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“Nossa fé se fundamenta na Páscoa”

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SARA VASCONCELOS – repórter

“A Páscoa é a razão do cristianismo, a celebração da vida”. E neste domingo que se celebra a ressurreição de Jesus Cristo, o arcebispo de Natal, Dom Matias Patrício de Macedo, falou à TRIBUNA DO NORTE, não só do significado e reflexões acerca da Semana Santa, como também das suas expectativas quando está próximo de cumprir a exigência da Igreja e renunciar ao cargo que ocupa. Fez uma avaliação do momento atual vivido pela Igreja e dos novos movimentos que afloram. Dom Matias, que no último dia 14, completou 75 anos, deverá entregar o cargo, mas “não pretende pendurar as chuteiras”. Com 48 anos de vida religiosa falou do que aprendeu do povo e o que buscou passar a eles enquanto padre de Canguaretama, Pedro Velho, Nova Cruz, São Tomé, Lagoa Dantas, Serra de São Bento, Montanhas, Vila Flor, Baía Formosa, e como bispo nos últimos 21 anos. Confira a entrevista:

O arcebispo de Natal, Dom Matias Patrício de Macedo, avalia o momento atual vivido pela Igreja e dos novos movimentos que afloramEsta foi uma semana de reflexões e festividades para os cristãos. Tudo em preparação para a Páscoa. Qual a importância desta data para a Igreja Católica?

A nossa fé se fundamenta nisso. Se Cristo não tivesse ressuscitado nossa fé não teria sentido, mas ele ressurgiu. Tudo que ele disse, se cumpriu. É palavra de vida. A Páscoa, a ressurreição é a razão do cristianismo. A liturgia durante a Semana Santa faz a ligação entre a morte e a ressurreição, porque é preciso passar por ela. É a celebração do mistério pascal: a paixão, a morte e a ressurreição. Porque a obra redentora de Jesus não se encerra na Cruz, mas continua na vitória da ressurreição. Todo domingo é um domingo de páscoa. E esperamos que nessa celebração da vida, todos se empenhem em implantar no mundo a cultura de vida e não de morte. Cristo ressuscitou e está vivo. E quis de uma maneira especial ficar no meio de nós, por meio da Eucaristia. A preparação, para este dia, inicia bem antes.

Ultrapassa a Semana Santa?

Esta vivência de fé é trabalhada durante toda a quaresma, desde a quarta-feira de cinzas, com o convite ao jejum, abstinência de carne, oração. Somos convidados a reviver desde a saída de Betânia à entrada em Jerusalém, onde vai acontecer o martírio. Onde foi o trono da glória dEle que é a cruz. Tudo suportado como servo sofredor, para cumprir o plano de Deus. A Semana Santa recorda e nos faz refletir sobre o significado do amor de Deus pela humanidade.

Ao contrário de anos atrás, é comum hoje se trocar o “guardar os dias santos” pelo curtir o feriadão da Semana Santa. Como o senhor vê esse enfraquecimento de tradições?

 Essa troca é uma fraqueza do não viver bem a sua fé. Hoje em dia, a Igreja pede não só a prática de costumes tradicionais como o jejum, esmola, a oração, a escuta atenta da palavra de Deus. Mas a partir dos anos 60, com a campanha da fraternidade que começou aqui no Rio Grande Norte e hoje é da Igreja do Brasil, a ação social concreta.  Quando se troca esse período de reserva, de meditação, de preparação para a comemoração do dia senhor faz disso algo que contraria os princípios. O feriadão  pode resultar em acidentes, brigas, mortes, por conta dos excessos. 

Essa mudança se deve a quê?

O mundo mudou. Hoje se busca muito o bem-estar, o individualismo, o prazer, o que satisfaz na hora. Sem a preocupação de pensar em algo superior a nós, em alguém que nos criou e deu a vida e tem um projeto de vida para nós.

E esse projeto de vida não é de bem-estar e satisfação?

Individualisticamente falando, não. O plano de Deus é um projeto para felicidade humana. Mas é preciso lembrar que a felicidade passa pelo segmento da cruz. “Quem quiser vir a mim pegue sua cruz e siga-me”. E Ele mesmo mostra o projeto de vida e libertação. E mais, Ele mesmo dá as coordenadas: que você perdoe, tenha coragem de pagar o mal para o bem, de dividir a túnica a mais com quem não tem. Esses ensinamentos estão obscurecidos pelo individualismo. Essa incapacidade de renúncia. E, contemplando esse mistério pascal. A gente deve se tocar e sentir que vale a pena ser um seguidor dele. Essa vida é um caminho que deve ser percorrido por nós, segundo à vontade daquele que nos criou.

Depois de 48 anos de vida religiosa, dos quais 21 como bispo, qual o maior aprendizado?

Aprendi sobretudo que vale a pena caminhar com o povo. Aprendi muito da alma das pessoas simples. Na experiência das confissões, percebemos como essas pessoas se voltam para Deus em determinados momentos e nos ensinam com suas histórias. Na noite de Natal, em cidades do interior em que fui padre, ver as estradas cheias, o povo nas ruas indo, à pé, a igreja são cenas que muito me dizem até hoje. É o  testemunho do povo que ensina o interesse e o respeito pelas coisas, que concretiza o conhecimento teológico.  E esse anseio do povo nos faz viver o nosso ideal com mais plenitude, mais gosto.

O ir ao encontro das pessoas nas paróquias foi considerada uma marca sua por padres e fiéis. Foi essa a mensagem que buscou passar?

Algo que eu aprendi e cultivo é se esforçar para acolher bem, no sentido não só de receber, mas do ir até o encontro do outro e levar Deus. Uma das preocupações da gente deve ser apresentar a pessoa de  Jesus, por meio da evangelização, mas sobretudo pelo testemunho. Esse ir ao encontro é para facilitar o encontro de  Deus e sentirem que o pastor não estar distante. Eu gostaria de ter ido a todas as igrejas e capelas das 88 paróquias da arquidiocese, mas fui a todas as sede dessas. Talvez possa ter falhado com a minha presença aqui (na Catedral), mas se não estava aqui é porque estava em alguma igreja. E algo que me preocupo neste restinho de tempo como arcebispo é que o povo do interior tem o direito de conhecer quem é esse Matias, por quem em toda missa eles pedem por ele.

E quem é esse Matias?

É o sertanejo, nascido no meio rural, no cheiro de curral. Meu pai criava umas vaquinhas do lado de casa. Minha mãe nunca foi à maternidade e teve 16 filhos no sertão de Santa do Matos e de Angicos. Eu sou esse que foi tirado do meio do povo e que me coloquei a serviço dessas pessoas para cuidar das coisas relacionadas a Deus. Para fazer essa ponte entre Deus e os homens.

Já que citou o restinho de dias à frente da Arquidiocese: o senhor já fez a carta de renúncia?

Não. Será feita até o final do mês. O código do direito canônico diz que aos 75 anos deve ser feita, então tenho um ano pela frente. Mas quero fazer logo. Quero que saia logo esse resultado. Que demora uma média de um ano para ser definido.

O senhor gostaria de permanecer como arcebispo?

Gostaria de ficar até o dia que a Igreja quiser. Eu estou a serviço. E ao mesmo tempo não gostaria que demorasse muito. Para vir logo outro, mais jovem, mais disposto. Mas não pretendo pendurar as chuteiras.

E quais são os planos agora?

Pretendo ficar aqui mesmo em Natal, morar em Emaús, onde já está Dom Heitor, padre João Medeiros. Gostaria de ficar à disposição nas paróquias. 

E assumiria alguma paróquia?

Não. Só se o bispo viesse me pedisse com muita insistência (risos). Eu prefiro ficar livre para atender a todos, sem o compromisso administrativo.

Quem seria um bom nome para ocupar a cátedra que hoje o senhor ocupa?

Eu prefiro não responder. Têm muitos e muitos bons nomes e isso fica à cargo da Igreja, num processo sigiloso. Se houver pedido, e geralmente pedem, eu tenho nomes a sugerir, mas não posso falar.

Numa avaliação geral sobre o momento atual da Igreja Católica, este seria de crise ou de fortalecimento?

Seria de uma reflexão mais profunda, de uma descoberta de pistas de ação. Não diria de crise.

O surgimento de outras igrejas e religiões é uma ameça à Igreja católica?

Pode ser. Mas não é nada que nos deixe assombrados. Um pouco preocupados, refletindo, planejando, fazendo experiências com determinados tipos de pastorais.

Há um crescimento do número de fiéis ou a Igreja está perdendo espaço?

Quanto a quantidade, não (há crescimento). As estimativas dizem que o número de evangélicos e de indiferentes subiram muito. Mas a preocupação hoje é muito na formação, na qualificação. Hoje os projetos pastorais são prioritários na dimensão missionária; na formação dos católicos na doutrina social, porque a fé tem uma dimensão social. Nós vivemos em comunidades, não somos ilhas. Em conhecer o catecismo da Igreja católica,  além da setorização da Igreja.

O surgimento de outras igrejas e religiões é uma ameça à Igreja católica?

Pode ser. Mas não é nada que nos deixe assombrados. Um pouco preocupados, refletindo, planejando, fazendo experiências com determinados tipos de pastorais.

Essas prioridades vêm como reflexo dessa perda?

Como resposta ao hoje. Mas nossa preocupação é com a formação dos nossos católicos. E nisso há um fortalecimento.

Hoje o católico é mais católico?

Eu diria mais consciente. Há vários movimentos, pastorais de juventude, do idoso, no âmbito da família, com os encontros de casais, formação dos noivos para o matrimônio, atingindo vários setores para melhor vivenciar a fé, melhor evangelizar e conscientizar a todos da missão de anunciar. Hoje há mais prática.

Como o senhor vê o surgimento de comunidades dentro da própria Igreja? Pode ser um desmembramento ou vem agregar?

Acho que é uma riqueza, que vem agregar. Essas comunidades surgem com os vários carismas Como se diz, o Espírito sopra onde quer. E o espírito de Deus distribui aptidões, maneira de expressar sua fé sem perder a comunhão. Desde que atenda a quatro exigências que são o serviço, a comunidade surge para servir; o diálogo, a capacidade de trocar ideias; o testemunho, não se achar superior, andar junto, em comunhão com a Igreja comunidades, para ter autoridade para o anúncio, que é a quarta exigência. Não devem andar em paralelo, senão não é eclesial. Devem atender aos quatro requisitos para ter o reconhecimento da Igreja.

A Igreja atual é menos envolvida em ações políticas, como na linha da Teoria da Libertação, tendendo mais as questões sociais?

A igreja não faz política partidária. Ela faz educação política. Busca conscientizar para que os cristão assumam os espaços na política. A igreja deseja bons cristãos e bons políticos. Mas não deseja o padre na política, como já aconteceu em outras épocas, porque são poucos e a comunidade dos fiéis é muto grande. O papa João Paulo II dizia,  na década de 1980, que os protagonistas na evangelização do mundo de hoje devem ser os leigos.

A igreja vem atraindo menos pessoas dispostas a vida religiosa?

Ao contrário. Houve uma queda  na década de 1960 e 1970, mas agora estar aflorando. O seminário estar cheio de seminaristas. Nossa arquidiocese tem 150 padres, claro que precisa de mais para um Estado de 2 milhões. Alguns municípios não contam com um vigário ainda. Por isso é importante esse engajamento com os leigos. O papel do leigo é cada vez mais ativo.

Algumas comunidades e segmentos da Igreja investem pesado em comunicação e ganham uma dimensão de empresa. Como o senhor vê isso? É o novo caminho da evangelização?

Nós vivemos em mundo conectado, informado. Se  Jesus estivesse aqui hoje, em pessoa, ele usaria o jornal, a internet, a televisão. Sem dúvida,  que este é um caminho válido. Há um documento do Concílio Vaticano – a Inter Mirifíca, “Entre as Maravilhas” dos novos tempos – que destaca os meios de comunicação. Sendo bem usado é muito bom, para fazer a Igreja chegar a todos. Não estou entrando no mérito de como essas  comunidades fazem, mas é correto usar os meios de  comunicação para evangelização. Até mesmo necessário, senão a gente fica para trás. Quando eu era pároco de Nova Cruz, os moradores do povoado em Serrote dos Bezerras participavam da missa que eu celebrava na Matris e era transmitida pelo rádio, na capela. A Igreja é devagar, mas ela vai se adaptando.

Em que mais se percebe ou deveria haver essas adaptações?

Na Igreja somente o que se pode mudar são as normas pastorais. Dogmas são dogmas.

Mas a Igreja abriu espaço para os casais de segunda união. Isso seria uma flexibilização?

Existe uma preocupação e o papa pede um olhar especial para esses casais, que também constituem família. Mesmo que sem acesso a tudo, como a comunhão do corpo e sangue, uma vez que a  união não é 100% regular. Mas podem comungar espiritualmente, participar da palavra e Deus vê tudo. Às vezes a gente tem uma restrição e não pode comer abacaxi, e passa a vida toda sem abacaxi,  porque há outras coisas que o substitui. E a Igreja não quer matar nenhum filho seu de fome. E sempre oferece oportunidades e meios  para que continuem sua ligação com Deus.

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