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O ano letivo que não vai acabar

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Gabriela Freire – Repórter

O ano letivo da rede municipal de educação será suspenso a partir da próxima sexta-feira, dia 30. A paralisação foi oficializada na manhã de ontem em reunião entre Ministério Público, Conselho Municipal de Educação, Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sinte|), Secretaria Municipal de Educação e gestores das escolas e Cmei’s. Apesar de ser anunciada como uma suspensão e não encerramento do ano letivo, a medida deixa incerta a vida escolar de cerca de 15 mil estudantes, que ficam sem nenhum tipo de garantia de reposição de aulas ou previsão de conclusão do calendário escolar. Em termos práticos, os estudantes de Natal podem perder o equivalente a um bimestre inteiro.  O comunicado aos pais e alunos será feito gradativamente, através de reuniões para exposição dos motivos que culminaram na atual situação, assim como funciona o anúncio de greve. A presidente do Conselho Municipal de Educação, Ednice Peixoto dos Santos, reconhece que essa é uma medida drástica, mas que não foi uma decisão tomada da noite para o dia. Os relatos da precariedade do sistema são conhecidos da sociedade e foram alvo de reportagens repetidas vezes. A presidente do conselho recorda que o entendimento dos gestores já vinha de muito tempo. “Essa decisão é consequência dos problemas vividos pelos gestores. Foi tomada por eles por perceberem que não havia mais condições de trabalhar com medidas paliativas”, explicou. A decisão, destaca Ednice Santos, não partiu do Conselho Municipal de Educação, do sindicato nem da Secretaria de Educação. Para a presidente do Sinte, Fátima Cardoso, o que fica é um sentimento de revolta, além do pedido para que a situação financeira da Secretaria de Educação seja investigada. “Não nos surpreende essa situação de colapso. É uma medida extrema, mas que vem sendo anunciada desde 2010”, enfatiza. Os motivos que culminaram na suspensão das aulas na rede municipal de educação soam como notícia velha. Falta de pagamento e vale-transporte dos terceirizados; falta de pagamento dos professores seletivos e prestadores de serviço há três meses; quadro de profissionais subdimensionado; além dos já  tradicionais problemas estruturais que acometem a maioria das escolas.
Sem merenda, equipes de apoio e professores suficientes, diretores de escolas municipais resolvem suspender ano letivo a partir de sexta-feira
Palavra oficial

O secretário Municipal de Educação, Walter Fonseca, reconhece as dificuldades enfrentada pelos gestores e faz questão de destacar que a suspensão do ano letivo da rede não partiu da pasta. “Mesmo reconhecendo as dificuldades existentes não é atribuição da secretaria esse tipo de decisão”, disse. O titular da  educação preferiu não dar mais declarações à reportagem alegando não ter participado de toda a reunião. Para a promotora de Educação, Zenilde Alves, o ato é uma oficialização do que já estava ocorrendo nas instituições de ensino. “Não tem condições de se manterem abertas sem uma equipe de apoio. Os gestores estavam tirando do próprio bolso”, avaliou. A representante do MP, acompanhada de uma comissão formada por representantes da comunidade escolar, tem audiência marcada com o juiz da 2ª Varada da Infância e Juventude na manhã de hoje. O encontro é uma forma de sensibilizar o magistrado na apreciação célere do pedido de bloqueio dos recursos da Prefeitura de Natal – feito pela promotora da sexta-feira passada, para garantir o final do ano letivo. “Não tem mais o que fazer. Corre o risco de se perder o ano letivo se as aulas não prosseguirem com urgência”, enfatizou.

Para piorar a situação, os servidores que atuam na limpeza nos Cmei’s anunciaram a paralisação total das atividades a partir de hoje, de acordo com informações apuradas pela reportagem. A falta de pagamento é o motivo.  A categoria programou uma reunião na sede do Sindicato dos Empregados em Empresas de Asseio, Higienização e Limpeza do Rio Grande do Norte (Sindlimp), às 14h de hoje.

Decisão anunciada

Durante boa parte da tarde de ontem, um grupo de gestores estiveram com o adjunto da Educação, Marcos Kleber Alves de Moura, e conversaram sobre as consequências da medida. “Essa decisão que tomamos é muito complexa e vai trazer prejuízos incalculáveis aos alunos. Sabemos que ela tem um peso muito grande no futuro dos estudantes a partir do momento que eles não possuem garantia que os dias serão repostos”, lamenta o diretor da escola Professora Teresinha Paulino de Lima (N. S. Da Apresentação), Wandell Santos. A diretora da escola Iapsara Aguiar (Panatis), Aldeize Pereira Costa, afirma que essa foi a única saída encontrada pelos gestores, que há muito estavam assumindo responsabilidades que são do poder público. “Agora a responsabilidade passou a ser da Secretaria de Educação, mostrando como essa decisão tem um peso grande”, exemplifica. Para Marcos Kleber, a secretaria ficou de mãos atadas desde que perdeu a autonomia de gerir as próprias finanças. Questionado sobre o motivo de ainda não ter havido um decreto de situação de calamidade na educação, disse informalmente que a suspensão do ano letivo pode servir para embasar essa decisão. É, assume, um grito de socorro.

Dividindo prejuízos

Todos os atores envolvidos no caos da educação municipal admitem que o prejuízo pedagógico não tem solução. “Todos os alunos estão prejudicados em relação a conteúdo independente dessa medida. O ano de 2012 foi muito conturbado e grande parte das escolas e Cmei’s estão com horário de funcionamento comprometido pela falta de condições”, avalia Ednice Santos. A presidente do Conselho Municipal de Educação explica que os problemas são semelhantes, mas não generalizados. Funciona como um cobertor mais curto que o necessário. “Tem escola que tem merenda, mas não tem merendeira. Ou então tem as duas coisas e falta gás”, exemplifica. Uma das escolas que sofre com a precariedade do sistema é a Henrique Castriciano (Brasília Teimosa). Eles estão sem porteiro, de acordo com o diretor, Altair Gama de Oliveira. A insegurança na falta de controle de quem entra e sai no prédio impede o funcionamento da escola. “O porteiro abandonou a escola. Ele está sem receber o salário e não tem créditos no cartão de passagem”, disse. Merenda não é problema. O estoque até que está bom. O problema é a falta de merendeira para manipular os alimentos. “Não tem que fique trabalhando sem receber dinheiro”, conclui.

O “X” da questão

Os alunos de escolas que participaram das greves ao longo do ano e, principalmente, os que estão no 9º ano serão os mais prejudicados. A previsão era que o fim das aulas nas escolas que não participaram de nenhum movimento paradista ocorresse entre os dias 20 e 21 de dezembro. Já para as que fizeram paralisação, a previsão era 13 de janeiro. Com a decisão tudo foi adiantado para 30 de novembro. Para minimizar os prejuízos, os gestores vão avaliar cada caso individualmente. Alunos já aprovados no terceiro bimestre, por exemplo, serão promovidos ao ensino médio. Facilitando dessa forma o ingresso no próximo bloco de estudos. Outras alternativas, como adoção de atividades não presenciais estão sendo pensadas. Apesar da suspensão das aulas os professores continuarão dando expediente.

Equação complexa

“O problema é tão complexo que não existe uma resposta imediata”, avalia a integrante da equipe de transição da próxima administração municipal e ex-secretária de educação de Natal, Justina Iva. Ela é o principal nome cotado para assumir a pasta na próxima gestão. Para ela é preciso um esforço multilateral para enfrentar a situação. “O volume de problemas e a natureza deles é tão assustador que somente de mãos dadas com a sociedade, alguns deles podem ser minimizados e só alguns pontos resolvidos, a médio e longo prazo”, pondera. Educadora, Justina Iva dimensiona a dificuldade dos diretores de escolas e Cmei’s tomarem essa decisão. “Só não ocorreu antes por causa da seriedade com que eles encaram a sua missão”, disse. Apesar dos problemas serem financeiros, Justina Iva afirma desconhecer o tamanho da dívida que a secretaria vai herdar na próxima gestão. A única informação que possui vem do relatório feito pela Procuradoria Municipal demonstrando a diferença de valores entre despesa empenhada e a realmente paga nos últimos meses. Esse valor é de R$ 90 milhões. “Mas isso não quer dizer que essa é a divida real”, destacou.

Ação e reação

Um pequeno grupo de professores, que prestam serviços à Prefeitura de Natal como substitutos e/ou temporários, realizou protesto em frente ao Palácio Felipe Camarão, sede do poder municipal, na manhã de ontem. Há três meses sem receber salários, os manifestantes escreveram no asfalto em letras garrafais palavras de ordem que resumem a intenção do movimento: “Educação. Não queremos favor, queremos nossos direitos (salários)”.

“Estamos aqui representando cerca de 500 professores, que estão em sala de aula com receio de represália. Os diretores ameaçam devolver os funcionários para a Secretaria de Educação caso parem de trabalhar”, disse a professora Cleide Andrade, que presta serviço há quatro anos para a Prefeitura. “Até hoje, desde que essa gestão assumiu, não recebemos um mês em dia, e hoje faz um mês que estivemos aqui para reclamar a mesma coisa”, lamentou. Cleide conta que a Prefeitura adotou a estratégia de atrasar um mês e pagar um “quando protestamos”. “Isso é uma forma de calar a boca dos professores”, avalia. A professora afirmou que a Prefeitura não está recolhendo corretamente o FGTS dos trabalhadores: “Estão descontando imposto do nosso salário, mas não recolhem”, aponta.

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