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O fogo cruzado dos corais

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Yuno Silva
Repórter

Os corais entraram numa sinuca de bico. O trocadilho não é por acaso: o diretor geral da Fundação José Augusto, Rodrigo Bico, está no meio de um fogo cruzado ‘vocal’ ainda longe de arrefecer. De um lado a legitimidade do Coral Canto do Povo, fundado em 1988 e formado por servidores públicos concursados; do outro a recém-criada Camerata de Vozes do RN, grupo que ganhou corpo em 2012 a partir de dissidentes do primeiro grupo. Em volta um caldo fervente de ânimos exaltados e egos feridos que Bico tenta apaziguar com diálogo e bom senso. Os dois corais são vinculados ao Governo Estadual, os dois estão incompletos e ambos foram organizados pelo Padre Pedro Ferreira – que não mede esforços para manter o controle sobre o coro da Camerata. E assim se configura o racha.
Dissidentes do Coral Canto do Povo criam a Camerata de Vozes do RN, cujo projeto de oficialização está tramitando no Gabinete Civil. O racha, além de provocar o desfalque de dois grupos, deixa claro a crise no departamento de música da Fundação José Augusto
Na época, em 2011 e 2012, Padre Pedro acumulava as regências do Canto do Povo e da Orquestra Sinfônica do RN. Diante das necessidade de sempre ter que convidar músicos e cantores para realizar concertos, sugeriu que os grupos fossem reduzidos. Como a proposta não foi aceita, a OSRN encontrou uma solução interna e passou captar recursos via leis de incentivo para garantir seu cronograma de atividades, enquanto o Canto do Povo se dividiu.

O imbróglio ainda envolve o Sindicato dos Músicos do RN, que considera ilegal a regulamentação da Camerata sem a abertura de um concurso público. “Ou abrem um novo concurso para atender o novo grupo ou explicitam os critérios utilizados na seleção dos integrantes da Camerata”, sentencia o baixista Paulo Sarkis, vice-presidente do SindMusi-RN.

O modo como a minuta que busca oficializar a Camerata foi originada também deixa margem para questionamentos: pela ordem natural das coisas, o documento deveria ter sido redigido pelo setor jurídico da FJA; mas a tramitação começou via Gabinete Civil após articulações políticas do Padre Pedro Ferreira, que atropelou um entendimento que vinha sendo costurado por Rodrigo Bico com as partes interessadas.

“Hoje o Governo do RN tem dois corais: um oficial e outro criado via portaria (durante gestão da professora Isaura Rosado na FJA). No meu entendimento a melhor opção seria, em vez de termos dois corais desfalcados, ter um único grupo fortalecido”, avaliou Bico. Outra possibilidade “interessante” ventilada pelo gestor, que chegou a sugeriu a união dos grupos ou ainda manter os dois com ensaios escalonados, seria regulamentar a Camerata e abrir novo concurso para completar os dois corais – cada grupo tem em média de 16 a 18 integrantes, quando o tamanho ideal seria ter entre 35 e 40 vozes.

“Mas o Estado está em condição de fazer isso (abrir novo concurso)? E como fica a situação do  Canto do Povo?”.

Rodrigo Bico informou ao VIVER que a situação atual da ‘sinuca vocal’ é a seguinte: a minuta encaminhada pela Controladoria Geral para o Gabinete Civil já está no departamento jurídico da FJA para análise e parecer. “O texto que recebemos fala sobre criação de cargos, mas não temos detalhes se trata-se de cargos novos ou remanejados. O que temos de concreto é que a FJA vai fazer tudo com muita calma para não gerar um conflito jurídico, para depois, se for o caso, dar condição de trabalho aos dois grupos”.

Regente questiona criação de novo grupo
Janilson Batista da Silva, que deixou o naipe dos baixos para assumir a regência do Coral Canto do Povo, faz parte do grupo desde a fundação em 1988. Ele, assim como Sarkis e Bico, reconhece a importância do Padre Pedro Ferreira para o cenário vocal do RN, mas sua versão para o racha dos corais é diferente. “Em 2011 vivíamos um momento crucial para os servidores, estávamos na luta para garantir a implementação do Plano de Cargos e Salários pelo Governo e entramos em greve. Padre Pedro não gostou, ele planejava um grande concerto para autoridades eclesiásticas que iriam se reunir em Natal no final daquele ano que acabou não acontecendo. A partir daí o grupo se dividiu”.

Segundo Janilson, a justificativa para criar um novo grupo foi que seria formado por vozes de excelência. “Qual o critério para selecionar esse grupo de excelência? Todos passamos no mesmo concurso, todos recebemos contracheque pelo Coral Canto do Povo”, informa.

Janilson acrescentou que foi feito um acerto, logo no início da atual gestão da Fundação José Augusto, para que o coro desfalcado do Canto do Povo aguardasse até o meio do ano – a Camerata estava com agenda marcada até julho. “Aí há cerca de uma mês começou essa batalha jurídica. O Padre Pedro aceitou a proposta de unir os dois grupos, mas articulou a minuta direto com a Governadoria”.

José Marinho, assistente administrativo da Camerata, rebate as críticas: “Se estão reclamando que a Camerata está ilegal, a regulamentação está aí para regularizar isso. Esse é um argumento do SindMusi-RN, que não representa nenhum dos coralistas da Camerata”, disse.

Marinho confirma divergências internas quando o Padre Pedro estava à frente do Canto do Povo, mas nega que o novo grupo tenha sido formado por pessoas preteridas pelo regente. “Não houve preterimento por ninguém, foi feito um convite para quem quisesse participar da Camerata. É uma falácia dizer que quem fez greve ficou no coral Canto do Povo; também não é verdade que a Camerata foi criada por vozes de excelência. Como pensar nisso sem a presença de (cantora) Hilkélia, que está no Canto do Povo?”, questiona.

O assistente do Padre Pedro Ferreira lembra que a proposta de unir os dois grupos é complicada pois “o Padre disse que há muita animosidade contra ele dentro do Coral Canto do Povo e que acaba refletindo nas redes sociais”. Qual será a próxima tacada para sair dessa sinuca?

“Grupo pacífico”
O Padre Pedro Ferreira preferiu não comentar os episódios recentes, “não seria de bom tom”, mas lembrou à reportagem da TRIBUNA DO NORTE que tem experiência na área: “Formei vários grupos em Natal, como o Madrigal da Escola de Música da UFRN em 1966, e o coral de vozes masculinas da (antiga) ETFRN (atual IFRN) em 1975”. Pós-graduado em Filosofia e Música na Itália, Padre Pedro fundou o Coral Canto do Povo em 1988 e em 2012 a Camerata de Vozes.

“Minha intenção sempre foi dar um passo à frente, seja em termos de exigência ou de repertório, e quando disse que iria formar um novo grupo (a Camerata) lancei o convite a todos os integrantes do Canto do Povo. Alguns vieram, outros não, cada um tinha liberdade para escolher; sabia que algumas pessoas não estavam satisfeitos com meu trabalho”.

Para Ferreira, “o grande problema” é que ele queria imprimir um tipo de trabalho que não conseguiu emplacar no Canto do Povo. “Estava com dificuldade de conseguir resultados com o Canto do Povo, até me dispus a deixar a regência do grupo quando surgiu a possibilidade de criar a Camerata. A Camerata atende os anseios de trabalho que estava pretendendo, é um grupo pacífico”.

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