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“O crack destruiu a minha vida”

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Fred Carvalho – enviado a Caicó

“O crack destruiu a minha vida. Cheguei a roubar correntes de ouro da minha mãe para trocar por pedras”. O desabafo, na realidade um drama, por si só, ganha proporção na boca de quem o faz. É um menino de apenas 13 anos de idade,  viciado em drogas. Foram suficentes apenas três meses para que ele tivesse o seu futuro mudado completamente.

Debilitado,  menino de 13 anos, de Caicó, está viciado em crackO menino mora com a mãe, e um irmão mais velho,  em uma casa simples, em reforma, no Centro de Caicó. A reportagem da TRIBUNA DO NORTE tomou conhecimento do caso na última quinta-feira  por meio do médico psiquiatra Salomão Gurgel Pinheiro, prefeito de Janduís, que tem uma clínica em Caicó.

Através do microblog Twitter, Salomão Gurgel disse estar “estarrecido” com a situação do menino. “Psiquiatra, mesmo assim fiquei estarrecido com o estrago causado pelo crack em criança de 13 anos. 3 meses de uso e pura loucura!”, postou o médico.

A reportagem chegou à casa do menino pouco antes do meio-dia da sexta-feira passada. A mãe do menor, a doméstica Maria, de 45 anos, foi quem recebeu a equipe.  Após uma breve apresentação,   ela mostrou o filho dormindo – sob forte dopagem – em um colchão no chão da sala. Em seguida, chorando, a mãe implorou: “Por favor, me ajude!”.

O pedido é de uma mulher que teve a vida mudada nos últimos três meses. “Morava em Natal e há dez anos, após a minha separação, resolvi vir para Caicó. Lutei muito para dar o melhor aos meus filhos e tudo caminhava bem até três meses atrás, quando o crack entrou na vida do meu filho e devastou a   todos nós aqui em casa”.

Maria disse que não trabalhava desde o sábado da semana passada, quando foi tirar o filho de dentro de uma boca-de-fumo. “Ele saiu de casa naquele sábado e pouco depois soube que estava nessa boca. Fui até lá e o trouxe na marra para casa. Desde então eu tenho mantido ele numa espécie de prisão domiciliar, sem deixar nem ir para a calçada”.

A doméstica disse que o filho foi aliciado por um homem que vendia sorvete na rua dela. “Meu filho sempre foi um bom aluno, mas de uma hora para a outra começou a faltar às aulas. Essa foi a primeira mudança que notei. Poucos dias depois, eu o vi com esse tal homem. Perguntei quem era, mas ele me falou que se tratava apenas de um amigo. Passados mais alguns dias, vi que na verdade aquele homem havia dado crack para o meu filho e agora estava mandando o menino roubar as coisas de dentro de casa para sustentar o vício”. Esse homem, identificado por Maria,   já teve sua identidade revelada à Polícia e ao Ministério Público de Caicó.

Segundo Maria, o filho admitiu já ter praticado furtos em mercadinhos do centro de Caicó para trocar por pedras de crack. “Devido a esse envolvimento dele com drogas, o meu filho passou a ser visto como um criminoso. Agora mesmo, pouco tempo antes de vocês chegarem, alguns policiais estavam aqui para saber se ele tem alguma coisa a ver com o roubo de um notebook. Mas como passou a semana trancado em casa, não poderia ter feito nada disso”.

Já roubei 2 correntes de minha mãe

Maria, a mãe do menino, disse que a maior dor que sente é quando o filho, em crise de abstinência, pede para ela ir à boca de fumo comprar crack. “Ele me implora para eu ir comprar a droga. Depois pega um pedaço de cano PVC, coloca papel alumínio, e diz que já está pronto para fumar o crack, mas que falta a pedra. Isso corta o meu coração”.

Chorando, a doméstica também lamenta o fato de o filho mais velho, de 19 anos, estar prestes a largar o sonho de ser sargento do Exército para ajudá-la nos cuidados com o irmão. “Esse meu filho estudou muito e conseguiu passar num concurso. Mas já disse que prefere ficar aqui ao meu lado para me ajudar. Eu não sei mais o que fazer”.

Nessa hora, o menor viciado acordou. Visivelmente sob efeito dos medicamentos receitados pelo psiquiatra Salomão Gurgel, ele aceitou conversar com a reportagem. “Mas só se for bem rapidinho, porque eu tô numa lombra danada”.

Em seguida, começou a falar: “Eu já fumava cigarro antes de começar no crack, quatro semanas atrás”. Corrigido pela mãe da data em que começou a fumar crack,  ele se espantou: “Já faz quatro meses que eu fumo crack, mãe?”, questionou, mostrando ter perdido um pouco a noção do tempo.

Neste momento, o menino pôs a mão sobre a barriga e disse: “Agora mesmo estou na instiga, na tara. É um negócio pedindo pra mim   fumar. E essa vontade dá cada vez mais, e mais, e mais”.

Indagado se já  roubou  a própria mãe, ele confessou. “Já sim. Já roubei duas correntes de ouro da minha mãe para trocar por 20 pedras de crack. Fumei umas cinco e vendi o restante para outros meninos lá perto da boca”.

Pela pouca idade, ou por estar dopado, o menino não articulava bem as frases. Após alguns instantes de silêncio, falou: “O cara que entra na primeira vez, já tá viciado. Foi o meu caso. Fui no médico porque meu estado é devastador. Quero ajuda, quero deixar o vício”.

Mostrando cansaço, o menino pediu para sair. Antes, respondeu o que o crack provocou na vida dele: “Quero que Deus tenha piedade dessas pessoas que me eram crack, porque elas não sabem o que fazem. O crack destruiu minha vida”.

Psiquiatra admite que caso do menino é de “difícil solução”

O psiquiatra Salomão Gurgel admitiu que o problema do menor caicoense viciado em crack é de “difícil solução”. Segundo o médico, o menino sofre constantemente com “crises de pânico, angústia, inquietação e decadência moral cada vez mais contundente”.

“O quadro dele é crítico, preocupante. Sou psiquiatra desde 1981 e confesso que nunca vi uma situação dessas. Já tratei de muita gente com problemas com drogas, mas eram adultos, pessoas que me procuraram de forma espontânea depois que viram a degradação em que se encontravam. Agora estamos falando de um menino de apenas 13 anos, que está definhando devido ao consumo de crack”.

Salomão Gurgel disse que se impressionou com a dosagem de antipsicóticos que teve de administrar. “Por coincidência, quando estava analisando o menino pela primeira vez, na quinta-feira passada, ele teve uma crise de abstinência. Para acabar com essa crise, tive de dar uma alta dosagem de antipsicóticos. Foi uma dose que costumo dar para um adulto viciado há muitos anos, mas para aquele menino parecia água”.

Segundo Salomão, “o menino precisa passar um tempo em uma clínica de recuperação onde seria desintoxicado, para, em seguida, ter um acompanhamento médico e psicológico. Mas é bom lembrar que isso não é tão fácil assim. É um tratamento de longo prazo”.

Acredito na recuperação do menino

O promotor da Infância e Juventude de Caicó, Vicente Elísio de Oliveira Neto, disse que vai requerer uma autorização judicial para que o menino viciado em crack seja submetido a   tratamento em uma Fundação caicoense.

Em entrevista exclusiva à TRIBUNA DO NORTE, o representante do Ministério Público falou da situação das drogas – principalmente o crack – na cidade e disse acreditar na recuperação do menino.

Qual a real situação das drogas aqui em Caicó?

“No exercício das atribuições da Promotoria da Infância e Juventude, nós identificamos três graves problemas entrelaçados: a infrequência e a evasão escolar, que, segundo pesquisa, atingiu em 2008 um total 25% de alunos matriculados na rede pública estadual de ensino em Caicó; o abuso e a exploração sexual infanto-juvenil; e o incremento no consumo de drogas, particularmente do crack, por crianças e adolescentes”.

Como se soluciona isso?

“Tais questões devem ser enfrentadas, segundo a Constituição em vigor, pelos poderes públicos e por toda a sociedade”.

Caicó oferece condições para isso?

“Como necessidades urgentes, identificamos a criação de uma Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente no Seridó, vez que só temos uma em Natal; o fortalecimento dos Conselhos Tutelares da Comarca de Caicó; o fortalecimento da 1ª Promotoria de Justiça de Caicó com atribuições nas áreas de Família, Infância e Juventude, Deficientes e Idosos, que conta apenas com um promotor e um servidor público; a mobilização da comunidade, com a criação do Conselho Municipal Antidrogas, o que já estamos articulando juntamente com o promotor Criminal Geraldo Rufino; e o funcionamento de serviços especializados no atendimento a crianças e adolescentes dependentes e substâncias entorpecentes”.

Qual seria a atribuição dessa nova delegacia?

“Ela investigaria os crimes de qualquer natureza cujas vítimas sejam crianças ou adolescentes, o que incluiria o aliciamento e o tráfico de drogas, uma vez que não temos, na região, nenhuma Delegacia de Narcóticos”.

Caicó oferece algum tipo de clínica de reabilitação para usuários de droga?

“Nós temos a Fundação Belo Amor”.

Ela trata também pessoas viciadas em crack?

“Não especificamente. Não há um tratamento especializado para dependência do crack”.

Em relação ao menino  viciado em crack, o que será feito?

 “Já recebemos a genitora do adolescente esta semana e ela nos solicitou uma autorização judicial para que seu filho fosse submetido a tratamento na Fundação Belo Amor e na próxima segunda-feira (amanhã) apresentaremos o requerimento ao juiz da 2ª Vara Cível da Comarca, uma vez que, em regra, a Fundação somente aceita pessoas com mais de 16 anos de idade”.

O senhor acredita que esse menino tem recuperação?

“O sucesso de qualquer tratamento depende da disposição de vontade de quem deseja se livrar do vício. Até o momento demonstra o desejo de retomar a sua vida anterior”.

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