento à população. Essa é a grande vantagem.

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