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O clamor que vem das vacarias

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Andrielle Mendes – Repórter de economia

O produtor de leite potiguar é, antes de tudo, um forte, parafraseando Euclides da Cunha, autor de Os Sertões, que eternizou a saga de Antônio Conselheiro e milhares de sertanejos numa terra seca e sem perspectiva. Afligido  pela crise, o produtor potiguar clama por ajuda.

Praticamente inexistente há 20 anos, a atividade leiteira potiguar cresceu, se estagnou e agora começa a perder mercado. A observação é do presidente do Sindicato dos Produtores de Leite, Carne e Derivados (Sinproleite), Lirani Dantas. O Rio Grande do Norte já chegou a ter o melhor preço do Brasil (preço competitivo e lucrativo). Hoje,  acompanha a média nacional (preço baixo e nada lucrativo). O setor avançou nos últimos dez anos, resultado da implantação da cadeia produtiva, impulsionada pelo Programa do Leite, do governo estadual. A produção anual subiu 140%, passando de 91,25 milhões em 2000 para 219 milhões em 2010; a produtividade por vaca dobrou nos últimos dez anos e o número de usinas fornecedoras de leite cresceu 1.200%, passando de duas em 2000 para 26 em 2010.

O crescimento da produção foi reflexo da combinação entre melhoramento genético e alimentício do rebanho. Por dia, o RN produz cerca de 600 mil litros de leite, média que caiu para 450 mil devido ao atraso no pagamento do Programa do Leite. Deste total, cerca de 150 mil litros vai para o governo do estado; 300 mil para queijeiras (principalmente do Seridó) e 150 mil para fábricas de bebida láctea ou vendido in natura porta a porta. A cadeia produtiva do leite potiguar, segundo cálculos do Sinproleite, pode empregar até 750 mil pessoas.

produção

O RN possui 25 mil propriedades produtoras de leite. Cada propriedade pode gerar 3 empregos diretos e 10 indiretos. Segundo dados do Sinproleite, o RN possui aproximadamente sete mil produtores de leite. Deste total, 3,5 mil vendem a produção para o governo do estado. Apesar de sua capacidade produtiva, o RN tem pequena participação na produção regional e nacional. Responde por apenas 6,18% da produção do Nordeste e 0,81% da produção do Brasil, segundo dados da Emater/RN.

Com uma indústria láctea pouco desenvolvida, importa leite em pó, longa vida, leite condensado e queijo fino. Segundo Acácio Brito, gestor do Projeto Leite e Derivados  e do Projeto Leite Nordeste do Sebrae/RN, o  setor enfrenta uma crise temporária. “No ano passado, uma estiagem muito rigorosa  atingiu todo o estado, principalmente as regiões mais úmidas, como Potengi e Agreste. A crise do Programa do Leite, com o atraso do pagamento aos produtores, teve um impacto muito grande na cadeia produtiva”, afirma.

Atrasando o pagamento, o governo do estado, principal comprador de leite no estado,  provocou um efeito dominó, atingindo toda a cadeia produtiva. Para não perder o leite, produtores estão procurando queijeiras e vendendo leite in natura porta a porta com o preço abaixo do praticado pelo mercado. “O atraso no pagamento é um verdadeiro Tsunami. Sai derrubando o que tem pela frente.  É duro para aguentar. Tem produtor de leite vendendo a vaca para pagar as contas e usinas fechando as portas”, diz Lirani Dantas.

Segundo o diretor da Emater, Ronaldo Cruz, o governo pagou a segunda quinzena de dezembro, as duas de janeiro e a primeira de fevereiro. Nem todos os produtores receberam o pagamento devido a erros no envio da documentação. Agora o governo iniciou o pagamento da segunda quinzena de fevereiro. Resta pagar R$10 milhões, dívida deixada pela gestão anterior. O próximo passo, segundo Ronaldo, é agendar uma reunião com os produtores e definir um novo calendário de pagamento.

Problemas de mercado prejudicam áreas como Angicos

Em Angicos, 500 famílias sobrevivem com a renda obtida com o leite bovino e caprino. A situação se complicou com o atraso no pagamento. “Tem produtores deixando o setor, outros pensando em deixar”, relata Marconi Angicano, presidente da Associação dos Pequenos Agropecuaristas do Sertão de Angicos. Por dia, os 500 produtores   vendem 16 mil litros de leite bovino e quase cinco mil litros de leite caprino para o governo – 60% de todo leite bovino e 100% de leite caprino produzido. O restante vai para as queijeiras ou é vendido in natura. “Ao longo desses anos, foi construída uma bacia leiteira no Rio Grande do Norte. Investiram numa cadeia produtiva, que hoje está consolidada e forte, mas a qualquer momento pode desaparecer”, teme.

Para Marconi, o problema não é o mercado. Mas a falta dele. “O problema é que dependemos apenas do governo. Não entramos em outro mercado. Mas isso não é coisa que se conquista do dia para noite. É preciso dar o primeiro passo. Esta crise preparou todo mundo. O produtor está com outra visão, está buscando outros caminhos”. De acordo com Marconi, os produtores estão fornecendo leite para o governo, porque não tem o que fazer com o leite. “Vai chegar um ponto em que vai faltar. O produtor não tem como bancar a produção. Estamos arcando com os custos sem ter de onde tirar o dinheiro. A gente já apelou para todo mundo. Falta apelar apenas para Deus”.

Desolado, o sertanejo ergue os braços para o céu e reza para São José mandar chuva e fazer crescer o capim. “O sertanejo acredita demais, tem muita fé, fé de que tudo vai melhorar. Moramos numa região muito seca, sem oportunidade. A única oportunidade é produzir leite. Mas precisamos de apoio, incentivo. Se não apoiarem vai ser um problema seríssimo. Se o programa do Leite acabar vai ser o caos. Não podia ser diferente. A produção leiteira é a principal atividade econômica do Alto de Angicos”.

Pesquisa pode ajudar no fortalecimento do setor

Apesar da crise, nem tudo está perdido. Como num esforço conjunto, vários órgãos, entidades e instituições de ensino estão trabalhando para fortalecer o setor.

Dezenas de pesquisadores da Universidade Federal do Semiárido (Ufersa) estão rompendo os muros da universidade e partindo em direção às propriedades rurais. Há pouco mais de cinco meses, estudantes de Zootecnia da Ufersa, coordenados pela professora Dra. Patrícia de Oliveira Lima, estão visitando 14 propriedades rurais em Pendências e Alto dos Rodrigues, no Vale do Açu. Integrantes do projeto “Gerenciamento e Transferência de Tecnologia em Propriedades Leiterias do Vale do Açu”, financiado pelo Banco do Nordeste, estão levando conhecimento para os pequenos produtores de leite. 

“Nosso objetivo é fazer um diagnóstico da cadeia produtiva de uma das bacias leiteiras mais importantes do estado e transferir tecnologia para os pequenos produtores”, afirma Patrícia Lima. Para ela, a falta de tecnologia e conhecimento técnico é o principal entrave do setor. “Os produtores carecem muito deste tipo de assistência”. Por outro lado, segundo a professora, os órgãos de assistência técnica não conseguem atender a demanda.

Segundo Patrícia, zootecnista, Doutora em Produção e Nutrição de Ruminantes com área de concentração em Bovinocultura Leiteira, a maioria dos produtores visitados é agricultor familiar e não usa nenhuma tecnologia.  O projeto, que tem duração de dois anos e pode ser renovado por mais 1 ano, prevê  capacitação dos produtores, visitas periódicas as propriedades e transferência de tecnologia. “Os produtores só atentam para a quantidade de leite no balde. Não entendem que o leite no balde é o final da história. Até chegar no balde há uma série de fatores que são relegados por falta de conhecimento”.

Estudo fará diagnóstico em  Apodi

Projeto iniciado, o grupo de pesquisadores se prepara para desenvolver projeto semelhante em Apodi.  O estudo “Diagnóstico da Bovinocultura Leiteira no Município de Apodi-RN: aspectos técnicos e econômicos” também será financiado pelo BNB e terá duração de dois anos. Através do projeto, os pesquisadores querem mostrar que  ações simples e baratas, como cuidar da higiene na hora da ordenha, podem melhorar a qualidade do leite e até aumentar a produção. “Visitamos produtores de leite tão carentes, em termos de assistência e conhecimentos, que em dois ou três visitas a gente já nota mudanças. Eles abrem as portas com a maior boa vontade. Recebem a equipe e escutam todas as nossas recomendações. Mesmo que não aumentem a produção, vão conseguir aumentar a qualidade do leite”, afirma a pesquisadora. Para Patrícia, a proposta da Ufersa é pretensiosa. “Queremos melhorar alguma coisa. Temos consciência que não vamos realizar mudanças radicais, pois elas são insustentáveis. Queremos conhecer o dia a dia do produtor e propor mudanças palpáveis, simples e baratas. Queremos acabar com o mito, segundo o qual tecnologia é  cara”. Patrícia Lima, coordenadora do projeto, prefere não classificar o cenário atual “para não chatear os produtores de leite”. Diz apenas que os pesquisadores tem um campo vasto para trabalhar tamanha a demanda e dificuldades do setor. Segundo ela, os produtores de leite precisam de muito da assistência. 

“Eles não tratam o negócio como uma empresa. Por isso, sofrem muito com as adversidades. Pode sobrevir a maior seca do mundo, o governo dar o maior calote, eles não abandonam a atividade. Isso  é cultural. Muitos só sabem viver disso.  Está na alma. Não adianta. A adversidade não faz com que eles mudem a atividade, só os fazem sofrer mais”.

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