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O Reis Magos de Vereda

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Woden Madruga [ [email protected] ]

Era manhã de terça-feira, 16, já não se via sinal nenhum da lua vermelha, quando cai na bacia das almas mensagem do mestre Florentino Vereda, agora enfrentando o pé d’água que todas as tardes sacode o Jalapão fazendo transbordar os rios do Tocantins e dando mais força e beleza as cachoeiras de lá. Ao mesmo tempo o estrondo dos trovões causa medo aos veados mateiros daqueles cerrados, uma espécie  que é muito bem preservada por aquelas bandas. Fogem assustados para os fundos da mata. O texto de Vereda tem como mote a preservação do prédio do finado Hotel dos Reis Magos que consegue sobreviver à maresia  da Praia do Meio e o apagão cerebral dos pajés da aldeia. Junto ao texto, um bilhetinho rápido: Meu caro Woden: nesta semana dedicada às preces, rogo a Deus que estejas com saúde. Pensei passar o feriadão aí em Natal, mas não foi possível. Fica para outra, quem sabe, num intervalo da Copa. Mando-lhe um pequeno texto, para que, com ele, embrulhe um peixe do Canto do Mangue e, com taças de vinho ou doses de Old Parr, na companhia de Alex e de Careca, lembrem-se do amigo distante dos olhos, presente na memória. Feliz Páscoa. Florentino Vereda.  Segue o seu “legado” do Reis Magos:

“Nos últimos anos da década de 1960, sempre que ia com Alex à “Tenda do Cigano”, passávamos pelo Hotel dos Reis Magos. Algumas vezes chegamos a entrar, meio encabulados, lisos, mas deslumbrados com o luxo de suas instalações e dos seus equipamentos. Era, realmente, uma bela obra arquitetônica, emoldurada pela orla marítima da antiga Praia do Meio, hoje deteriorada, abandonada e entregue às baratas e às barracas fétidas onde se misturam bêbados e prostitutas, em busca dos prazeres mundanos. Não posso esconder a tristeza que me acudiu quando, da última vez em que estive aí em Natal, passei em frente àquele prédio imponente, de curvas suaves e elegantes, e vi, na sua decrepitude, a face de uma cidade que despreza suas relíquias e deleta seu passado.

Soube da polêmica que houve entre o atual proprietário do “Reis Magos” – que pretende demolir o prédio abandonado e ali construir um shopping center – e o Ministério Público, cioso da preservação do patrimônio arquitetônico e histórico da “Nova Amsterdã”, hoje “Cidade do Sol”. Houve até alguns lances estranhos, como o “tombamento parcial” do prédio, coisa que  não entendi muito bem. Afinal, como se pode tombar administrativa e parcialmente algo que, fisicamente, está a ponto de desabar, segundo o seu proprietário.

Hoje, por fim, leio que o empresário resolveu não mais demolir o prédio. Vai refazer o projeto  e tentar ressuscitar o defunto. Como disse a um jornal local: ‘Eu queria dar um presente a Natal’. E vai mais longe: para que os turistas não vejam as ruínas do Reis Magos, vai “(…) passar uma pintura no prédio, para melhorar o visual durante a Copa do Mundo”. Boa ideia. Vamos adotá-la em outras áreas, de forma diferente, mas com a mesma intenção do disfarce e do embuste.

Por exemplo: vestir os mendigos, flanelinhas, malabaristas e lavadores de para-brisas em semáforos, com bermudas verdes e camisetas amarelas. Vamos escovar-lhes os dentes com dentifrícios Kolynos para  melhorar os sorrisos com que abordarão os incautos turistas que ousarem parar num sinal vermelho. Poderíamos também distribuir celulares velhos e imprestáveis aos visitantes que aqui desembarcarem, a fim de que, quando forem assaltados, possam manter os seus smartphones intactos e enganarem os meliantes.

Mas resta-me uma dúvida. Não creio que o  “Poema de concreto” tinha menos importância histórica e arquitetônica que o Hotel dos Reis Magos. Se na piscina do hotel, Xuxa conseguia levantar o ânimo de Pelé, no gramado do “Castelão”, Alberi levantava multidões com suas jogadas geniais. E o Machadão, embora mal cuidado, ainda funcionava plenamente. Mas os “preservacionistas” não tiveram, em Lagoa Nova, a mesma combatividade que demonstraram na Avenida Circular. Talvez por não gostarem de futebol e de multidões suarentas e preferirem o luxo e o conforto dos salões e piscinas dos grandes hotéis.

Aqui no Tocantins não teremos jogos da Copa. No Jalapão, talvez não se ouça nem os gritos das torcidas entusiasmadas. Mas, num raro momento de descanso, não consigo me desligar da minha cidade adotiva, capital dos Reis Magos. Quase me oferecia para ajudar a contribuir com os 10,2 milhões de reais que o Governo do Estado desembolsará mensalmente, ao longo dos próximos oito anos. Só não o fiz porque ainda estamos pagando a prestação do apartamento da Jéssyka. A Jenicleide bateu o pé e disse que Rosalba ou ela.

O fato é que ando preocupado, desde que me disseram que se o governo do Estado não conseguir pagar as prestações, a OAS ficará com o terreno do Aeroclube e, obviamente, com as edificações onde, nos meus tempos de adolescente, brinquei alguns carnavais ao som do “Espalha-merda” de Tota Zerôncio e de “Corre, corre lambretinha”. Deus queira que  não aconteça uma desgraça destas. Vamos torcer para que, todo fim de semana, a Arena das Dunas se encha de gente, seja para ver futebol, seja para ver os leões devorando os pagadores de impostos, seja para levantar preces a Cristo, Alá, Buda, ou até  mesmo para assistir Ivete Sangalo e Wesley Safadão. Não podemos perder o Aeroclube.

Ou quem sabe, na Arena das Dunas, poderemos reviver os carnavais do Aeroclube e cantar de novo as marchinhas do saudoso Doziinho.

Um abraço do amigo Florentino Vereda”

Poesia
Na gaveta, entre papéis  selecionados, encontro um exemplar da edição mimeografada de Fragmentos Poéticos, de Volonté. Na quarta capa está escrito: “edição marginal do autor”. E mais: “Após a leitura deste livro se não gostou leve pra o aparelho sanitário da sua casa lá servirá pra outro serviço”. E  outro aviso: “venda sob prescrição ideológica”. E mais, mais: “Um dia a profissão de poeta será reconhecida no mundo inteiro. Como diz Vladimir Maiakovsky: ‘O poeta é um operário.’”

A edição é de 1980, tem apenas 14 páginas,  16 poemas e ilustrações de João Maria Fernandes: Passo / pássaro perdido/ passo / na laguna / olhar perdido / maravilha da natureza / passo / pássaro / meus passos na avenida / passo / sei que um dia / ainda passo dos meus passos (Do poema Olho e Passo). 

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