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O mal sem fronteiras presente no “Homem de Beijing”

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Nelson Patriota – escritor

Tornar o mal convincente é a meta de todo romance policial. O sueco Henning Mankell, a exemplo do seu conterrâneo Stieg Larsson (autor da trilogia “Milênio”), não foge a essa regra. Seus romances se esforçam ao máximo para convencer o leitor de que o mal que povoa suas histórias, geralmente ambientadas no seu próprio país, pode perfeitamente ocorrer em qualquer outra parte. Falam, portanto, à empatia do leitor. Ou aos seus medos, sejam reais ou imaginários.

A fórmula se repete em seu novo thriller de título enigmático – “O homem de Beijing” (tradução de George Schlesinger, Companhia das Letras, 2011) -, e que arrisca chegar ao topo das nossas listas de vendas no gênero ficção. Isso, apesar das suas 504 páginas, vez que, conforme informação publicitária, o livro já lidera as listas dos best-sellers de pelo menos seis países: Alemanha, Finlândia, França, Holanda, Noruega e Suécia.

Como reina uma forte competição no gênero policial, em escala planetária, é interessante observar que elementos conseguem diferençar um determinado exemplar desse gênero, nos nossos dias, dos seus congêneres. Tomando esse “Homem de Beijing” como exemplo, podemos ressaltar de imediato a dimensão do impacto que desencadeia e alimenta a história: uma série de assassinatos, todos de idosos, excetuada uma criança, ocorridos numa única noite, num pequeno vilarejo no interior da Suécia. O que poderia estar por trás de tamanha monstruosidade?

O desenrolar da leitura revelará que a história se desdobra no tempo – remonta a fatos ocorridos no século XIX, envolvendo trabalho escravo na construção de uma ferrovia no Alabama, EUA -, e no espaço – colocando em cena um sinistro personagem da alta administração chinesa contemporânea. Fazer a conexão de todos esses elementos é o trabalho a que se propõe o experiente Mankell nesse que é talvez o seu mais ambicioso projeto literário, o qual enriquece com seus conhecimentos de África adquiridos in loco. Com o agravante de que, dessa vez, o autor não recorre à habilidade do intuitivo inspetor Kurt Wallander, deixando toda a investigação sob os ombros de uma amedrontada juíza sueca a qual não tarda a descobrir que é uma peça importante da trama internacional que levou aos assassinatos em série na longínqua aldeia de seu país.

Igual a outros bons romances policiais, nesse também a narrativa flui, e logo o leitor descobre que não terá dificuldade para vencer as cinco cen-tenas de páginas que o separam do desfecho do livro. É esse o segredos dos bons autores do gênero. Todavia, se for um leitor preocupado não apenas em fruir da história, mas também em submetê-la a um juízo crítico, poderá discernir aqui e ali hesitações e dúvidas que acometeram o autor, levando-o a negligenciar certos elementos que ficam como brechas ou lacunas no curso da história.

O convencimento do mal, seu timbre de autenticidade e verossimilhança, é o problema que coloca em xeque a narrativa de “O homem de Beijing”. Ao negligenciar os recursos do romance naturalista na exploração das motivações psicoló-gicas, retomados pela psicanálise freudiana, Mankell falha na exploração das motivações do escorregadio Ya Ru (falta-lhe inclusive vida sexual e educação sentimental), personagem que encarna o mal supremo, movido, como um novo Hamlet, por um único propósito: vingança.

É curioso, aliás, que a avançada sociedade sueca inspire histórias de tamanha violência como as que podem ser lidas em Stieg Larsson e Henning Mankell. A gratuidade do mal, que nunca convence per se, serve como uma espécie de linha divisória separando a literatura comprometida com o mundo real daquela que se presta tão somente à indústria de entretenimento, na qual não hesitaríamos em incluir esses dois autores suecos.

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