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O homem e o tempo

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Cláudio Emerenciano 

Professor da UFRN

Tempos de circunstâncias em que os homens fazem a História. O esplendor da luz, que se irradia e elimina as últimas resistências das trevas. Assim o tempo parece fluir devagar. Lento. Absorvendo e renovando a vida. Às vezes trôpego, em virtude de convulsões e conflitos sociais. Mas a identidade do homem com Deus e sua inserção espiritual na obra do Criador germinam fases em que a humanidade pula e avança. Épocas e períodos de primazia do saber, da ciência, da cultura, além de partilha admirável do homem com a vida e a natureza. Stefan Zweig, em “O mundo que eu vi”, proclamou que o Brasil, no fim da década de 1930 e início dos anos 40, revelava vínculos singulares, senão dependência, entre os brasileiros e a natureza exuberante do país. 
Alberto Dines, em sua monumental “A morte no paraíso”, reconstituiu a vivência do escritor e sua esposa, Charlotte Altman (Lotte), no Brasil; especialmente em Petrópolis (RJ), com detalhes do deslumbramento do casal ante o belíssimo ambiente natural. Infelizmente, os dois romperam tragicamente esse êxtase contínuo. Cometeram suicídio. Stefan Zweig percorreu penoso exílio em diversos países (França, Inglaterra, Estados Unidos, Argentina e Brasil). Sempre discriminado por ser judeu. Sua carta de despedida revelou a extensão do seu desespero: “Antes de deixar a vida por vontade própria e livre, imponho-me última obrigação; dar um carinhoso agradecimento a este maravilhoso país que é o Brasil, que me propiciou, a mim e a meu trabalho, tão gentil e hospitaleira guarida. A cada dia aprendi a amar este país mais e mais, e em parte alguma poderia eu reconstituir minha vida, agora que o mundo de minha língua está perdido e o meu lar espiritual, na Europa, autodestruído (Zweig foi perseguido por Hitler)…”
Entretanto, quando os homens cometem desatinos em escala, perdem consciência da alma do tempo. Ignoram o rumo das coisas. Não identificam o conteúdo que a História imprime à cada época. O espírito do tempo não pode ser ignorado. Submetido indefinidamente às irrupções de barbarismo, injustiça, crueldade, mediocridade, intolerância, histerismo e estupidez, que desvirtuam e subvertem a razão da vida. Há um paradoxo, até hoje enigmático, que germina renovadas teses e antíteses, elevações da alma e do espírito versus contradições e fragilidades humanas; como se fosse possível harmonizar, misturar e juntar o belo e o feio, a bondade e a ruindade, o amor e o ódio, a esperança e o desalento, a paz e a violência, a lucidez e a loucura, o certo e o errado, a ternura e a  truculência, a tranquilidade e a amargura,  o bem e o mal.
Enquanto a cidade dorme, envolvida por um misterioso, imperceptível e inconsútil manto de silêncio, que realimenta sonhos e esperanças, cauterizam-se cicatrizes de tragédias, desencantos e injustiças. Reabre-se para muitos a retomada dos caminhos que ensejam aos seus viajores reconquistar o tempo perdido. Vivemos tempos inusitados, incertos e impactantes. Será que se assiste – diria Ortega y Gasset – à agonia do mundo? Será que os homens, em escala planetária, nos centros cosmopolitas e nos vilarejos, na complexidade da vida urbana, ou na simplicidade e rusticidade da vida campestre, estão abdicando do direito de contemplar, usufruir e incorporar-se às belezas que os cercam? A densidade do homem não está no que ele possui, mas naquilo que ele é, faz, pensa, ama, sonha, cria, agrega e cresce. Há limites éticos e morais que definem um homem, um povo, uma civilização. Edward Gibbon em “Declínio e Queda do Império Romano”, e Paul Kennedy, em “Ascensão e Queda das Grandes Potências” disseram a mesma coisa: a grandeza da condição humana é ilimitada; expressa e projeta uma expansão sem fim. A violência dos dias atuais, disseminando insegurança e desconfiança de uns com os outros, não é apenas manifestação da incompetência do Poder Público. Desafia e entibia os pacíficos. Suscita perplexidades que aumentam a crise de confiança em governantes e instituições. Crise de legitimidade. Infelizmente agravada, em escala planetária, pela pandemia, que ceifou certezas e convicções.      
O homem comum, anônimo, é – disse Antoine de Saint-Exupéry – uma fonte renovável de relações e sentimentos. Não se ama a quem não se conhece. O homem, como as flores dos jardins, precisa ser tratado e ter a oportunidade de conhecer, vivenciar, ampliar e acreditar em seu maior dom: o amor. Tudo advém de sua capacidade de amar. Quando os homens perdem a sensibilidade para admirar o belo, refletir e deixar entrar em seu íntimo, em sua alma, no seu espírito e em sua consciência a singeleza do cântico dos pássaros, prenunciou Shakespeare, referindo-se ao gorjeio suave, romântico e suplicante da cotovia, abdicam de visões do paraíso; o clamor insistente das cigarras, na percepção de La Fontaine, domina tempos primaveris e infunde paixões arrebatadoras, é um canto à vida; ou o balanço das palhas de coqueiros, que emolduram paisagens paradisíacas, consagradas por Somerset Maugham, James Michener, Gonçalves Dias, José de Alencar e Catulo da Paixão Cearense. Ainda hoje inspiram devaneios, que fertilizam a imaginação.
A natureza e a condição humana protagonizam circunstâncias reveladoras de enigmas e desafios sem fim. O duelo entre o vento e o mar. Remonta Homero com as aventuras de Ulisses na “Odisseia”. Cenário em que a coragem exorciza o medo e desbrava o desconhecido. Percurso sem fim da evolução humana, projetado por Arthur Charles Clarke em “2001: Odisseia no Espaço”. As desventuras, genialmente narradas por Joseph Conrad em “Lord Jim”, enfeixam contradições, que culminam com sua própria remissão. Tudo nos remete ao repto de Maurice Druon em “O menino do dedo Verde”: não permitam que Tistu (seu personagem) seja destruído pela descrença, pelo desamor e pela tristeza que abatem o homem. Esse é o desafio: cultivar o próprio homem, redimido por Jesus Cristo com amor e misericórdia infinitos.  
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