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O palco é o divã

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Yuno Silva
repórter

Os recantos mais obscuros do inconsciente e a forma de revelar essa intimidade causam estranheza em qualquer pessoa, e é aí que entra a psicanálise – justamente para dar algum direcionamento de como lidar com a difícil tarefa de encarar os próprios fantasmas. E quando se fala no assunto, logo vem a imagem do divã e de uma figura freudiana com olhar enigmático. Para tentar  desmistificar esse estranhamento natural, o psicanalista e psiquiatra carioca Antônio Quinet, que também é ator e dramaturgo, encontrou no teatro sua maneira de tratar o tema. Ele aterrissa em Natal com o espetáculo “Variações Freudianas 1: o sintoma”, que será encenado amanhã, às 20h, no Teatro Alberto Maranhão – Ribeira.
Antônio Quinet  escreveu e atua na peça Variações Freudianas e diz que espetáculo transporta o público para a cabeça do analista
Antes de encarar a plateia, Quinet participa nesta sexta-feira, às 19h30, de evento comemorativo aos dez anos de atividades do Fórum Natal – Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, durante o qual irá proferir a conferência “A estranheza da psicanálise” no auditório do Harmony Medical Center em Petrópolis. Doutor em Filosofia (Universidade de Paris VIII), dramaturgo, membro do Fórum Lacaniano e autor de vários livros na área que notabilizou Freud, o carioca também aproveita sua passagem por Natal para lançar o livro “A estranheza da psicanálise: a Escola de Lacan e seus analistas” – a conferência gira em torno dessa publicação.

Fusão artística

Segundo o psicanalista, para se atingir a finalidade de passar o funcionamento do inconsciente de uma maneira, digamos, mais acessível, o espetáculo utiliza não só as artes cênicas como a música, a dança e recursos audiovisuais.

“Usamos imagens de sonhos e fantasias, e fragmentos que se mesclam como acontece quando sonhamos ou fantasiamos. Tanto a direção corporal quanto a trilha sonora contribuem com esse objetivo, pois a psicanálise mostra que o corpo é o palco do desejo e que o inconsciente é polifônico, como na música – onde há um tema e suas varaições – e os sintomas (neuróticos e/ou contemporâneos) são variações de um mesmo tema inconsciente”, explica Antônio Quinet. “O sintoma é o teatro do inconsciente”, garante.

Cia inconsciente em cena

Este é o segunda montagem da Cia. Inconsciente em Cena. Inspirado em casos estudados por Freud, o espetáculo traz dramaturgia cênica desenvolvida em dois planos: o da realidade e o da Outra Cena, primeiro nome que Freud deu ao inconsciente. Mesclando sonhos e fantasias com pensamentos, teorias e falas, a peça retrata a simultaneidade dos dois planos na vida cotidiana. “O sonho invade a realidade que se confunde com a fantasia, e os sintomas dos personagens expressam o ponto de contato entre esses dois planos”, verifica o autor.

Utilizando a linguagem de teatro coreográfico, as cenas dialogam com a composição musical barroca e contemporânea, e materializam situações de sonambulismo, pânico, fobia, histeria, obsessão, compulsão e a repetição de rituais neuróticos. “Temas atuais, como a tendência ao uso indiscriminado de remédios psiquiátricos; a insatisfação feminina; e a resistência ao compromisso amoroso também estão presentes, e circulam entre o trágico e o cômico, compondo um mosaico de diversas cadeias e fluxos”, conclui.

Entrevista/Antônio Quinet

A intenção do espetáculo é transformar a plateia num grande divã coletivo?

Não, a intenção é fazer o público entrar na cabeça do analista e ver como ele analisa os casos e elabora um saber sobre eles.

Houve a preocupação de tratar um assunto complexo como a psicanálise de uma forma mais acessível para o público? Há uma trama convencional como pano de fundo dramático?

Nosso desafio, ao montar essa peça, foi o de trazer casos de pessoas com sintomas, casos tratados por Freud e casos da vida atual, com uma linguagem que apresentasse o modo de funcionamento do inconsciente. O espetáculo traz um psicanalista em seu consultório, envolvido na construção de uma conferência e com personagens projetados, imaginados. 

Por que a escolha de instrumentos antigos, como alaúde e sinos tibetanos por exemplo, para sonorizar a peça?

O diretor musical, José Eduardo Costa Silva, considerou a sonoridade barroca como a mais capaz de evocar a riqueza e a variabilidade dos conteúdos inconscientes. É a música das paixões, dos excessos e das fortes emoções, e por si só ela emociona e pontua as cenas conferindo-lhes uma vivacidade e emotividade que amplificam os afetos do personagens.

O espetáculo pode ser definido como um drama ou uma comédia?

Como o espetáculo da vida, “Variações” tem tudo: momentos de uma dramaticidade emocionante e momentos super cômicos. Em todos os casos, é impossível o espectador não se identificar ou identificar algum conhecido – o que geralmente faz cair algumas fichas e provoca o riso.

Como se deu o envolvimento com a produção teatral?

Foi a partir de meus estudos sobre o nascimento da psicanálise, quando Freud se depara com o “teatro histérico” promovido por (Jean-Martin) Charcot (1825-1893, médico e cientista francês), que hipnotizava os pacientes histéricos e os apresentava ao grande público fazendo e desfazendo sintomas através da sugestão. Freud viu ali a encenação de fantasias inconscientes e de traumas sexuais e se dispôs a analisar o “teatro privado” e inventou a psicanálise.

Falando sobre inspirações: conhece outros projetos artísticos que também utilizam a psicanálise como fio condutor?

Aqui no Brasil, não. Na Argentina tem Eduardo Pavlowsky e na França Alain-Didier Weill.

Abrindo a psicanálise e a filosofia para o público

O carioca esteve em Natal há cerca de dez anos, quando o Fórum local da Escola de Psicanálise do Campo Lacaniano foi criada. “Será muito importante contarmos com a presença de Quinet”, disse Adriana Caldas de Sá, coordenadora do FCL Natal. “A psicanálise é reveladora do sujeito, e Quinet tratar a estranheza que o assunto causa nas pessoas de forma natural, sem deixar de lado os embasamentos teóricos e a profundidade que a abordagem merece”, adianta.

De acordo com o Adriana, a intenção é desmistificar e mostrar que a temática dialoga com outras áreas de conhecimento como Direito, Ciências Socias, Filosofia e Artes. “Estamos caminhando para uma desconstrução daquele pré-conceito de só buscar a psicanálise quando algum sintoma é identificado. Cada vez mais, as pessoas estão buscando o entendimento, o autoconhecimento, um esclarecimento enquanto sujeito falante”, aposta.

Adriana disse que à conferência é aberta a qualquer pessoa interessada, e lembrou que o FCL Natal tem uma programação anual igualmente acessível. “Temos quatro seminários funcionando de forma simultânea, e as pessoas podem se incorporar a qualquer momento”, avisa. Os encontros acontecem na sede do Fórum Natal em Lagoa Nova e os interessados podem entrar em contato através do endereço eletrônico [email protected]. O FCL Natal também mantém um grupo de discussão que faz um paralelo entre a psicanálise e a literatura de Clarice Lispector.

Serviço

Sexta, dia 2: Conferência “A estranheza da psicanálise”, hoje, às 19h30, no Harmony Medical Center, rua Cel. Joaquim Manoel, 615 – Petrópolis. Ingressos: R$ 60 (profissionais) e R$ 30 (estudantes).

Sábado, dia 3: apresentação do espetáculo “Variações Freudianas 1: o sintoma”, às 20h, no Teatro Alberto Maranhão (ingressos R$ 60 e R$ 30); e lançamento do livro “A estranheza da psicanálise: a Escola de Lacan e seus analistas” (R$ 42).

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