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O jurista e o tempo

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Edilson Pereira Nobre Júnior
Desembargador federal

O Direito visa disciplinar a vida em sociedade. Daí segue que a ordem que instaura, bem como aquele incumbido de interpretá-la, deve se sintonizar às mudanças de comportamentos testemunhadas no meio social e que, nos dias de hoje, multiplicam-se quase sempre com enorme rapidez, jamais vista em tempos de antanho.

Desperta a nossa atenção, dentre outros aspectos, o que se passou com o direito de família (ou melhor, direito das famílias). A pena de Caio Mário da Silva Pereira evidencia, com perfeição, a revolução da qual aquele foi alvo. Por ocasião da leitura de seu manual (Instituições de direito civil, 1981, Vol. V, p. 95), tem-se que o autor aponta como exemplo de casamento inexistente o celebrado entre pessoas do mesmo sexo. A sanção – pasmem – seria mais do que a da invalidade, pois, quanto a esta, alguns efeitos não poderiam ser desconsiderados. Diversamente, em seu último livro, escrito às proximidades da promulgação do atual Código Civil (Direito civil – alguns aspectos da sua evolução, 2001, p. 167-203), o autor, esbanjando a sensatez que somente a maturidade sabe proporcionar, discorreu sobre as inúmeras alterações que, por força do caudal dos fatos, o nosso sistema jurídico não poderia alhear-se, dentre as quais estão a união estável, o novo regime de filiação, a orientação sexual e a união de pessoas do mesmo sexo.

Demonstrando que o novo possui sempre um coração antigo, Silvio Neves Baptista (Eça de Queiroz: um caso de abandono materno e de filiação socioafetiva. As consequências do desamparo dos filhos no direito atual) recorreu a história e a literatura para, numa mística, procurar desvendar a questão – atualmente em discussão no Superior Tribunal de Justiça – acerca da responsabilidade civil no âmbito das relações familiares.

Ao deleite da leitura se somou a alegria da menção, por mais de uma vez, a escrito de Mário Moacyr Porto, intitulado “Responsabilidade civil entre marido e mulher”. Escrevendo ao instante das concepções tradicionais que, sobre a família, ainda preponderavam durante o constitucionalismo de 1967-69, o mestre Mário, invocando o exemplo comparativo da jurisprudência francesa – a qual se louvou, até a edição da Lei do Divórcio de 1941, no art. 1.382 do Código de Napoleão, similar ao então art. 159 do Código Civil de 1916 – inclinou-se pela possibilidade de reparação autônoma de outros prejuízos (danos à saúde ou à honra, v.g.), vinculados à dissolução da sociedade conjugal, os quais não seriam reparáveis com a fixação de pensão alimentícia, voltada a compensar a extinção de dever de socorro.

Elucidativa e, ao mesmo tempo, indelével, a passagem que diz: “Com apoio em Ripert, poderemos concluir: a pensão a que alude o art. 19 da Lei do Divórcio repara tão-somente o prejuízo que sofre o cônjuge inocente com a injusta supressão do dever de socorro. Outros prejuízos que resultarem da separação litigiosa ou do divórcio poderão ser ressarcidos com apoio nas regras do Direito comum, isto é, na conformidade do art. 159 do Código Civil. Não ocorre, assim, uma dupla indenização pelo mesmo dano, mas indenizações diversas de prejuízos diferentes”.      

Atualmente, esse pensamento, que mais parecia fruto de um inconformismo argumentativo, vem, lentamente, obtendo guarida em nossos tribunais, o que contribui para provar que, para o homem, neste incluído o jurista, o velho e o novo representam duas faces de uma mesma moeda.

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