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“O Brasil continua mutilando”

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Por Anna Ruth Dantas

Conversar com o ex-atleta Luiz Cláudio Pereira é um aprendizado de superação e como as fatalidades da vida podem ser revertidas e transformadas. Atualmente o embaixador do esporte paraolímpico no Brasil, Luiz Cláudio traz a experiência de ter sido um atleta olímpico e paraolímpico.

Adolescente, tinha um desempenho no judô que o projetava a disputar uma olimpíada. Mas aos 16 anos se viu com o destino comprometido a partir de um acidente, em uma luta, onde ficou paraplégico. Recebeu o diagnóstico da paraplegia e de que nunca mais seria atleta novamente.

O futuro mostraria exatamente o contrário. Luiz Claudio Pereira, a partir do acidente, começou a praticar atletismo e ganhou diversos títulos mundiais. A partir do esporte ganhou voz na luta pela causa dos deficientes. “A importância para eu fazer o esporte, foi mais do que fazer o esporte foi tentar ser cidadão”, diz, em tom de reflexão.
Luiz Cláudio Pereira iniciou a sua carreira no judô Olímpico e durante uma luta sofreu um acidente que o levou para a cadeira de rodas
Ele critica a distribuição dos recursos destinados pelo Governo Federal para os atletas olímpicos e paraolímpicos. Pela legislação federal, 2% dos recursos das loterias vão para o esporte. “Desse total, 85% vai para os olímpicos e somente 15% vai para o paraolímpico. Mas apesar dos recursos a gente consegue fazer com que os resultados se multipliquem”, disse Luiz Claudio.
Ele reivindica que os clubes de grande porte possam dedicar departamentos para os atletas paraolímpicos. “Nós ficamos sobrevivendo com instituições criadas para nós e por nós. E isso é muito ruim porque fica meio segregando”, destacou.
O entrevistado de hoje do 3 por 4 é um campeão de muitas lições. Com vocês, Luiz Cláudio Pereira.

Quando o senhor reflete sobre sua trajetória, qual avaliação que faz por ter sido um atleta olímpico e um atleta paraolímpico?
Essa experiência, essa reflexão a gente faz todos os dias porque a cada dia a gente vê que o ontem passou e o dia que você vive você precisa se reestruturar para continuar no dia seguinte. O país continua sendo muito preconceituoso. A gente fica o tempo todo tentando dar conta de construir o que precisa ser construído. Eu tive uma experiência olímpica. Eu era lutador de judô. Em 1977 eu sofri um acidente e o diagnóstico era uma tetraplegia, uma lesão raquimedular e o prognóstico era uma vida improdutiva.

Como foi sua reação a partir desse diagnóstico?

Eu tinha 16 anos. Ainda não havia competido em olimpíada, mas estava me preparando. Já estava confederado, já era um atleta que caminhava para as competições, mas ainda não tinha um privilégio das olimpíadas. E isso me torna ainda mais importante porque me disseram (após o acidente) que eu jamais poderia ser atleta novamente. E eu supero, me supero, supero os diagnósticos e consigo ser um atleta paraolímpico. Então se eu não fui um atleta para uma olimpíada, fui um atleta para as paraolimpíadas. Então o destino já me reservava o compromisso de que a gente pudesse estar mostrando que não há limite para o ser humano. Assumi isso como uma bandeira de luta, como compromisso. Sofri o acidente em 1977, fiquei internado por dois anos e logo depois começa o ano internacional da pessoa com deficiência, que foi em 1981. Era o ano das políticas afirmativas. E aí sim existia um grupo muito grande de pessoas com deficiência excluídas da sociedade, querendo participar, mas sem os seus direitos confirmados. Achei que aquilo era uma coisa legal para estar reivindicando. Eu jamais pensei que pudesse ser atleta novamente, até porque já haviam me dito que atleta eu não poderia ser. Com os resultados positivos do esporte eu comecei a ser notado, observado. E aí foi uma escolha do segmento de pessoas com deficiência, foi uma bandeira e o esporte deveria ter o seu elemento que abriria as portas das reivindicações. Foi a partir disso e baseado na decisão política no mundo todo, comecei a fazer esporte não pelas medalhas, mas para justificar as outras questões. E isso foi uma coisa não combinada, mas foi montada no mundo todo. As Paraolimpíadas não são apenas uma competição, mas deixam um legado. Para que tenha as olimpíadas e paraolimpíadas o país precisa estar preparado para receber as pessoas. A gente mexe com a rede hoteleira, com o transporte, com o parque desportivo. Se vai ter olimpíada e parolimpíada. A importância para eu fazer o esporte, foi mais do que fazer o esporte foi tentar ser cidadão. Ele (o cidadão) tem que transformar. Esse foi o grande lance da minha vida. Em 1982 foi minha primeira competição em paraolimpíada. Naquela época para o esporte o Brasil só investia em deficiência menos severa, mais leve. E eu tinha deficiência mais severa, fomos ao Canadá e esse grupo de 14 pessoas trouxe 28 medalhas. Isso no Atletismo. Eu fazia judô passei a fazer Atletismo. Desde 1982 não deixei de viajar, não tinha recurso, não tinha uniforme, mas insistimos. E insistimos a ponto de hoje estarmos ousando dizer que em 2012 ficaríamos em sétimo no ranking mundial e ficamos em Londres. Agora em 2016 vamos tentar ficar na quinta melhor posição em 2016. E isso tudo é uma coisa que movimenta muito o país. Como pode os excluídos tentando fazer a diferença?

O deficiente ainda se sente excluído?

Ele ainda se sente excluído. A sociedade está percebendo. Hoje você tem 24 milhões de pessoas com deficiência no país. Isso aí equivale a no Brasil ter um país dentro só com pessoas com deficiência. É um contingente muito grande. Mas a gente ainda vê as pessoas excluídas. Veja o resultado das Olimpíadas e Paraolimpíadas. A lei destina 2% das loterias para as olimpíadas e paraolimpíadas. Desses 2%, 85% vai para os olímpicos e somente 15% vai para o paraolímpico. Mas apesar dos recursos a gente consegue fazer com que os resultados se multipliquem. Hoje somos a sétima maior potência paraolímpico. Resultado a gente tem. O que se cobra em um evento de grande porte é visibilidade e o Brasil tem. Por que os recursos não ocorrem na mesma proporção? Eles vêm de forma tímida. Hoje conseguimos ter uma loterias Caixa que financia em 4 anos 120 milhões. Agora o Brasil continua mutilando é na Constituição Civil, nos incidentes automobilísticos, nas amputações e esse grupo tende a aumentar. Quais as políticas que tem para esse segmento. A gente tenta mostrar que é possível fazer a diferença. Hoje conseguimos melhorar as próteses, órteses, cadeira de roda é mais leve. O esporte faz com que venhamos com a medalha no peito, mas faz também com que a gente venha com a cidadania e distribua isso. Há um contingente muito grande, mas as políticas vêm de forma tímida, mas já está chegando.

Quem consegue se tornar um atleta parolímpico conquista a atenção. Mas quantos deficientes há que ainda não tiveram incentivo para enveredar pelo esporte.
Isso é muito grande (o número de pessoas que ainda não conseguiram entrar no esporte por falta de incentivo). A gestão ainda não consegue chegar na base e também não consegue atender aqueles de autorrendimento. Temos atletas medalhados ou com possibilidade de medalha e que a atenção não chegou a ele. É um tratamento muito perverso. Hoje no esporte paraolímpico se considera apenas a medalha de ouro, prata e bronze é como se não existisse. Para nós a exigência da medalha de ouro é muito grande. Para que a gente consiga manter isso é preciso chegar na base. Hoje os clubes que existem no país eles não têm, na sua grande maioria, departamento para pessoas com deficiência. Quem cuida deles são as próprias instituições de pessoas com deficiência. Faz-se necessário que os clubes de grande porte, que tem atletismo, pudesse ter departamento para inserir a gente também. Nós ficamos sobrevivendo com instituições criadas para nós e por nós. E isso é muito ruim porque fica meio segregando. É claro que melhoramos bastante do que na década passada. Agora precisamos pensar em muitos atletas que tinham um resultado nato, já nasceram com o esporte na veia. Mas esse resultado nato está acabando porque cada ano que passa os recordes vão acontecendo. O lado gostoso da nossa história é buscar o desafio e dobrar o desafio. O conjunto é muito legal: a gente faz esporte, modifica o país e, mais importante, a gente não se exclui no nosso próprio país. O país precisa ser acessível a todos.

Como o senhor desenvolve o trabalho a partir desse posto de “embaixador do esporte paraolímpico”?

É meio que me foi imposto pela vida. Ninguém me pediu autorização e nem eu desejei. Quando vi já estava envolvido. Eu saí de casa com 16 anos para uma competição de judô, ganhei medalha de ouro nessa competição. Logo depois fui para o outro lado da história (o acidente que o deixou paraplégico). Não desejei, mas já que está vamos tocar a vida. Aconteceu. Foi uma fatalidade. Eu poderia aceitar o diagnóstico e prognóstico ou fazer diferente. Fiz diferente. Não desejei, mas que bom que aconteceu. Esse cargo meio que de embaixador ou representação faz a necessidade. Ela (a necessidade) faz com que a gente reivindique nossos direitos. Hoje mais do que a lei, há o desejo da aplicabilidade. Não adianta só ter lei, tem que ser cumprida. Nós somos muito maltratados nas empresas aéreas. É preciso que a gente reveja algumas coisas, principalmente o transporte aéreo. A cada ano as empresas (aéreas) estão se desqualificando. No hino nacional diz “dos filhos deste solo és mãe gentil”. A mãe não tem sido muito gentil, mas também diz que os filhos teus não fugirás a luta e isso está ocorrendo. Não estamos fugindo a luta.

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