sexta-feira, 19 de abril, 2024
32.1 C
Natal
sexta-feira, 19 de abril, 2024

O melhor dos vícios

- Publicidade -

Nei Leandro de Castro
escritor

A leitura é um vício sublime. Gera uma espécie de dependência química, ou lírica, como querem os poetas. Em sua excelente biografia de Oscar Wilde, Richard Ellmann dá um bom exemplo dessa dependência. Quando Oscar Wilde foi preso, em 1895, sob acusação de prática homossexual, teve permissão de levar alguns livros para a prisão. Não todos os que ele desejava, sob o risco de abarrotar as celas do presídio. A administração do cárcere por onde ele passou – Pentoville, Wandsworth e Reading – não só limitava o número de livros, mas também censurava assuntos e autores. Era uma tirania, uma estupidez, mesmo assim dava para amenizar uma insaciável sede de leitura. Inconformado com a condenação, indisciplinado por natureza, de vez em quando Oscar Wilde saía de suas leituras para protestar, fazer valer seus direitos. Não demorou muito e os carcereiros descobriram qual era o pior castigo que poderiam aplicar no genial autor de “O retrato de Dorian Gray”. Não era trabalho forçado ou castigo físico. Era retirar de sua cela os livros que ele lia e relia na solidão do cárcere. Sem os livros, o poeta definhava. Sofria mais do que um torturado. No dia em que ele ganhou a liberdade, um dos carcereiros – que testemunhou a tristeza de Wilde quando privado de sua leitura – teria dito: “Sofreu demais. Não vai viver muito tempo.” O escritor irlandês, um dos maiores da língua inglesa, morreria três anos depois, aos 46 anos de idade.

Meu pai, Antônio de Castro, é uma presença constante na minha lembrança, não apenas por sua bondade, sua retidão de caráter, sua coragem pessoal. Quando eu tinha entre 11 e 12 anos de idade, ele me iniciou no vício da leitura. Ler, eu já lia, mas eram livros religiosos, escritos para espantar pecados e matar de tédio os pecadores renitentes. Vendo-me definhar por conta daquelas leituras obrigatórias e chatíssimas, meu pai me apresentou o romance “Capitães da Areia”. Com sua linguagem solta, tema livre de chavões católicos, personagens tão safados quanto os moleques da Rua da Estrela, o livro de Jorge Amado foi uma viagem, um doce espanto, a descoberta de um país das maravilhas. Um pouco mais tarde, Zila Mamede, bibliotecária do Atheneu, me conduziu pelos labirintos, pela magia, pelos alumbramentos contidos em páginas e páginas de bons autores. Newton Navarro me tornou um leitor atento ainda mais seletivo. E eu me rendi ao vício. Para sempre.

A bibliofilia é uma bela compulsão, mas compulsão. Qual a diferença entre a bibliofilia e a bibliomania? Para o Aurélio, a primeira é a arte de colecionar livros, tendo em vista condições especiais ligadas à publicação deles”. Já a bibliomania é a mania de acumular livros. Ambas as modalidades requerem uma boa verba e faro excepcional para descobrir preciosidades. Quanto custaria a biblioteca de José Mindlin, com mais de 35 mil volumes? Quanto teria custado alguns dos exemplares raríssimos que sacralizam suas estantes? Quanto gastam Sanderson Negreiros e Homero de Oliveira Costa na compra de livros? Ao bibliófilo ou bibliômano não interessa o quanto vai gastar para obter o seu objeto de desejo. O importante é ter o livro desejado no aconchego das mãos, sentir o seu cheiro, acariciar suas páginas. Conheci Mindlin em Natal, no final dos anos 1970, durante um congresso literário. Era dono de uma empresa poderosa, a Metal Leve, e já famoso como bibliófilo. Hospedado no Hotel Ducal, com desejo de tomar um banho de mar, ele rodou o comércio do Centro, em busca de um calção que custasse, a preços de hoje, uns dez reais. Não encontrou e ficou indignado com os preços altos de Natal. E eu fiquei de queixo caído: então, esse homem rico, que paga milhares de dólares por um livro, regateia centavos na compra de uma roupa de banho? Alguém explica isso? Só me ocorre uma explicação: o calção é um objeto abjeto, que não guarda nem transmite conhecimentos.

Pensamento da semana: “O mal dos imbecis é pensar que a gente também é. E o da gente é pensar que não.” (Rodrigo Rodrigues Roque)

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas