Yuno Silva
Repórter
“Tomado por um sentimento de impotência, cheguei à triste conclusão de que Era uma vez o nosso litoral! Era uma vez o nosso povo! Era uma vez a esperança de um Brasil gigante, civilizado e exuberante! Assim, à medida que me aprofundava neste trabalho, conversava com as pessoas e documentava as realidades do sertão e litoral, fui compreendendo que o abandono dos jumentos simbolizava o descarte de uma cultura e valores que não precisariam ser desprezados em nome do desenvolvimento”, desabafa o fotógrafo Marcelo Buainain no editorial do livro “Era uma vez…”. O lançamento está agendado para o próximo dia 11 (quinta), às 19h, na Pinacoteca do Estado, e acompanha exposição homônima. 
Contemplado pela Funarte com o Prêmio Marc Ferrez de Fotografia, Buainain denuncia a situação precária de quase extermínio e a falta de atenção de órgãos públicos com o mais dócil e servil dos animais. “É preciso estabelecer uma relação de gratidão com o jumento. Foi o animal que mais prestou serviços à humanidade e Jesus não o escolheu por acaso: poderia ter montado um cavalo, mas preferiu ressaltar a humildade e a servidão que o jegue representa”, disse o fotógrafo, informando que o jumento é o bicho mais citado na Bíblia: 133 vezes.
Através de imagens em preto e branco, característica sempre presente em seus registros, Marcelo não só levanta a questão como chama para uma nova rodada de debates sobre um assunto que já rendeu polêmicas internacionais acaloradas. “É uma visão realista, uma constatação, bem diferente de pessimismo”, frisou o autor por telefone ao VIVER.
Como desdobramento será realizado no dia 16, às 18h30, no Teatro de Cultura Popular/FJA, o “1º Seminário Era Uma Vez Jumento”, que terá a presença de Kátia Lopes, da Ong DNA – Defesa da Natureza e dos Animais (Mossoró); Eduardo Aparício, da União Internacional Protetora dos Animais (Fortaleza/CE); Eribaldo Nobre (Jesus do Apodi), que acolhe jumentos em sua fazenda; Fernando Nobre, zootecnista e professor; Paulo Balá Bezerra, médico e escritor; e o próprio Buainain. “Substituído pela motos, por tratores e sob o risco de virar ‘comida para presidiários’, o jumento está sendo dizimado no RN pelo total descaso e abando das pessoas, e a pela inércia dos gestores públicos”, critica.
O fotógrafo despertou interesse pelo tema após ler um artigo no Estadão, em 2012, do francês Gilles Lapouge. “Foi quando caí em campo para garimpar imagens, isso antes do prêmio da Funarte. Era um projeto particular sobre um animal que ajudou a sustentar famílias, carregou água, esteve na construção de açudes e possibilitou o acúmulo de muitas fortunas pelo Nordeste”, lembrou Buainain. “Se continuar nessa perspectiva, as futuras gerações daqui mesmo do Nordeste, vão ver um jumento no zoológico. É uma projeção grave”, lamenta.
Santuário
No “Dicionário Criatório”, obra do escritor e sertanista Oswaldo Lamartine, o jumento é “o animal que mais compartilha da fome do sertanejo nos anos secos. Daí, a irreverência de dizer-se que em tempo de seca só escapa padre e jumento”. O jumento que levou Jesus de Belém para Nazaré, é o mesmo que contribuiu para o desenvolvimento social do nordestino, que vem deixando de ser referência de hospitalidade.
Marcelo circulou pelo Rio Grande do Norte, Bahia e Ceará, e verificou um processo avançado de degradação: “Quando falo em degradação me refiro a paisagem natural e humana, uma ocupação desordenada e fora de contexto. Hoje essa condição de violência extremada chegou aos rincões do sertão, andei por pequenos povoados onde as pessoas estão vivendo enjauladas, com grades nas janelas, e nisso o nordestino vai deixando de ser uma referência de hospitalidade”.
Como bem cantou Luiz Gonzaga: “O jumento é nosso irmão / Quer queira, quer não / O jumento sempre foi / O maior desenvolvimentista / Do sertão…”
