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O Potengi amado

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Nei Leandro de Castro
Escritor

Quando vou a Natal, um dos meus primeiros passeios é cruzar a Ponte Newton Navarro e ir ao mercado da Redinha, comer tapioca com ginja. As netas de Dona Dalila continuam a fazer com esmero a delícia que conheço desde a infância. Quando estou com sorte, encontro Castilho no bar Pé do Gavião e aí botamos em dia o nosso papo, com referências obrigatórias à Rua da Estrela,  às peladas da Rua Apodi, as brigas com a turma da Rua Camboim.

Tomar banho no Potengi era um  dos melhores programas da infância. A turma ia para o meio do rio e ficava brincando de cangapés. De vez em quando, alguém gritava: “Tem cheiro de melancia!” – e havia uma debandada geral. Dizia a lenda que os cações tinham cheiro de melancia.

Numa manhã, eu e meus irmãos Euclides e Berilo alugamos uma canoa para atravessar o rio. A certa altura, caiu um toró assustador que quase vira a canoa. Mesmo apavorados, conseguimos chegar na outra margem. O trauma ficou: nunca mais andamos de canoa.

A travessia Natal-Redinha era por lanchas ou por líricos barcos à vela. Meu irmão Airton pulava no Cais Tavares de Lira e ia a nado até a Redinha. O primo Itamar amarrava uma corda na cabeça de um golfinho e surfava de Igapó à entrada da Barra. Itamar contava que um dia teve um aborrecimento em casa e não contou conversa: pulou n’água e foi nadando rumo ao alto-mar.  No meio da travessia, um cardume de botos se juntou a ele e foram nadando até Fernando de Noronha.  Itamar dizia que a conversa com os botos foi muito engraçada.

– Mas boto conversa? Como é a conversa de boto? – perguntou alguém.

– É aquele nhenhenhém de boto – disse Itamar, que rivalizava com o galego Assis sobre quem tinha mais imaginação.

Na Redinha, Zé Aguinaldo preparava uma peixada que dava para um batalhão. E, certa vez, depois de uma peixada, o poeta Sanderson Negreiros viu uma aviadora pilotando um avião à beira-mar. Era Ângela, filha de Aguinaldo, a única mulher que cruzava os ares da terra de Poti mais bela.

– Eu vou me casar com aquele aviadora – disse o poeta, que sequer a conhecia. E se casaram, e foram muito felizes.

Certa manhã, eu caminhava com Castilho na beira da praia da Redinha quando veio uma tempestade terrível, com raios e trovões. Fizemos o que jamais deveria ser feito: nos refugiamos nas águas, onde os raios caem com mais incidência. Naquele dia, os nossos anjos da guarda tiveram um trabalho terrível de aparar os raios que vinham em nossa direção.

O saudoso Lula Guimarães também era um dos admiradores da Redinha, onde comprou uma casa, freqüentada por todos os amigos. Tenho muito vontade de conhecer o Bebódromo, o nome com que Castilho batizou a sua casa da Redinha, com portas escancaradas para os amigos.

Citação da semana
“É um sacrifício namorar com uma mulher sem orifício”

Chico Buarque de Holland, no verso mais infeliz de sua carreira.

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