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O direito judicial para Benjamin N. Cardozo

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Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República

Ultimamente, tanto em razão do meu doutorado como pelo fato estar atuando perante um colegiado (no caso, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região), tenho tentado entender melhor qual o papel do juiz na formulação do Direito. Tenho lido sobre o assunto, mas o que tenho encontrado são opiniões das mais variadas. Antes de mais nada, dependendo do “approach” (como dizem os ingleses), da forma como o estudioso encara o Direito (se é um naturalista, um positivista ou um realista, apenas para dar alguns exemplos), sua visão, quanto a esse papel, pode variar incomensuravelmente.

Dentro desse contexto, uma das opiniões mais interessantes que encontrei foi a de Benjamin N. Cardozo (1870-1938), outrora juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos da América e um dos maiores juristas que aquele país produziu. O melhor de Cardozo está exatamente no fato de que sua visão do papel do juiz não esta vinculada a uma só corrente jurídica; pelo contrário, está caracterizada pelo ecletismo, enxergando o Direito por uma perspectiva mais variada. Como se verá, ele não se amolda completamente ao realismo. Sua adesão ao positivismo, por alguns defendida, é controversa, já que ele indica o bem-estar social como o fim último do Direito, afirmando que uma regra jurídica em oposição àquele fim não é justificável (um nítido viés naturalista).

 Preocupado com entender a atividade do julgador, ele explicou sua visão em aulas na Yale University, depois publicadas com o título “The Nature of Judicial Process” (Yale University Press, 1921), obra que se tornou um clássico. É um dos lemas do ilustre jurista: fácil é explicar, em teoria, a interpretação da lei ou a evolução histórica do common law; difícil é explicar como os juízes, efetivamente, decidem os casos postos ao seu conhecimento. E como é difícil, acrescento eu.

Cardozo faz críticas a ambas as teorias sobre o papel do juiz e das decisões judiciais na formulação do Direito – declarativa e constitutiva –, mostrando o perigo da adoção irrestrita de qualquer delas. Ele diz (aqui traduzo trechos do livro acima citado): “Ao reconhecer, como eu faço, que o poder de proclamar o Direito traz consigo o poder e, dentro dos limites, o dever de criar Direito quando não existe Direito algum, não pretendo alinhar-me aos juristas que parecem sustentar que, na realidade, não existe Direito algum que não as decisões dos tribunais. Acho que a verdade está no meio do caminho entre os extremos que são representados, de um lado, por Coke, Hale e Blackstone e, do outro, por autores como Austin, Holland, Gray e Jethro Brown. A teoria dos autores mais antigos era a de que os juízes não legislavam de maneira alguma. Uma norma preexistente estava lá, encravada, porém escondida, no conjunto do Direito Consuetudinário. Tudo que os juízes faziam era tirar os mantos e expor a lei à nossa visão. Desde os tempos de Bentham e Austin, acreditava-se que ninguém aceitava essa teoria sem alguma dedução ou reserva, muito embora, mesmo em decisões modernas, encontremos traços de sua duradoura influência. Hodiernamente, há maior perigo de um outro erro, que é o oposto. Afastando-se da opinião de que o Direito nunca é feito por juízes, os defensores da análise austiniana foram conduzidos, às vezes, à conclusão de que nunca o Direito é feito por outra pessoa. Os costumes, não interessa quão firmemente estabelecidos, não são Direito, eles dizem, até serem reconhecidos judicialmente. Mesmo as leis em sentido estrito não são Direito, porque os tribunais precisam estabelecer seu sentido”.

Afirmando que reconhece “a criação do Direito pelo juiz como uma das realidades existentes da vida”, Cardozo pergunta: “Onde o juiz encontra o Direito que incorpora em seu julgamento?”. E responde: “Há momentos em que a fonte é óbvia. A regra que se enquadra no caso deve ser fornecida pela Constituição ou por lei”.

Entretanto, ele afirma mais adiante: “É verdade que códigos e leis não tornam o juiz supérfluo nem seu trabalho perfunctório ou mecânico. Há lacunas a serem preenchidas. Há dúvidas e ambiguidades a serem esclarecidas. Há dificuldades e erros a serem mitigados, se não evitados”. Em tais casos, para decidir, o juiz, segundo Cardozo, faz uso de várias ferramentas: a analogia, a história, os costumes da comunidade, as convenções da época, ou mesmo conceitos ainda mais vagos como Justiça, Bem-Estar Social e Moral. De minha parte, eu ainda acrescento que o ele faz uso de seus próprios preconceitos e, em alguns tristes casos, de coisas inconfessáveis.

Os juízes – Cardozo se reconhece como um deles – usam dos “critérios” acima referidos, de todos ou de apenas um deles, a depender das circunstâncias do caso em julgamento. E, assim, do trabalho de preencher lacunas – ou seja, do processo utilizado pelo juiz para decidir um caso em que não há uma segura referência preexistente (lei ou mesmo decisão judicial anterior) – surgem decisões que criam algo novo, que “make new Law”.

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