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O nosso Quinze

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Lívio Oliveira
advogado público e poeta
[email protected]

Quando um novo ano está prestes a eclodir, rebento vivo e que se avoluma diante do túnel do tempo, ingressamos em reflexões múltiplas, mesmo porque nem a alma mais frenética consegue transpor essa linha imaginária e tão real e crua sem que faça uma ou várias breves paradas para retrospectiva interna, montagem de planos em busca do futuro que se faz vizinho, às vezes ameaçador, às vezes esperançoso, sempre alvissareiro de mudanças de rumos e de nascentes escolhas.

O que todos almejam é que os rumos não sejam armadilhas e as escolhas não ousem se transformar em escolhos, obstáculos à felicidade que teima em se posicionar na linha do horizonte. Viver com esperanças. Viver à espera de algo que preencha os nossos vazios, às vezes crateras que se instalam quando menos esperamos, as muitas perdas, as escorregadas e os riscos assumidos ou as fugas desesperadas, tudo está junto nesse caldeirão, nessa receita que chega a confundir cheiros e sabores, que produz lapsos na racionalidade julgada sob controle, emoções que transbordam, dores, alegrias, lufadas da refrescante e intensa novidade, logo tornada uma peça de museu, uma velharia, como o ano que já começa a desistir e expirar.

Sou um beatlemaníaco com sintomas estáveis (nunca entendi essa expressão usada frequentemente pela medicina e pela imprensa para definir quadros clínicos de doentes graves, ehehe!) e, nessa condição, tenho pela poesia das letras de George Harrison, um Beatle subestimado, o mais profundo respeito e dedicada afeição. Uma das minhas canções preferidas é “All Things Must Pass”, em que George se aproxima fortemente da realidade das coisas ao anunciar, simples e sinceramente, que “todas as coisas devem passar” ou mesmo que “todas as coisas passarão”, até mesmo o “eu, passarinho” de Quintana.

É a mais cabal confirmação de que não somos eternos e nem nada é, o que parece desesperador em algum instante. Penso, no entanto, que a expressão não deve ser lida por esse ângulo, por esse ponto de vista equivocado, apesar da sua inexorabilidade expressa. Antes, percebo essa bela frase como um sinal de que devemos prosseguir da melhor forma, buscando o melhor caminho, mesmo que nos deparemos com perigos e espinhos, que pareçam intransponíveis os obstáculos, até mesmo que o cinza tome conta por períodos longos e faça inverno dentro de nós.

O nosso primeiro Quinze está chegando. Vale a pena lutar para que, mesmo que a aridez e o tempo inclemente e duro se aproximem, como no romance de Rachel de Queiroz, não exista seca lá dentro de nós, não permitamos a miséria interna, o caos instalado em corações e mentes, a falta de fé no que temos de humano e onde corre o veio da vida.

Gosto de ouvir a “Embolada do Tempo”, de Alceu Valença, para entender minimamente o que se passa quando passamos as folhas do calendário. O genial artista pernambucano serve de bandeja a receita para nossa calma, serenidade mesma diante dos prazos, que buscamos transformar em prazeres: “Você quer parar o tempo/E o tempo não tem parada/Você quer parar o tempo/O tempo não tem parada/Buraco negro/A existência do nada/Noves fora, nada, nada/Por isso nos causa medo/Tempo é segredo/Senhor de rugas e marcas/E das horas abstratas/Quando paro pra pensar”. Pare pra pensar, enquanto é tempo. E aproveite o Quinze que vem por aí. Afinal, estamos todos apenas debutando nesse início de século e de milênio.

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