quinta-feira, 28 de março, 2024
25.1 C
Natal
quinta-feira, 28 de março, 2024

O silêncio dos Mestres

- Publicidade -

Michelle Ferret

Depois de Dona Militana ir embora das terras de São Gonçalo do Amarante, deixando o cheiro do cachimbo e o som calmo dos seus romances no ar, no último domingo foi a vez do Mestre Lucas dos Congos. Ele se foi levando em si a força dos caboclos e a delicadeza das cantigas que só os grandes mestres segredam.

Faz dois meses que Lucas Teixeira de Moura sofreu o primeiro AVC e desde então recebia acompanhamento médico, até sua internação definitiva no último dia 3. De lá para cá sua situação só piorou e veio a falecer aos 89 anos. Em seu velório, um arco iris e o colorido dos galantes contrastava com o dia triste.

Seputamento do mestre Lucas Teixeira  de Moura, Mestre de Congos.Mesmo afastado das repartições culturais por motivo de saúde, o folclorista Deífilo Gurgel fez questão de abrir uma exceção para falar sobre o Mestre, quem conheceu no início da década de 70. “Ele era o Rei dos Congos, de João Menino que na época era a figura principal.  Lembro que ele era um dos figurantes mais altos e mais destacados do grupo. E mesmo meu contato mais estreito ter sido com João Menino, seu Lucas marcou”, lembrou seu Deífilo.

Na memória, Deífilo guarda a doçura e delicadeza de Lucas. “Nós gravamos um pequeno disco na década de 80 e Lucas marcou muito, pois ele era muito atencioso e doce. Seu jeito de ser encantava. Além do que ele tinha importância dentro da brincadeira pois ele sabia a parte dele e de todos”.

O folclorista contou que a gravação citada foi transformada em disco compacto e hoje se perdeu. “Seria fundamental um trabalho de registro com todos os folguetos. Ele era uma personalidade forte tanto nos Congos tanto pela sua história de levar para frente a brincadeira.”, ressaltou.

Ainda nessa época, Seu Lucas brincava não só o Congo, mas o Fandangos e dançava no Fandango do pai de dona Militana. “Lembrar de tudo isso dá uma saudade danada da pureza da vida. Faz pouco tempo que Dona Militana foi e agora seu Lucas. Digo que é muito difícil recuperar um grupo como o dos Congos pela realidade que vivemos na contemporaneidade. A pureza do tempo de João Menino se perde hoje, não tem muito espaço, infelizmente. O público feminino que antes era forte nas brincadeiras, hoje se encanta nas novelas e não vão querer sair de casa para ver congos nem coisa nenhuma, salvo os estudiosos. É muito difícil.”, completou.

Para ele, muitas coisas ficam no caminho, o repertório vai sendo esquecido e diminuído, o som das televisões tomam conta das cantigas de roda e toda a pureza se esvai. “Esses meninos, netos e parentes de Lucas, poderiam começar a pensar no registro dos Congos.  Se existisse alguém que pudesse juntar tudo para registrar seria como retornar e trazer de volta a poesia”, disse.

Em sua visão, os poemas e as músicas – “embora muitas vezes monótonas” – recordam fatos interessantes e fundamentais do mundo. “seria uma maneira de nos conhecermos melhor”.

Para finalizar a entrevista, seu Deífilo lembrou que fazia aproximadamente cinco anos que seu Lucas não brincava cotidianamente. “Ele estava muito largado. Ele escreveu uma época de glória e hoje em dia ninguém mais percebia, infelizmente. Há estados como o Maranhão e Pernambuco em que os Mestres vivem com maior dignidade, creio.  Para mudar essa realidade triste de hoje, precisaria nascer uma nova realidade”, avisa.

“É um dos últimos grandes mestres e se foi da noite para o dia.”

A frase é de Lenilton Lima, fotografo, pesquisador e quem acompanha de perto o movimento da cultura popular do RN. Para ele, devido a política que ignora a cultura popular, os mestres estão indo embora e a sociedade não está percebendo. “Deveria existir um olhar mais amplo, mais humano inclusive de todos para a compreensão da importância delas para o mundo. Dona Militana se foi. Quando ela partiu conseguiu aos trancos sua aposentadoria. Mas Chico Daniel, Mestre Eufídio, todos estão indo embora sem dignidade”, disse.

Lenilton está próximo do neto de seu Lucas, o músico Gláucio Teixeira, fundador do grupo Pedro Breu. Segundo ele, os netos, junto com os amigos e outras pessoas que ainda se interessam pela cultura popular estão se reunindo    em São Gonçalo com a perspectiva de continuar o trabalho dos mestres. “Estamos querendo restaurar o Fandangos, os Congos e o Boi. A gente sabe que se não tiver um trabalho sólido e bem intencionado tudo isso vai acabar de vez e não vamos chegar a lugar algum”.

Uma das saídas que eles estão percebendo é o contato com pessoas de outros países.  “A articulação do registro, a divulgação, mantendo a pureza é difícil, mas acreditamos não ser impossível”.

O VIVER tentou conversar com o neto de seu Lucas mas o dia estava nublado demais para entrevistas. Era o mesmo instante em que o corpo de seu avô estava sendo velado no Teatro Municipal de São Gonçalo do Amarante com missa de corpo presente. Com as vestes de Mestre, ele encerrou ali as brincadeiras que começaram aos oito anos de idade como Contra-Mestre do Boi Calemba de Pedro Guajiru. Não parecia triste. Seu semblante parecia lembrar das danças dos Fandangos, Bambelôs e ainda segurava o cedro como Mestre dos Congos , levando para sempre.

 O sepultamento aconteceu no cemitério Público de São Gonçalo do Amarante numa tarde chuvosa.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas