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O erotismo na literatura

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Ivan Maciel
Advogado

Não gosto dos romances que exploram o erotismo pelo erotismo, com nítidos fins comerciais. Mas considero preconceituosas e obscurantistas as atitudes de rejeição e condenação de autores e livros que cultivam esse filão editorial. Muito embora seja forçoso reconhecer que os romances eróticos que conseguem, nos dias atuais, sucessos retumbantes de venda não passam de subliteratura da pior espécie. É o caso emblemático do livro (e respectivo filme) “Cinquenta tons de cinza”, com seus desdobramentos ou reincidências, já que se trata de uma trilogia, best-seller da inglesa Erika Leonard James. O livro atingiu, segundo os sexólogos, o imaginário de um público sexualmente reprimido e insatisfeito e manipulou valores globalizados – posição social, fortuna, beleza – que estão na base do consumismo da sociedade contemporânea. Tinha tudo para obter o êxito monumental que alcançou.

Mas não poderemos esquecer que alguns romances que estão entre as melhores obras da literatura universal foram vítimas de perseguição, fruto da incompreensão e da intolerância. A sua publicação chegou a ser proibida em diversos países, durante bastante tempo. É o caso dos romances hoje clássicos – “O amante de Lady Chatterley”, de D. H. Lawrence e “Lolita”, de Vladimir Nabokov.

Outro caso significativo é o filme “Último tango em Paris”, de Bertolucci, que tanto escândalo provocou, mundialmente, nas décadas de 70 e 80: a sua exibição foi impedida ou cortadas cenas tidas como indecentes e obscenas. Hoje, o que sustenta a duvidosa atualidade do filme é a interpretação de Marlon Brando e os dramas existenciais de seu personagem. É comum – ironia das ironias – que plateias, atualmente, riam das supostas cenas eróticas do filme, por achá-las cômicas ou ridículas.

Na correta opinião de Vargas Llosa: “Não existe grande literatura erótica; ou, melhor dito, a grande literatura nunca foi somente erótica, ainda que se duvide de que exista grande literatura que, além de outras coisas, não seja também erótica”. São, porém, situações diferentes e inconfundíveis. 

Há romances que contêm cenas de sexo revestidas de grande sensibilidade, com um caráter poético que (embora pareça contraditório) as espiritualiza, sem que percam as suas características de “amor físico” levado à quintessência do prazer. Exemplifico com “O museu da inocência”, de Orhan Pamuk, um romance que consolida o renome do autor (Nobel de Literatura) como talentoso e criativo ficcionista, um dos mais populares escritores de nossos tempos. Esse belo romance retrata também, de forma sentimental e ao mesmo tempo crítica, a sociedade e as instituições do país onde nasceu Pamuk, a Turquia de numerosos desafios político-religiosos e de tantas e tão exuberantes tradições. 

É natural que, por convicção, algumas pessoas se abtenham de ler obras que considerem indecorosas: trata-se de uma opção individual. Até mesmo o bom gosto literário justifica o desinteresse por esse (bem-sucedido) tipo de ficção. Mas não se pode subestimar nenhum tipo de leitura num país com índices tão vexatórios e alarmantes: 70% dos brasileiros não leram sequer um livro em 2014. De resto, nem sempre é possível distinguir o erotismo a serviço da estética do meramente pornográfico.

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