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“O jovem que não é revolucionário, não é um jovem”

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Entrevista – Leonardo Boff
Escritor e teólogo

Itaércio Porpino
repórter

Leonardo Boff acredita que pode revolucionar o mundo com a palavra – escrita e falada. Aos 75 anos, tem 94 livros publicados – sobre educação, teologia, filosofia, justiça social, ecologia e outros temas de grande relevância para a sociedade – saberes que também tem compartilhado, por meio de conferências e palestras, com plateias do Brasil e de outras partes do mundo. Na última quarta-feira (24), o teólogo falou “sobre ecologia e o papel da universidade no mundo contemporâneo” para alunos e professores da UFRN na aula magna que abriu oficialmente o semestre 2014.2. Boff tem dedicado boa parte do seu tempo à questão ambiental, destacando-se como um dos principais estudiosos do tema. Ele é um dos autores da Carta da Terra e tem acompanhado e participado das discussões sobre a Agenda 21, instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis. Nesta entrevista à TRIBUNA DO NORTE, concedida no dia anterior a sua palestra na UFRN, o teólogo fala desses dois assuntos e também de política, do papel decisivo que os jovens têm na mudança do Brasil e do Planeta e, claro, da religião Católica. Afinal, ele ganhou notoriedade nos anos 70 como um dos expoentes da Teologia da Libertação, corrente contrária ao conservadorismo da Igreja.  
 Leonardo Boff, escritor e teólogo
Falar aos jovens é algo que o senhor tem prazer em fazer?
Eu gosto de abordar temas da atualidade que tem a ver com o futuro da vida, o futuro da humanidade, a crise da civilização. E as vítimas maiores dessa crise são os jovens, as suas esperanças, a sua busca por posto de trabalho. O jovem precisa se dar conta do mundo que temos, que tipo de sociedade temos, que tipo de governo temos. Isso foi mostrado ano passado nas manifestações de junho. Não nos agrada, não nos representa. Nós queremos outra coisa. Então eu procuro explicar por que chegamos a esse ponto, mas o mais importante pra mim é buscar alternativas que deem esperança. Nós temos que descobrir outro caminho. A humanidade está numa emergência ecológica, numa iminência de conflitos mundiais que podem degenerar numa guerra nuclear, o que seria o fim da espécie humana. Então, minha preocupação é sempre dizer: nós podemos encontrar alternativas, podemos ter um outro tipo de civilização, um outro tipo de forma de habitar o planeta e vocês são os sujeitos principais disso. Nós estamos no fim da nossa caminhada, vocês estão no começo. Há, portanto, uma responsabilidade imensa em cima de vocês: garantir que tenhamos um futuro para o planeta, um futuro para o nosso país, que é decisivo para o equilíbrio da Terra, e também levar avante as conquistas que a humanidade conseguiu, porque elas podem ser perdidas numa eventual catástrofe ecológico-social.

A transformação social passa pela questão ambiental?
Nós temos uma sociedade energívora, que mantém com a natureza uma relação de dominação, e não de cooperação. A sociedade exaure quase todos os bens e serviços no sentido da acumulação, ao preço de devastar ecossistemas, poluir as águas e o solo e criar duas injustiças – uma social, quando temos 1 bilhão e 200 milhões de famintos no mundo, e uma ecológica, devastando a natureza e chegando a um ponto em que consumimos mais do que a Terra nos pode oferecer. Isso significa que a Terra entrou numa crise. Nós estamos sugando dela o que ela não consegue mais dar. Precisamos mudar a nossa forma de consumo para um consumo solidário, sustentável. Podemos ter mais com menos e todos podem ter o suficiente e decente.

Pelo que diz, a humanidade está se distanciando dos princípios da Carta da Terra?
Está, e eu lamento isso. A Carta da Terra, que eu ajudei a escrever, coloca valores e princípios, visões que permitem vivermos juntos sem bifurcar a humanidade entre os que têm e os que não têm; pede uma mudança de mentes e corações para que haja solidariedade e uma outra relação com a Terra. Não uma relação de conquista e dominação, mas uma relação de cuidado de tudo que existe e de cooperação. Devemos produzir, mas produzir dentro dos ritmos da natureza e sem desequilibrar o sistema global da vida e da Terra. Nós estamos longe disso por culpa da falta de consciência, do fosso que existe entre a comunidade científica mundial, que dá todos os anos os dados, e os políticos e as grandes corporações, que não aceitam esses dados e continuam explorando a Terra como se ela fosse um baú ilimitado de onde sempre pudéssemos tirar dela. A Terra é finita e já encostamos no limite dela.

O que tem a dizer sobre a Agenda 21 brasileira? Há avanços em sua implementação?
Eu acho que uma coisa boa que o Brasil e outras nações fizeram foi aplicar nos municípios a Agenda 21, mas não só em termos de meio ambiente, para preservar a mata ciliar, cuidar dos solos, para as cidades terem um ar mais puro e as pessoas poderem ter uma qualidade de vida melhor, mas também em termos de educação, de criar uma consciência da nossa responsabilidade. Ela avançou mais face à herança negativa, ao passivo que temos herdado, especialmente na forma como organizamos as cidades, muito mal organizadas, com um transporte coletivo sem qualidade, com educação que não está à altura dos desafios, com uma saúde que não atende suficientemente. Mas ela está sendo aplicada e tem resultado em modificações enormes, principalmente nos municípios pequenos onde os prefeitos têm essa consciência. Já nas grandes cidades há dificuldades de como gerenciar, como governar, como equilibrar a Agenda 21, uma vez que as cidades são multitudinárias e com carências enormes em vários sentidos.

Às vésperas das eleições, qual conselho daria à sociedade e, sobretudo, aos jovens?
O que o candidato Eduardo Campos (morto no acidente de avião) nos deixou, vale para todos os partidos e para todos os jovens: não desistam do Brasil. Podemos e devemos fazer crítica, mas devemos acreditar que esse país tem futuro. Eu diria mais: muitos cientistas, grandes cientistas do mundo que estudam o estado da Terra, dizem que a solução do planeta Terra, no sentido de encontrar o equilíbrio perdido, passa pelo Brasil, porque aqui estão as maiores florestas úmidas, o maior volume de águas, os maiores espaços de terras férteis, uma população extremamente criativa e não fundamentalista. Então acho que o jovem, se ele não tomar consciência, não der sua contribuição, nós vamos repetir o passado e não vamos ter futuro. Eles têm que discutir com os candidatos, saber escolher bons representantes, cobrar deles, apresentar projetos. Essa nova democracia participativa depende da vontade dos jovens. Eu confio muito nos jovens, no seu entusiasmo, na sua capacidade de indignação. O jovem que não se indigna hoje, que não é revolucionário, não é um jovem. Ele não pode aceitar a situação como está e, simultaneamente, tem que apresentar alternativas, sonhos novos, possíveis, que não sejam meramente utópicos. Nós não queremos mais esse tipo de governo de negociatas e de negócios. Não queremos mais formas meramente representativas. Queremos formas participativas, para discutir juntos os problemas e encontrar soluções. Não queremos mais a corrupção como lógica da política comum dos partidos. Para mim, o grande desafio dessas eleições é como e em que medida os candidatos vão responder à demanda dos milhões de jovens nas ruas. Porque esse Brasil que está aí é um Brasil já superado.

Como observa a Igreja hoje? Ela está passando pela renovação que o senhor sempre defendeu?
Eu acho que a grande bênção para a Igreja foi a vinda de um papa fora dos quadros da velha cristandade europeia, um papa que renuncia a todos os símbolos do poder. Ele não quer nem ser chamado de papa, e, sim, bispo de Roma. Veste-se como qualquer um, não mora num palácio, não quer governar de forma monárquica, mas de uma forma colegiada, com um grupo de cardiais, e dentro do grupo quer convocar mulheres. Então eu acho que há um espírito de grande renovação. Eu mesmo acabei de lançar um livro – Francisco de Assis e Francisco de Roma – que traça um paralelo muito importante entre os dois, mostrando um papa humilde, amigo do povo, que critica o sistema econômico-financeiro como perverso para a humanidade e que se aproxima dos pobres. Ele não fala dos pobres, vai lá onde eles estão. Os toca, os abraça, além de ser aberto ao ecumenismo. Para ele, todas as igrejas valem, desde que uma reconheça a outra e todas juntas trabalhem para o bem da humanidade. É um papa revolucionário.

O senhor está mais próximo à Igreja por causa dele?
Eu sempre estive na Igreja, sou teólogo e tudo, mas me alegra poder assistir a essa época nova, de ter falado já duas vezes com o papa e de ele ter pedido materiais meus sobre ecologia para preparar uma grande encíclica sobre como salvar a vida no Planeta.

Desde quando o senhor se dedica ao estudo e defesa desse tema?
Desde os anos 80, como uma parte da Teologia da Libertação. Porque a Teologia da Libertação tem como marca registrada a opção pelo pobre, a luta contra a pobreza e a favor da justiça social. E hoje o grande pobre é a Terra, que é explorada, sugada, violentada, crucificada, e precisa ser libertada. Foi aí que eu comecei a elaborar uma Ecoteologia da Libertação, hoje, talvez, a ponta mais avançada da Teologia da Libertação.

A Teologia da Libertação, então, não vem perdendo força?
A versão comum que dizem é que é uma teologia do passado. Então eu devo dizer duas coisas: ela não tem mais a visibilidade que tinha antigamente porque não é mais uma teologia polêmica, mas está visível aí. Sempre que há um Fórum Social Mundial nós fazemos, uma semana antes, o Fórum Mundial da Teologia da Libertação, que reúne nunca menos de 3 mil pessoas do mundo inteiro. Depois, entramos no Fórum Social e as palestras que damos são as mais frequentadas, reunindo até 20 mil ouvintes. Então, ela tá viva, e esse papa se enquadra dentro disso, porque na Argentina eles não usavam o Termo Teologia da Libertação, mas usavam Teologia do Povo ou Teologia da Cultura Oprimida, que era uma vertente da Teologia da Libertação.

E como está sua atividade de escritor?
Eu divido meu tempo em três partes. Dou palestra, aqui e fora do Brasil, dou cursos a grupos que me pedem e escrevo. Já escrevi 94 livros, que é o meu trabalho. Eu me considero um trabalhador das letras. O alfabeto é a ferramenta que uso para tentar reconstruir o mundo.

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